50 anos da Operação Condor: a rede de terror transnacional que silenciou a América Latina

O resultado da Operação Condor, coordenada pelos EUA, além da morte da democracia (que renasceria), o assassinato de milhares de pessoas.
Coordenada pelos EUA, a Operação Condor seria um “sistema de colaboração” destinado a perseguir, rastrear e neutralizar “subversivos”, isto é, opositores políticos, militantes de esquerda, exilados, sindicalistas, estudantes e qualquer pessoa considerada ameaça pelos regimes. Foto: Comissão da Verdade de São Paulo
Coordenada pelos EUA, a Operação Condor seria um “sistema de colaboração” destinado a perseguir, rastrear e neutralizar “subversivos”, isto é, opositores políticos, militantes de esquerda, exilados, sindicalistas, estudantes e qualquer pessoa considerada ameaça pelos regimes. Foto: Comissão da Verdade de São Paulo

No final de novembro de 1975, na cidade de Santiago do Chile, altos oficiais de serviços de inteligência de cinco ditaduras sul-americanas, DINA (Chile), os serviços de inteligência da Argentina, da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai, reuniram-se na sede do colégio militar na La Alameda para formalizar uma aliança secreta que ganharia o codinome de “Operação Condor”. O resultado, além da morte da democracia (que viria a renascer), o assassinato de milhares de pessoas. Confira o especial da TVT News.

A ata final dessa reunião, datada de 28 de novembro de 1975, informa que a nova estrutura seria um “sistema de colaboração” destinado a perseguir, rastrear e neutralizar “subversivos”, isto é, opositores políticos, militantes de esquerda, exilados, sindicalistas, estudantes e qualquer pessoa considerada ameaça pelos regimes.

O nome “Operação Condor” foi sugerido numa proposta da delegação uruguaia, em homenagem ao ave símbolo da Cordilheira e, por unanimidade, aprovado.

Embora o Brasil não estivesse entre os signatários originais, ingressou formalmente no sistema no ano seguinte.

É importante lembrar o contexto para a Operação Condor: em plena Guerra Fria, com a escalada da retórica anticomunista na região e o apoio (explícito ou tácito) dos Estados Unidos, as ditaduras buscaram institucionalizar uma cooperação internacional de repressão.

operação condor

Operação Condor: espionagem, fronteiras borradas e operações clandestinas

Sob a estrutura da Operação Condor foram criados mecanismos concretos para repressão transnacional. Entre eles:

  • Uma rede de comunicações segura, batizada de “Condortel”, que permitia a troca de dados, relatórios, listas de suspeitos, alertas internacionais e coordenação de operações entre os países.
  • Um banco de dados centralizado instalado em Santiago, com contribuições de todos os países membros, contendo nomes de perseguidos políticos, ativistas, exilados, familiares, e outras informações consideradas “subversivas”.
  • A criação de unidades de ação especial, como o grupo codinome “Teseo”, destinadas a operações de sequestro, assassinato ou desaparecimento forçado, inclusive fora da América Latina, havia planos e registros de atuação em países da Europa.
  • A possibilidade de que agentes de um país atuassem em território de outro, com impunidade e sem que as fronteiras fossem consideradas obstáculo, um dos traços mais tenebrosos da Condor: a erosão da soberania nacional em nome da repressão política.

A documentação desclassificada dos EUA mostra que o próprio governo norte-americano tomou conhecimento da existência da Condor e de sua extensão já em meados de 1976. Apesar disso, manteve apoio às ditaduras, visto o alinhamento ideológico e estratégico: o anticomunismo, a contenção da “subversão” na Guerra Fria.

Em memorandos da época, há discussão sobre operações externas, listas de exilados, trocas de informações sobre refugiados e sobre grupos de esquerda, mesmo em países que já haviam se tornado supostos “refúgios”.

A própria lógica da colaboração implicava: quem fugia de um país, podia não ter paz em outro. A perseguição se tornava internacional.

A abrangência de um terror sem precedentes

Durante os anos de auge da Operação Condor, aproximadamente meados dos anos 1970 até início da década de 1980, foi instalada uma verdadeira “zona de impunidade” no Cone Sul. Segundo acompanhamento de organizações de direitos humanos, o aparato repressivo atuou com prisões arbitrárias, tortura, desaparecimentos forçados, execuções e assassinatos políticos.

