10 anos do Acordo de Paris: para Lula, desenvolvimento não precisa sacrificar a geração de riqueza

Lula diz que Acordo de Paris está longe da meta e faz apelo a líderes por novas fontes de financiamento
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Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a fotografia oficial da Cúpula do Clima (COP30). Parque da Cidade – Belém (PA). Foto: Ricardo Stuckert / PR

Na sessão temática “10 Anos do Acordo de Paris: Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e Financiamento”, na Cúpula de Líderes, em Belém (PA), o presidente Lula diz “no que depender do Brasil, Belém será o lugar onde renovaremos nosso compromisso com o Acordo de Paris”. Leia em TVT News.

Resumo: o que Lula disse na sessão sobre os 10 anos do Acordo de Paris

  • Segundo a Agência Internacional de Energia, em 2024, o crescimento das emissões foi inferior ao do PIB global, mostrando que é possível um novo modelo de economia sem sacrificar a geração de riqueza.

  • É viável trabalhar por uma transição justa, em que o Sul Global tenha as oportunidades que lhe foram negadas no passado.

  • O Brasil vai renovar o compromisso com o Acordo de Paris: além de implementar o que já foi acordado, vai adotar medidas adicionais capazes de preencher a lacuna entre a retórica e a realidade.

  • Não faz sentido, ético ou prático, demandar a países em desenvolvimento que paguem juros para combater o aquecimento global e fazer frente a seus efeitos.

  • A meta do financiamento climático é de um trilhão e trezentos bilhões de dólares por ano e sem incluir o capital privado e outras fontes de financiamento, a conta não fecha

A Terra é única. A humanidade é uma só. A resposta tem de vir de todos, para todos.

Presidente Lula

Lula diz que Acordo de Paris está longe da meta e faz apelo a líderes

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou preocupação com a situação climática do planeta e fez um apelo para que líderes do mundo inteiro reafirmem o compromisso com o Acordo de Paris, que está completando 10 anos. Na última sessão temática da Cúpula do Clima, em Belém, na tarde desta sexta-feira (7), o presidente fez críticas à ação dos países para mitigar as mudanças do clima.     

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Mesa Redonda de Líderes. Reunião de Transição Energética, na Cúpula do Clima, que reune liderenças mundiais para discutir os principais desafios e compromissos no enfrentamento da mudança do clima. Foto: Rafa Neddermeyer/COP30

“O mundo ainda está distante de atingir o objetivo do Acordo de Paris. O acordo se baseia no entendimento de que cada país fará o melhor que estiver ao seu alcance para evitar o aquecimento de 1,5º C. O que nos cabe perguntar hoje é: estamos realmente fazendo o melhor possível? A resposta é: ainda não”, afirma.

Lula observou que América Latina, Ásia e África são as regiões que correm o maior risco de se tornarem inabitáveis nas próximas décadas, incluindo um possível desaparecimento de ilhas no Caribe e no Pacífico por conta do aumento do nível dos oceanos pelo derretimento das geleiras.

“Omitir-se é sentenciar novamente aqueles que já são os condenados da Terra”, sentenciou.

O presidente insistiu na necessidade de revitalizar as metas do Acordo de Paris, por meio das Constituições Nacionalmente Determinadas, as chamadas NDCs (sigla em inglês).

“Cem países, representando quase 73% das emissões globais, apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas. Em sua maioria, as novas NDCs avançaram ao abranger todos os setores econômicos e todos os gases de efeito estufa. Mas o planeta ainda caminha para um aquecimento de cerca de 2,5º C. No que depender do Brasil, Belém será o lugar onde renovaremos nosso compromisso com o Acordo de Paris”, pontuou.

O presidente apontou a necessidade não apenas de implementar o que já foi acordado, mas também de “adotar medidas adicionais capazes de preencher a lacuna entre a retórica e a realidade”.

Comunidades tradicionais e financiamento

O presidente Lula apontou também que o Brasil vai propor que a COP na Amazônia reconheça o papel dos territórios indígenas e comunidades tradicionais e as políticas de proteção como instrumento de mitigação climática.

