Lula visita Cristina Kirchner enquanto Milei ataca o Mercosul

Em visita oficial à Argentina para a cúpula do Mercosul, Lula aproveitou para visitar Cristina, vítima de perseguição política e judicial. Entenda
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A visita de Lula a CFK ocorreu no apartamento da líder peronista, no bairro de Constitución. Foto: Arquivo/Pagina12

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou nesta quinta-feira (3) um gesto apoio na Argentina ao visitar a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner (CFK), que cumpre prisão domiciliar em Buenos Aires. Assim como Lula foi perseguido injustamente por um conluio político e jurídico na Operação Lava Jato, o argumento é de que CFK passa por processo similar. Entenda na TVT News.

A visita ocorreu no apartamento da líder peronista, no bairro de Constitución, e marca o primeiro encontro de Cristina com um chefe de Estado estrangeiro desde sua condenação na operação chamada “causa Vialidad“.

Lula visita CFK

A passagem de Lula pela residência da ex-mandatária foi autorizada pelo juiz Jorge Gorini, responsável pela execução da sentença. Para viabilizar o encontro, a defesa de Cristina precisou solicitar formalmente a permissão, uma vez que a justiça argentina restringe as visitas a familiares, advogados, médicos e agentes de segurança, exigindo autorização judicial para outras pessoas. A decisão judicial destacou que a visita deve ocorrer “sem perturbar a tranquilidade do bairro e a convivência pacífica dos vizinhos”.

Lula desembarcou em Buenos Aires na noite de quarta-feira (2) para participar da Cúpula do Mercosul, evento que também marcou a transferência da presidência pro tempore do bloco da Argentina para o Brasil. Esta foi a primeira visita do líder brasileiro ao país desde a eleição de Javier Milei em 2023. Apesar da presença de ambos na cúpula, não houve encontro bilateral oficial entre os dois presidentes.

Cúpula do Mercosul

Durante o encontro regional, Lula defendeu a integração do Mercosul e rebateu os ataques de Milei, que propôs uma flexibilização radical do bloco e chegou a ameaçar o abandono das regras comuns. “O Mercosul nos fortalece e nos protege”, afirmou Lula em seu discurso, contrastando com a retórica agressiva do argentino, que classificou o bloco como uma “cortina de ferro” comercial.

“Ao longo de mais de três décadas, construímos uma base sólida, capaz de resistir às intempéries. Toda a América do Sul se tornou uma zona de livre comércio baseada em regras claras e equilibradas. O Arancel Externo Comum nos protege das guerras comerciais internacionais”, afirmou o presidente brasileiro. Lula também alertou sobre o cenário geopolítico global: “Nosso desafio é proteger nosso espaço de autonomia num contexto cada vez mais polarizado”.

Além disso, o presidente brasileiro destacou que a presidência temporária do Mercosul, agora sob responsabilidade do Brasil pelos próximos seis meses, representará uma oportunidade de “reflexão estratégica” sobre o papel que a região deseja ocupar no novo tabuleiro global.

A reunião também contou com participação ativa do novo presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, que comemorou o recente acordo de livre comércio entre o Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA). Ele pediu que o bloco avance nas tratativas com outros parceiros estratégicos. “Devemos retomar negociações com Coreia do Sul, Canadá, Emirados Árabes Unidos e El Salvador. E vejo com otimismo a possível assinatura do acordo Mercosul-União Europeia até o fim deste ano”, afirmou.

Orsi ressaltou que o Mercosul continua sendo o principal destino das exportações uruguaias com valor agregado, especialmente aquelas promovidas por pequenas e médias empresas. “Nosso desejo de maior inserção internacional não deve ser interpretado como afastamento do bloco. Muito pelo contrário”, pontuou.

Milei contra a América Latina

O lado da contradição veio de Javier Milei. Em seu discurso de abertura da cúpula, o presidente argentino fez críticas ao funcionamento do bloco. “A barreira que levantamos para nos proteger comercialmente acabou nos excluindo”, disse. Em tom de ameaça, completou: “Empreenderemos o caminho da liberdade, acompanhados ou sozinhos. Está nas mãos dos nossos parceiros decidirem se vão nos acompanhar”.

Milei defendeu maior autonomia comercial para os países-membros e afirmou que “o Mercosul, de mercado e comum, tem cada vez menos”. Propôs um “esquema regulatório mais livre” e advertiu que, se as reformas liberais não forem abraçadas pelo bloco, a Argentina poderá buscar caminhos próprios.

Ao fim da sessão plenária, Milei formalizou a passagem da presidência pro tempore do Mercosul para o Brasil. Lula agradeceu e reforçou que o bloco deve ser uma ferramenta de fortalecimento coletivo diante dos desafios internacionais. A transferência ocorre em meio a um cenário de disputas ideológicas e visões opostas sobre o papel do Estado, do comércio e da integração regional.

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Foto da cúpula do Mercosul na Argentina. Créditos: Leandro Teysseire/Pagina12

CFK e Lula: perseguições políticas

A visita a Cristina Kirchner, no entanto, foi além da diplomacia tradicional. Representou um gesto de solidariedade e respaldo político à ex-presidenta, condenada a seis anos de prisão por suposto envolvimento em desvios de verbas públicas. Lula, que também foi preso por decisão judicial posteriormente anulada, já havia expressado apoio público a Cristina após a confirmação da sentença pela Suprema Corte argentina.


“Observei com satisfação a serenidade com que Cristina enfrenta essa situação adversa. Conversei com ela sobre a importância de se manter forte nesses tempos difíceis”, escreveu Lula em uma rede social.


A movimentação do presidente brasileiro tem sido vista como o prenúncio de uma campanha internacional em defesa de Cristina Kirchner. “A visita de Lula é importantíssima e representa uma advertência política sobre o que está por vir”, avaliou Gabriel Fuks, parlamentar da União pela Pátria e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Parlasul, em entrevista ao jornal Página/12.

Segundo Fuks, Cristina está sendo cada vez mais vista como vítima de perseguição política, não só na América Latina, mas também em outras regiões. “Há comitês de solidariedade em mais de 20 países, pronunciamentos de presidentes e ex-presidentes e redes internacionais de apoio. Isso lembra a campanha ‘Lula Livre’, que teve impacto real”, afirmou o parlamentar.

A visita também ocorre em um momento de tensões crescentes entre os projetos políticos em disputa na região. De um lado, figuras como Lula e Cristina, que representam uma tradição progressista de integração regional e fortalecimento do Estado. Do outro, lideranças como Javier Milei, que defendem uma ruptura neoliberal com os acordos multilaterais e uma política econômica centrada na desregulação.

Ao assumir a presidência temporária do Mercosul, Lula sinalizou que pretende colocar o bloco no centro das discussões sobre o papel da América do Sul no cenário global. “Temos uma oportunidade de refletir sobre o lugar que queremos ocupar no novo tabuleiro mundial”, afirmou.

Enquanto isso, a ex-presidenta argentina, ainda que sob regime de prisão domiciliar, segue exercendo influência no debate político local e internacional, agora com o reforço simbólico de um aliado que conhece os caminhos judicialização da política e do uso do judiciário com fins de prejudicar partidos e lideranças.

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