Para se ter uma dimensão dos números: o registro de vítimas diretas da Condor é de 654 pessoas, entre desaparecidos, mortos e sequestrados, no período entre 1976 e 1980.

Mas o impacto foi muito maior, considerando vítimas indiretas: exilados, perseguidos, familiares, comunidades de refugiados, e toda uma geração de ativistas políticos e sociais que viram suas vidas marcadas pelo medo, pela clandestinidade, pela fuga ou pelo silêncio.

Além disso, a Operação Condor quebrou a barreira geográfica: as operações não ficaram restritas à América do Sul. Há documentação de planejamento de assassinatos na Europa e outros continentes, quando dissidentes buscavam refúgio fora da América Latina.

Esse alcance global reforça o caráter transnacional da repressão, não era apenas uma aliança de segurança entre vizinhos, mas uma rede internacional de terror de Estado.

O envolvimento do Brasil e a história de impunidade e ocultação

O ingresso formal do Brasil no sistema da Operação Condor se deu em 1976, embora já houvesse indícios de colaboração prévia entre seus serviços de inteligência e os demais regimes da região.

Fontes documentais de vários países confirmam: o Brasil participou do fornecimento de equipamentos para a rede de comunicações Condortel, o que demonstra uma cooperação ativa, não apenas simbólica, mas logística e material.

Em julgamentos posteriores, memorandos e relatórios desclassificados serviram como provas importantes para atribuir responsabilidade às forças de segurança brasileiras.

Apesar disso, a história da Condor permanece marcada por omissões, resistências institucionais e longos períodos de impunidade, como ocorreu em vários países. Em muitos casos, a verdade só emergiu décadas depois, com a abertura de arquivos, iniciativas de memória e Justiça de transição.

50 anos depois

Nesta data, marcando meio século desde a fundação da Condor, o balanço ainda é doloroso e incompleto.

A divulgação de documentos desclassificados (de agências dos EUA, de arquivos nacionais e internacionais, de serviços de inteligência) tem sido essencial para reconstruir a magnitude da repressão. Exemplo disso é a compilação recente realizada por National Security Archive, que disponibilizou um acervo com documentos da Condor para pesquisadores e sociedade em geral.

Organizações de direitos humanos, como Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), mantêm viva a memória das vítimas, resistem ao apagamento histórico e pressionam por justiça.

Em diferentes países, processos judiciais e investigações vêm se arrastando, algumas generais foram julgadas, outras permanecem sem punição; o acesso aos arquivos nem sempre é pleno; sobreviventes e familiares ainda enfrentam obstáculos para obter reparações e verdade histórica.

A data serve como alerta: a violência de Estado coordenada não respeitou fronteiras nem garantias individuais. Mais do que revisitar o passado, é um chamado para reafirmar os compromissos com a memória, a justiça e a preservação da verdade.

Por que é urgente continuar pesquisando

Há várias razões pelas quais, mesmo 50 anos depois, a história da Condor deve continuar sendo investigada e debatida.

Porque muitos documentos permanecem herméticos, lacrados ou dispersos, o que significa que ainda há fragmentos da história por revelar; Porque as vítimas e seus descendentes continuam vivos; o esquecimento institucional ou social equivale a uma segunda violência sobre quem já sofreu primeiro; Porque o padrão de repressão transnacional, que a Condor institucionalizou, ecoa em práticas autoritárias contemporâneas e a memória histórica ajuda a identificar e resistir a essas ameaças; Porque a responsabilização dos perpetradores, e de quem os apoiou, direta ou indiretamente, é parte essencial da justiça de transição e da reparação política e moral.

Conclusão (parcial)

A Operação Condor foi mais do que um pacto de ditaduras: foi a materialização de uma teia de terror organizada, burocrática, transnacional, estruturada para eliminar, por meios clandestinos e violentos, o que suas elites consideravam “subversão”.

Hoje, ao completar 50 anos de sua formalização, convém honrar as vítimas: dar-lhes nome, rosto, história, e sobretudo manter acesa a chama da memória e da luta por justiça. A Condor não pode ser reduzida a um capítulo sombrio do passado ela nos convoca a refletir sobre os mecanismos de poder, impunidade, solidariedade entre opressores e o papel do Estado de Direito.

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