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“A Terra não comporta mais o modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que vigorou nos últimos 200 anos,” afirmou Lula.. Foto: Ricardo Stuckert / PR

No tema do financiamento, Lula citou o Mapa do Caminho Baku-Belém, que propõe alternativas para chegar à meta de US$ 1,3 trilhão por ano para mitigação e adaptação das consequências catastróficas das mudanças de temperatura planetária.

“Hoje, só uma pequena parcela do financiamento climático chega ao mundo em desenvolvimento. A maioria dos recursos ainda é oferecida sob forma de empréstimo. Não faz sentido ético ou prático demandar a países em desenvolvimento que paguem juros para combater o aquecimento global e fazer frente ao seus efeitos. Isso representa um financiamento reverso, fluindo do Sul para o Norte global”, argumentou. O presidente defendeu instrumentos de troca de dívida de países por ações climáticas e apontou que o enfrentamento da mudança do clima deve ser visto como investimento, não como gasto.

Taxação de grandes fortunas

Ao lembrar que a maior parte da riqueza mundial gerada nas últimas quatro décadas foi apropriada por indivíduos e empresas, ao passo que os orçamentos nacionais encolheram, Lula defendeu a taxação de grandes fortunas.

“Segundo a Oxfam, o indivíduo pertencente ao 0,1% mais rico do planeta emite, num único dia, mais carbono do que os 50% mais pobres da população mundial durante o ano inteiro. É legítimo exigir dessas pessoas uma maior contribuição. O imposto mínimo sobre as corporações multinacionais e a tributação do patrimônio de super-ricos podem gerar recursos valiosos para ação climática”, apontou.

Os mercados de carbono também poderão ser tornar fontes de receitas públicas, apontou Lula, mas ainda dependem de maior escala caso os países adotem parâmetros comuns.

Lula ainda voltou a defender a criação de um Conselho do Clima no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e finalizou fazendo uma defesa enfática do multilateralismo para a solução do aquecimento global.

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Em artigo publicado na abertura da COP30, Lula diz que é chegada a hora da verdade. Cúpula do Clima reúne lideranças mundiais para discutir os principais desafios e compromissos no enfrentamento da mudança do clima. Foto: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR

“Faço um chamado a todos vocês. Não existe solução para o planeta fora do multilateralismo. A Terra é única, a humanidade é uma só, a resposta tem que vir de todos para todos. Em vez de abandonar a esperança, podemos construir juntos uma nova era de prosperidade e igualdade”.

A Cúpula do Clima, que termina nesta sexta-feira, reúne líderes de diferentes países em uma programação que antecede a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada de 10 a 21 de novembro, também na capital paraense. O objetivo é atualizar e reforçar os compromissos multilaterais para lidar com a urgência da crise climática.

Chefes de Estado, líderes de governos e representantes de alto nível de mais de 70 países passaram por Belém para participar do evento. Considerando embaixadores e pessoal diplomático, a lista ultrapassa uma centena de governos estrangeiros representados na capital paraense.

10 anos do Acordo de Paris: para Lula, é possível pensar em um novo modelo de economia sem sacrificar a geração de riqueza

Vídeo: Lula fala sobre os 10 anos do Acordo de Paris

Confira a íntegra do discurso do presidente Lula na sessão temática sobre os 10 anos do Acordo de Paris

Na primeira Conferência do Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, o geógrafo brasileiro Josué de Castro enfatizou a diferença entre crescer e se desenvolver.

Ele disse que crescer é fácil, mas se desenvolver equilibradamente é um objetivo tão difícil que nenhum país do mundo teria sido capaz de atingi-lo.

As Contribuições Nacionalmente Determinadas são o caminho para concretizar o ideal do desenvolvimento sustentável.

Segundo a Agência Internacional de Energia, no ano passado, o crescimento das emissões foi inferior ao do PIB global.

Isso mostra que é possível pensar em um novo modelo de economia sem sacrificar a geração de riqueza.

É viável trabalhar por uma transição justa, em que o Sul Global tenha as oportunidades que lhe foram negadas no passado.

Podemos avançar rumo ao futuro sem abrir mão de reivindicar daqueles que mais se beneficiaram historicamente das emissões que façam jus a suas responsabilidades.

