93% das mulheres são responsáveis pelo trabalho doméstico e metade chefia lares no Brasil

Pesquisa da FPA e Sesc-SP aponta sobrecarga, informalidade no mercado de trabalho e altos índices de violência de gênero contra as mulheres
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"Provedoras dos lares vivem em condições de trabalho muito ruins, com rendas baixas e sem garantias”, destaca pesquisadora. Foto: Divulgação

A Fundação Perseu Abramo (FPA), em parceria com o Sesc São Paulo, divulgou nesta terça-feira (23) a terceira edição da pesquisa nacional “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”. O estudo, realizado desde 2001, acompanha ao longo de três décadas os avanços e retrocessos sociais no enfrentamento às desigualdades de gênero. Leia em TVT News.

A repórter Girrana Rodrigues acompanhou a apresentação e destacou que o levantamento aborda temas como machismo, feminismo, imagem da mulher, saúde, mercado de trabalho e violência de gênero. “É uma pesquisa para entender os avanços sociais, também os retrocessos em relação a esse tema, pensar, pautar políticas públicas e formas de enfrentamento às violências contra a mulher”, afirmou.

Um dos dados mais contundentes é que 93% das mulheres ainda assumem sozinhas os afazeres domésticos. Além disso, quase metade dos lares brasileiros (49%) são chefiados por mulheres, número que vem crescendo nas últimas décadas.

A pesquisadora da Fundação Perseu Abramo, Sofia Toledo, analisou os resultados. Para ela, não houve grandes alterações desde as edições anteriores quando o tema é cuidado e trabalho doméstico:

“Isso é um reflexo das estruturas de gênero, do patriarcado, do racismo. Muitas vezes, a casa e o cuidado são vistos como responsabilidade única e exclusiva das mulheres.”

Toledo chamou a atenção para a vulnerabilidade econômica das chefes de família:

“Essas mulheres que estão sendo provedoras dos lares vivem em condições de trabalho muito ruins, com rendas baixas e sem garantias.”

No mercado de trabalho, o recorte de gênero evidencia desigualdades persistentes. Segundo a pesquisa, apenas 46% das mulheres estão no mercado formal, contra 61% dos homens. Já 58% das mulheres trabalham na informalidade, proporção superior à dos homens (45%). Essa informalidade, muitas vezes associada a bicos e atividades sem proteção social, compromete o futuro e a aposentadoria dessas trabalhadoras.

Sofia Toledo reforçou a gravidade desse cenário:

“Muitas dessas mulheres não estão como PJ. Elas fazem bicos, atividades que não necessariamente vão garantir a aposentadoria. É um contexto de muita insegurança e vulnerabilidade, não só para elas, mas também para as famílias que estão provendo.”

Outro ponto preocupante revelado pelo estudo é a violência de gênero. De forma espontânea, cerca de 20% das entrevistadas relataram já ter sofrido algum tipo de violência. No entanto, quando estimuladas com exemplos de agressões — físicas, psicológicas, verbais, patrimoniais ou sexuais — o número salta para quase 50%.

Os dados mostram crescimento em praticamente todas as formas de violência em comparação às edições anteriores. Um em cada cinco relatos envolve violência física, enquanto 7% das entrevistadas afirmaram ter sofrido estupro. Em 42% desses casos, o agressor era o companheiro.

O estudo também mostra que as desigualdades recaem com mais força sobre mulheres negras, periféricas e de baixa renda, confirmando a intersecção entre gênero, classe e raça.

Para Toledo, os números reforçam a urgência de políticas públicas voltadas à proteção social e igualdade de oportunidades:

“O aumento da chefia feminina dos lares, a expansão da informalidade e os altos índices de violência mostram que ainda vivemos um cenário de profunda desigualdade de gênero no Brasil.”

