Um vídeo falso, gerado por inteligência artificial (IA) e divulgado na véspera das eleições legislativas em Buenos Aires, no último domingo (18), influenciou diretamente o resultado do pleito e gerou forte repercussão na imprensa e no meio político. Veja em TVT News
A peça de desinformação, que mostrava o ex-presidente argentino Maurício Macri pedindo votos para um candidato do partido de Javier Milei, escancarou os perigos da manipulação digital e expôs, mais uma vez, a omissão das big techs diante de ações da extrema-direita.
No Jornal TVT News Primeira Edição, a apresentadora Talita Galli e os comentaristas Eduardo Castro e Laura Capriglione discutiram os efeitos do episódio e alertaram para o risco de que o mesmo tipo de estratégia seja replicado no Brasil, onde há forte resistência à regulação das plataformas digitais.
O vídeo manipulado começou a circular no sábado (17), às vésperas da eleição. Na gravação, Macri aparece afirmando que sua coligação desistiu da candidatura de Silvia Lospennato e pede votos para Manuel Adorni, do La Libertad Avanza (LLA), partido de Javier Milei. A montagem foi tão convincente que confundiu eleitores e gerou impacto real: a legenda de Milei venceu com cerca de 30% dos votos, o peronismo ficou com 27% e o PRO, partido de Macri, despencou para 16%, após 16 anos no poder na capital argentina.
“É impressionante. Ele fala, a voz dele está sincronizada com o que está escrito. E ele está dizendo: ‘Nós desistimos da candidatura porque precisamos derrotar o kirchnerismo’. Isso vai aparecer aqui também, porque essa gente toda…”, destacou Eduardo Castro. “É tudo falso nesse vídeo. Isso foi posto nas redes e também no WhatsApp de sábado para domingo. As pessoas foram votar achando que Silvia tinha desistido. O resultado da eleição, talvez com muito impacto disso aí, a Justiça que vai dizer.”
A gravidade da situação se intensificou após declaração do próprio presidente Milei, que, em entrevista ao jornal Clarín, afirmou que a gravação estava protegida pela liberdade de expressão. Segundo ele, o vídeo foi “um exercício em que as pessoas puderam expressar suas ideias livremente, sem censura”.
Talita Galli pontuou que o caso pode levar até mesmo ao cancelamento do resultado da eleição, dependendo do que a Justiça argentina decidir. “O desdobramento disso pode ser, inclusive, o cancelamento do resultado da eleição, a depender do que de fato a Justiça entender”, afirmou.
Nesse sentido, Eduardo Castro lembrou que “Macri domina como nunca se viu o Judiciário argentino”, prevendo ações efetivas. A fala de Milei, tratando o uso de vídeo falso como liberdade de expressão, também foi duramente criticada: “Isso é muito mais perigoso do que arma na mão de macaco. É um absurdo, endossado pelo presidente da Argentina”, disse Castro.
Meta, Google e a extrema-direita
O debate na TVT abordou ainda a proximidade entre empresas de tecnologia como Meta e Google com setores da extrema-direita, tanto na Argentina quanto no Brasil. Na mesma semana da eleição, foi noticiado que as duas empresas participarão de um seminário de comunicação organizado pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. No evento, funcionários das plataformas vão orientar militantes sobre uso de IA na produção de conteúdo e análise de dados.
“Tem seminário da extrema-direita brasileira com a Meta e com o Google. E aí a gente fala em regular as redes, e falam o que disse o Milei: ‘É liberdade de expressão’. Enquanto isso, os nossos representantes da extrema-direita estão abraçados com a Meta e o Google”, denunciou Eduardo Castro. “Isso que aconteceu na Argentina vai acontecer aqui. Aliás, vai acontecer em todo lugar.”
Talita destacou o obstáculo que o lobby das big techs representa para a regulação das redes: “Quando se fala em desdobramento, é trazer para o Brasil essa incapacidade da gente discutir regulamentação das redes sociais. Porque a gente sabe que tem um lobby imenso, justamente dessas empresas, que vetam o avanço dessa discussão. E tá aí o nosso futuro.”
Laura Capriglione reforçou que o envolvimento das plataformas não é neutro. “A gente não pode esquecer nunca. Esses caras – donos das big techs – estavam todos presentes na posse do Trump. É uma adesão política a um projeto de mundo, que esses caras estão defendendo. E portanto o uso disso para fortalecer candidaturas de extrema-direita em todo o mundo faz parte do jogo.”
Ela também questionou o que se entende por liberdade de expressão nesses casos: “Isso eles chamam de liberdade de expressão. Mas é liberdade de mentir, de caluniar, fraudar e enganar. É uma quantidade de crimes que só vão ser resolvidos com a regulamentação das redes sociais, e isso é urgente, no Brasil e no mundo.”
Para a apresentadora Talita Galli, países como Argentina e Estados Unidos demonstram não ter interesse em discutir uma regulamentação real das redes, permitindo que casos como o de Buenos Aires se repitam. “E faz parte do que a gente tem denunciado aqui, que é essa extrema-direita internacional muito bem organizada.”