Estão na América Latina, na Ásia e na África as regiões que correm o risco de se tornarem inabitáveis.

Estão no Caribe e no Pacífico as ilhas que podem desaparecer.

Omitir-se é sentenciar novamente aqueles que já são os condenados da Terra.

O Brasil propõe que está COP na Amazônia reconheça o papel dos territórios indígenas e comunidades tradicionais e as políticas de proteção como instrumento de mitigação climática.

Fazer da COP30 a COP da verdade implica reconhecer a ciência e os inegáveis progressos.

Significa, entretanto, admitir uma verdade desagradável: o mundo ainda está distante de atingir o objetivo do Acordo de Paris.

O Acordo se baseia no entendimento de que cada país fará o melhor que estiver a seu alcance para evitar um aquecimento de mais de um grau e meio.

O que nos cabe perguntar hoje é: estamos realmente fazendo o melhor possível?

A resposta é: ainda não.

Cem países, representando quase 73% das emissões globais, apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas.

Em sua maioria, as novas NDCs avançaram ao abranger todos os setores econômicos e todos os gases do efeito estufa.

Mas o planeta ainda caminha para um aquecimento de cerca de dois graus e meio.

No que depender do Brasil, Belém será o lugar onde renovaremos nosso compromisso com o Acordo de Paris.

Isso significa não apenas implementar o que já foi acordado, mas também adotar medidas adicionais capazes de preencher a lacuna entre a retórica e a realidade.

Por isso, é fundamental que saiamos da COP30 com o compromisso de acelerar o alinhamento de nossas NDCs à Missão 1.5 com a qual nos comprometemos em Dubai.

Sem meios de implementação adequados, exigir ambição dos países em desenvolvimento é injusto e irrealista.

O Mapa do Caminho Baku-Belém mostra que, com vontade política, temos alternativas para chegar à meta de um trilhão e trezentos bilhões de dólares por ano.

Hoje só uma pequena parcela do financiamento climático chega ao mundo em desenvolvimento.

A maioria dos recursos ainda é oferecida sob a forma de empréstimos.

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Belem – O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na Abertura da Sessão Plenária Geral dos Líderes Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas COP 30. Foto Alex Ferro/COP30

Não faz sentido, ético ou prático, demandar a países em desenvolvimento que paguem juros para combater o aquecimento global e fazer frente a seus efeitos.

Isso representa um financiamento reverso, fluindo do Sul para o Norte Global.

Instrumentos de troca de dívida por ação climática já se provaram viáveis.

O enfrentamento da mudança do clima deve ser visto como um investimento, não como um gasto.

As exigências crescentes de adaptação vão requerer esforço ainda maior de financiamento.

Sem incluir o capital privado, a conta não fechará.

A maior parte da riqueza mundial gerada nas últimas quatro décadas foi apropriada por indivíduos ou empresas.

Ao mesmo tempo, os orçamentos nacionais encolheram.

Segundo a Oxfam, um indivíduo pertencente ao 0,1% mais rico do planeta emite, em um único dia, mais carbono do que os 50% mais pobres da população mundial durante um ano inteiro.

É legítimo exigir dessas pessoas uma maior contribuição.

O imposto mínimo sobre corporações multinacionais e a tributação do patrimônio de super-ricos podem gerar recursos valiosos para a ação climática.

Os mercados de carbono também podem se tornar importantes fontes de receita pública, mas só ganharão escala se os países caminharem na direção de parâmetros comuns.

É esse o objetivo da Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono lançado pelo Brasil, pela China e pela União Europeia.

Ainda há tarefas pendentes a serem concluídas pela ação multilateral.

É crucial definir metodologias melhores para contabilizar o financiamento climático.

O comércio internacional requer regras ambientais que sejam equitativas e decididas coletivamente.

Os bancos multilaterais precisam ser maiores, melhores e mais eficazes.

A proposta de criação de um Conselho do Clima, que já tive a oportunidade de apresentar ao G20 e à Assembleia Geral da ONU, é uma forma de dar ao desafio da implementação a estatura política que ele merece.

Faço um chamado a todos vocês.

Não existe solução para o planeta fora do multilateralismo.

A Terra é única. A humanidade é uma só. A resposta tem de vir de todos, para todos.

