A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviou, nesta terça-feira, 13 de agosto, a “Moção de Censura ao Conselho Federal de Medicina (CFM) por sua postura anticientífica referente a vacinas, ao aborto e sobre o uso terapêutico da maconha e seus derivados”. O documento foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral Ordinária de Sócios da SBPC, realizada no dia 11 de julho, na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, durante a 76ª Reunião Anual.
Endereçada ao atual presidente do CFM, José Hiran da Silva Gallo, e à ministra da Saúde, Nísia Trindade, a moção expressa a “profunda preocupação” da entidade com as atitudes do CFM, que contrariam princípios fundamentais da ciência e da medicina baseada em evidências. O documento também foi encaminhado a veículos da imprensa
A moção critica a postura do CFM durante a pandemia de covid-19, destacando a recomendação de tratamentos sem comprovação científica, a consulta pública sobre a obrigatoriedade da vacinação infantil, a edição da Resolução CFM nº 2.378/2024, que impõe restrições ilegais ao direito ao aborto, e as declarações públicas que desconsideram as evidências científicas sobre o uso medicinal da maconha.
A moção enfatiza a necessidade de alinhamento do CFM com as melhores práticas científicas e a revogação da Resolução CFM nº 2.378/2024, atualmente suspensa por decisão preliminar do Supremo Tribunal Federal. A SBPC reforça a importância da vigilância da comunidade científica e médica na defesa da saúde pública baseada em evidências, combatendo a desinformação e promovendo práticas médicas seguras e eficazes.
Leia na íntegra a moção contra o CFM
Moção de Censura ao Conselho Federal de Medicina por sua postura anticientífica referente a vacinas, ao aborto e sobre o uso terapêutico da maconha e seus derivados.
Considerando o compromisso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) com a promoção da ciência, do conhecimento e da saúde pública baseada em evidências científicas;
Considerando o papel fundamental do Conselho Federal de Medicina (CFM) em orientar a prática médica no Brasil, sempre pautada pelo rigor científico e pela ética profissional;
Considerando que, durante a pandemia de COVID-19, o CFM recomendou o uso de cloroquina e ivermectina, para o tratamento da COVID-19, apesar da ausência de evidências científicas robustas que comprovassem a eficácia dessas substâncias contra o coronavírus, contribuindo para a disseminação de informações equivocadas e para a adoção de práticas médicas potencialmente prejudiciais à saúde da população;
Considerando a recente consulta promovida pelo CFM aos médicos sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19 para crianças, atitude que pode enfraquecer as políticas de imunização baseadas em sólidas evidências científicas que demonstram a segurança e a eficácia das vacinas na prevenção da COVID-19 em populações pediátricas, contribuindo para a hesitação vacinal e colocando em risco a saúde pública;
Considerando a edição da Resolução CFM nº 2.378/2024, que proíbe médicos de realizarem a assistolia fetal para interrupção da gravidez acima de 22 semanas em casos decorrentes de estupro, impondo restrição ilegal de direitos que, conforme afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes cria “embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres”;
Considerando que a evidência científica atual demonstra que os medicamentos derivados da maconha podem ser eficazes no tratamento de diversas condições médicas, incluindo epilepsia refratária, esclerose múltipla, dor crônica, e outras condições que não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais;
Considerando que o CFM tem emitido declarações públicas afirmando que a maconha “causa dependência gravíssima, com importantíssimos danos físicos e mentais, levando a prejuízos para toda a vida”, posição que ignora a complexidade das evidências científicas sobre os riscos e benefícios do uso medicinal da maconha;
Considerando que tais afirmações do CFM podem criar estigmas desnecessários e barreiras ao acesso da população a tratamentos medicinais eficazes, impactando negativamente a qualidade de vida de muitos pacientes que poderiam se beneficiar dos medicamentos canábicos;
Considerando que a posição anticientífica do CFM em relação ao uso medicinal da maconha pode influenciar negativamente as políticas públicas de saúde e dificultar o avanço das pesquisas científicas nesta área, além de perpetuar desinformações que não condizem com as melhores práticas científicas;
Considerando que tais ações do CFM estão em desacordo com as melhores práticas científicas e médicas, podendo comprometer a credibilidade da ciência e das autoridades de saúde, bem como a confiança da população nas orientações médicas e nas políticas de saúde pública;
A SBPC resolve:
- Expressar publicamente sua profunda preocupação com o comportamento anticientífico do Conselho Federal de Medicina (CFM) em relação à sua conduta durante a pandemia de COVID-19 e com referência ao uso medicinal da maconha, bem como com as declarações que minimizam os potenciais benefícios dos medicamentos derivados da cannabis e exageram os riscos associados ao seu uso.
- Censurar formalmente o Conselho Federal de Medicina por suas ações e declarações que contrariam os princípios da ciência e da medicina baseada em evidências, prejudicando a população brasileira ao limitar o acesso a tratamentos potencialmente benéficos e a procedimentos médicos legítimos e previstos em lei.
- Instar o Conselho Federal de Medicina a revisar suas posições sobre o uso medicinal da maconha e seus derivados, alinhando suas recomendações com as melhores evidências científicas disponíveis e contribuindo para a promoção da saúde pública e do bem-estar dos pacientes.
- Instar o Conselho Federal de Medicina a revogar a Resolução CFM nº 378/2024, atualmente suspensa por decisão preliminar do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a legislação em vigor não impõe à vítima de estupro nenhum limite temporal para o exercício do direito de interrupção da gravidez fruto de violação criminosa.
- Solicitar à comunidade científica e médica que permaneça vigilante e ativa na defesa da ciência e da saúde pública baseada em evidências, trabalhando em conjunto para combater a desinformação e promover práticas médicas seguras e eficazes.
Belém, 11 de julho de 2024