Por Paulo Salvador
O começo do século passado marcou o início da industrialização de São Paulo e o incremento das fazendas de café. Com a abolição da escravidão, a elite paulista incentivou a vinda de mão de obra estrangeira. Até 1920, São Paulo – cidade e interior – viveu a chegada desses imigrantes. Como jornalista da imprensa sindical, Isaias Dale revisitou aqueles anos, que o levou a escrever o livro 1917-2017 – 100 anos da greve geral de 1917 – passado ou futuro, que teve a forte participação dos imigrantes particularmente dos espanhóis. Além da paradeira geral, a greve é lembrada pelo assassinato pela polícia do jovem de 21 anos, José Martinez, de nacionalidade espanhola.
O lado historiador – e galego, como genericamente eram chamados os hispânicos no Brasil – de Isaias entrou em cena com a pergunta: como viviam os imigrantes espanhóis naquele período? Esse espírito investigativo o levou a adotar o tema em curso de mestrado em História, na USP, que teve como foco e pesquisa as páginas do Diário Espanhol. Essa pesquisa resultou em novo livro: Diário Espanhol, entre as guerras e a gripe, um jornal hispânico na Paulicéia (1912-1918) – 246 páginas, Ed. História da Gente.
Isaias traz a cifra de 600 mil espanhóis que vieram para o Brasil nesse período, muitas vezes superando a quantidade de portugueses. Com a guerra no Marrocos, muitos jovens vieram fugidos do alistamento militar, sem registro nos órgãos públicos de imigração, A Espanha vivia uma crise por perdas de colônias, pela guerra e por baixo desenvolvimento econômico. O Brasil – particularmente São Paulo, estado e cidade – vivia a euforia da exportação do café e do incremente da industrialização. Aqui chegando encontravam trabalho duro, baixos salários e custo de vida alto, principalmente comida e aluguéis caros e moradia insalubres.
O Diário Espanhol, cujo editor era o empresário Eiras Garcia, um galego autêntico, empresário que havia sido proprietário de hotel, fazia a crônica dessa vida dos espanhóis e cumpria função social de articular as associações de ajuda mútua e de ser uma das vozes da colônia junto aos empresários, autoridades e da própria comunidade, ainda que o analfabetismo fosse alto. Eiras era um monarquista que expressava simpatia pelos imigrantes, pretendia ser o divulgador do café brasileiro na Europa, tratava seu noticiário em tons amenos com os empresários, fazendeiros e autoridades. Nutriu muita esperança com a social-democracia na Alemanha do pós-guerra.
O historiador e jornalista busca nas páginas do Diário e dos demais jornais suas narrativas sobre os principais fatos que mexiam com a Espanha e Europa, com seus reflexos no Brasil e na comunidade hispânica. Vale lembrar a guerra do Marrocos, a guerra europeia, como o jornal chamava a primeira guerra mundial, que opôs Alemanha contra a coligação Rússia, França e Inglaterra, com a Espanha se definindo como neutra.
O livro é recheado da vida cotidiana dos espanhóis, desde casos de violência, polícia, até carestia e greves. O surto da gripe influenza – chamada de espanhola – remete o leitor ao que os brasileiros passaram pelo surto da Covid-19. Recebe um capítulo especial a greve de 1917.
Do dia a dia saem histórias e causos como brigas com fazendeiros, briga com a polícia, protesto no cemitério, acidente com morte na construção da Catedral da Sé, preconceitos e perseguição agitação operária, guerra, gripe influenza, guerra na Europa e ainda perfilam nas páginas os bairros de São Paulo, a região central, cidades do interior e nomes de personalidades políticas e policiais que entraram para a história.
Para Wilma Peres Costa, orientadora do trabalho de mestrado de Isaias, o livro tem uma “escrita límpida e sedutora”. A editora Solange do Espírito Santo resenha que ali está o drama pela sobrevivência das famílias espanholas na capital e nos cafezais, com detalhes capturados nas páginas do Diário Espanhol. E arremata sobre o livro de Isaias: “a fluência da escrita nem faz o leitor perceber que está diante de um trabalho acadêmico”.