Em vez de abandonar as esperanças, podemos construir juntos uma nova era de prosperidade e igualdade.

Muito obrigado.

O que é o Acordo de Paris

Assinado em dezembro de 2015 por 195 países durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP21), o Acordo de Paris se consolidou como o principal pacto global para enfrentar o aquecimento do planeta. O compromisso definiu metas amplas e verificáveis para reduzir emissões de gases de efeito estufa, com atenção ao impacto das alterações climáticas sobre populações vulneráveis, trabalhadores e economias de diferentes regiões.

O Acordo surgiu após anos de negociações internacionais marcadas por impasses entre nações ricas e pobres. Enquanto países industrializados eram responsáveis por grande parte das emissões históricas, países do Sul Global alertavam para o risco de arcar com prejuízos ambientais e socioeconômicos sem apoio externo. Em meio às pressões de movimentos sociais, organizações ambientais e trabalhadores diretamente afetados por secas, enchentes e desastres, a COP21 conseguiu firmar um consenso mínimo para enfrentar o problema de forma cooperativa.

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Belém recebe Cúpula do Clima, encontro internacional que vai reunir chefes de Estado e de Governo, ministros e dirigentes de organizações internacionais. Foto Sergio Moraes/COP30

Entre as metas centrais, o Acordo de Paris determinou que os signatários buscariam limitar o aumento da temperatura média global a, no máximo, 2°C acima dos níveis pré-industriais, com esforços adicionais para manter esse aumento próximo de 1,5°C. Para isso, cada país apresentou seus planos de ação, conhecidos como NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Esses documentos definem políticas internas de corte de emissões, transição energética, adaptação climática e monitoramento periódico dos resultados.

Diferentemente de tratados anteriores, o Acordo de Paris se estruturou de forma flexível, permitindo que cada nação revise e amplie suas metas ao longo do tempo. No entanto, especialistas e organizações ambientais alertam que a soma atual das NDCs ainda não é suficiente para evitar danos graves, especialmente em regiões mais pobres, onde trabalhadores rurais, comunidades tradicionais e grandes centros urbanos já convivem com efeitos como ondas de calor, instabilidade hídrica e perda de safras.

Outro ponto fundamental do Acordo é o compromisso de financiamento climático. Países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar ao menos 100 bilhões de dólares por ano para apoiar nações em desenvolvimento em ações de mitigação e adaptação. Esse recurso seria destinado a projetos de energia limpa, monitoramento ambiental, proteção de biomas e iniciativas que reduzam desigualdades agravadas pelas mudanças do clima. Entretanto, o valor prometido demorou a se concretizar, gerando cobrança de governos do Sul Global e de movimentos internacionais que defendem justiça climática.

O Acordo de Paris também definiu mecanismos de acompanhamento e transparência. Cada país precisa reportar seus avanços e atualizar suas metas a cada cinco anos. Esse processo permite avaliar o andamento global e reforçar a pressão internacional para que metas mais ambiciosas sejam adotadas, especialmente por grandes emissores. A participação de trabalhadores, cientistas e movimentos sociais no debate climático tem sido fundamental para garantir que a transição para uma economia de baixo carbono não deixe comunidades para trás e não sirva como pretexto para retrocessos em direitos sociais.

Desde a assinatura, o Acordo enfrentou desafios políticos, incluindo a saída temporária dos Estados Unidos durante o governo Donald Trump e a postura de governos que tentaram flexibilizar políticas ambientais. Mesmo assim, o pacto continua sendo referência internacional, guiando debates sobre energias renováveis, preservação de florestas e enfrentamento de eventos extremos.

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Presidente Lula lançou oficialmente o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), durante a Cúpula do Clima, em Belém (PA)

Atualmente, o Acordo de Paris segue como base das negociações climáticas globais, fundamentais em um cenário marcado pela intensificação de desastres ambientais e pelo impacto direto sobre moradia, saúde, renda e condições de trabalho. Para especialistas, a eficácia do pacto depende da capacidade de cada país em transformar compromissos diplomáticos em políticas concretas, garantindo que a resposta à crise climática seja feita de maneira justa, democrática e socialmente responsável.

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