A pesquisa reafirma a centralidade do debate sobre gênero no país. Os dados servem como diagnóstico das múltiplas violências e desigualdades que marcam a vida das mulheres e como instrumento para orientar a formulação de políticas públicas que enfrentem essas desigualdades de forma efetiva.

Os principais números da pesquisa:

  • 3 a cada 4 mulheres têm filhos e a primeira gravidez é cedo – cerca de 4 em cada 10 mulheres têm o primeiro filho antes de completar a maioridade.
  • Cerca de 1/4 das mulheres sofreu violência física ou verbal durante o parto – crescimento na última década.
  • 71% das mulheres que interromperam a gravidez não tiveram acompanhamento ou orientação médica.
  • 75% das mulheres fazem acompanhamento da gestão pelo SUS e 50% se sentem satisfeitas com o serviço público de saúde.
  • 50% das mulheres e homens são favoráveis que as leis atuais sobre o aborto permaneçam como estão.
  • 50% das mulheres já sofreram algum tipo de violência – a física prevalece, com 11% das menções espontâneas e 22% das citações estimuladas.
  • As violências psicológica e moral são pouco reconhecidas – 2% e 1%, respectivamente, nos registros espontâneos –, mas são as mais vivenciadas por 43% e 37%, respectivamente, nas respostas estimuladas.
  • Consequências da violência sofrida refletiram principalmente na saúde mental ou emocional para 69% das mulheres.
  • 91% das mulheres conhecem a Lei Maria da Penha; entre os homens o conhecimento subiu de 85%, em 2010, para 89%.
  • 58% das mulheres que sofreram violência não pediram ajuda.
  • 71% das mulheres que sofreram violência não denunciaram oficialmente o episódio.
  • 2 a cada 10 mulheres que admitiram ter sofrido violência foram orientadas a não denunciar – o aviso partir principalmente por pessoas da própria família.
  • 4 em cada 10 mulheres que relataram estupro apontaram que o agressor era o companheiro (42%).
  • 99% dos domicílios têm 1 mulher como principal responsável pelos afazeres domésticos.
  • Aumento dos domicílios que têm 1 mulher como principal provedora.
  • 66% das mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados com as crianças quando elas não estão na escola e 23% as deixam aos cuidados da mãe ou da sogra.
  • Cerca de 50% das mulheres que têm crianças as criam sozinhas, sem participação de outra pessoa.
  • Entre as mulheres que têm crianças que moram apenas com elas, 46% recebem pensão alimentícia ou contribuição financeira para o cuidado com a criança – em 2001, 37% recebiam esse auxílio e, em 2010, 50%.
  • Aprofundamento da informalidade entre as mulheres e maior formalização entre os homens.
  • Renda média das mulheres é 40% inferior à dos homens.
  • Proporção de mulheres com renda abaixo de 1 salário mínimo é o dobro da dos homens: 44% ante 21%.
  • 16% das mulheres não têm renda alguma.
  • 4% das mulheres têm renda superior a 3 salários mínimos enquanto 18% dos homens estão nesse patamar.
  • Quanto maior a renda aumenta mais a desigualdade.
  • População economicamente ativa: renda média das mulheres é 2/3 na comparação com os homens e apenas 2% delas atingem renda acima de 5 salários mínimos – no público masculino, esse percentual é de 8%.
  • O interesse pela política diminuiu nos últimos anos para 1 a cada 4 mulheres.
  • Recuo de 80% (2010) para 71% (atual) da importância da política para as mulheres.
  • Aumento da não importância da política de 17% para 24% das mulheres.
  • 1/4 das mulheres dizem que a religião deve influenciar a política.
  • Maioria das mulheres e pouco mais da metade dos homens admitem que há preconceito e discriminação contra as mulheres na política.
  • Apenas 8% das mulheres participam ou já participaram de grupos, associações, coletivos, organizações, cooperativas, conselhos ou algum outro movimento social.
  • 11% das mulheres participam de comícios, passeatas, atos ou manifestações públicas.

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