Agroecologia é caminho para justiça social e enfrentamento da crise climática

A 22ª Jornada de Agroecologia acabou com a divulgação de uma carta pública intitulada “Por Vida, Justiça Social e Soberania dos Povos”. Entenda
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O documento, construído coletivamente por mais de 60 organizações do campo e da cidade, defende a agroecologia como caminho para superar o modelo do agronegócio. Foto: Leandro Taques/MST

A 22ª Jornada de Agroecologia, realizada de 6 a 10 de agosto no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), encerrou-se ontem com a divulgação de uma carta pública à população, intitulada “Por Vida, Justiça Social e Soberania dos Povos”. Entenda na TVT News.

O documento, construído coletivamente por mais de 60 organizações do campo e da cidade, defende a agroecologia como caminho para superar o modelo do agronegócio e enfrentar a crise ambiental e climática global. Entre as entidades, estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Durante cinco dias de debates, oficinas, feiras e intervenções culturais, o encontro reafirmou a agroecologia como alternativa capaz de promover a produção de alimentos saudáveis, a justiça social e a preservação ambiental.

As pautas prioritárias do movimento no Paraná incluem a luta contra a crise climática, a defesa da terra, o avanço tecnológico voltado à produção agroecológica, o combate ao imperialismo e ao capitalismo predatório, a solidariedade internacional – com destaque ao apoio aos povos palestino e cubano – e a resistência ao uso de agrotóxicos e transgênicos.

O texto também denuncia o Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado de “PL da Devastação”, que flexibiliza regras do licenciamento ambiental e pode abrir caminho para obras de alto impacto, como grandes rodovias, barragens e monoculturas.

Marcha, homenagem e reivindicações

A abertura da Jornada, na última quarta-feira (6), foi marcada por uma marcha que reuniu cerca de mil participantes no centro de Curitiba. Agricultores familiares, assentados da reforma agrária, indígenas, estudantes e militantes caminharam da Praça Santos Andrade até a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), onde receberam homenagem em sessão solene.

Durante a solenidade, a coordenação da Jornada entregou aos parlamentares um documento solicitando a liberação de emendas já aprovadas para fomento à agroecologia nos últimos dois anos e a criação de uma nova emenda coletiva. Entre as propostas, estão um programa massivo de reflorestamento de matas nativas, a recuperação de áreas degradadas e o fortalecimento de instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão, como o Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA).

A reitora em exercício da UFPR, Camila Fachin, afirmou que a universidade “abraçou” a Jornada. “Para nós, é uma grande honra receber este evento dentro da nossa universidade. Os pilares da agroecologia são os nossos pilares. A universidade pública também luta por justiça social”, declarou, sendo aplaudida pelo plenário lotado.

Encontro de agroecologia

Criada em 2002, a Jornada de Agroecologia é hoje um dos maiores encontros sobre o tema no país, reunindo agricultores, povos indígenas, quilombolas, movimentos populares, pesquisadores e estudantes. A edição de 2025 contou com apoio da UFPR, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), além do patrocínio do Sebrae, Itaipu Binacional, Fundação Banco do Brasil e Governo Federal.

O evento, organizado pela Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP) em articulação com dezenas de movimentos e instituições, reforça que a agroecologia não é apenas um método de produção, mas um projeto político, social e ambiental para o futuro.

Confira a íntegra da carta “Por Vida, Justiça Social e Soberania dos Povos”

Nós povos do campo, das águas e das florestas, junto com a classe trabalhadora da cidade,  chegamos a Curitiba com nossa 22ª Jornada de Agroecologia. Chegamos em marcha, em luta. Entoamos nossas canções, trouxemos o colorido de nossas bandeiras, para compartilhar nossos alimentos, nossas práticas e reflexões sobre este tema de grande importância para nosso futuro coletivo, a AGROECOLOGIA

A jornada de agroecologia é fruto da articulação de mais de 60 organizações sociais, agricultores agroecológicos, assentados e acampados, movimentos populares, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, coletivos e instituições de ensino. Desde a sua primeira edição, a Jornada foi realizada de forma itinerante por diversas regiões do Paraná. A partir de 2018, a Jornada tem sido abraçada pela Universidade Federal do Paraná, e neste ano volta a acontecer no campus Centro Politécnico, em Curitiba.

Por meio de Conferências, Seminários, Oficinas, Feira da Agrobiodiversidade, Culinária da Terra, Túnel do Tempo, Espaço da Saúde Popular, Intervenções Artísticas e Culturais, o encontro buscou apresentar a agroecologia como caminho para superação do modelo do agronegócio, com foco na produção de alimentos saudáveis, na justiça social e no enfrentamento da crise ambiental e climática.

Ao longo de quase 25 anos, a Jornada se torna cada vez mais atual e necessária. Vivemos uma profunda crise humanitária mundial, de guerras, avanço de movimentos fascistas, os reiterados ataques à democracia com sucessivas tentativas de golpe, financeirização da natureza, genocídio de povos e dos defensores dos direitos humanos. Nas últimas décadas, acompanhamos os efeitos das mudanças climáticas: secas, queimadas, enchentes, perdas da biodiversidade.   

Em meio ao agravamento da crise climática e ambiental global, reafirmamos que a agroecologia é um projeto político de futuro, que preserva a natureza, cuida das pessoas e confronta as estruturas que destroem a vida. Agroecologia, para nós, é trabalho e luta; é a sabedoria ancestral aliada à ciência. Ciência que se torna sábia e se nutre da ancestralidade e da vivência do cotidiano dos povos. Somos guardiãs e guardiões da biodiversidade, da água e das florestas, e sabemos não haver solução real para a emergência climática sem o reconhecimento e a valorização de nossos saberes, práticas e modos de vida.

Os povos do campo, das águas e das florestas são quem, historicamente, protegem e regeneram os territórios, enfrentando o avanço do capital-agronegócio, do desmatamento, da monocultura, da mineração predatória e do uso intensivo de agrotóxicos. 

Rejeitamos essas falsas soluções, como o mercado de carbono e outras formas de financeirização da natureza e defendemos políticas efetivas que assegurem reforma agrária popular, demarcação das terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e regularização fundiária de povos e comunidades tradicionais. 

Nos dias da 22ª Jornada de Agroecologia, reafirmamos nossas LUTAS: 

1. Questão Climática e Defesa da Terra

Diante da emergência climática global causada pelo modo capitalista de produção, a COP 30 deve ser um espaço de participação dos povos nas decisões e compromisso real e não de falsas promessas. Rejeitamos iniciativas legislativas como o chamado “PL da devastação”, que abre caminho para o desmatamento, o avanço do agronegócio predatório e a destruição de biomas essenciais para o equilíbrio climático.

É hora de colocar a vida e a natureza acima dos lucros. Segurança hídrica é condição de justiça climática, assim como políticas públicas que valorizem as práticas ancestrais e comunitárias, reconhecendo os povos do campo, das águas e das florestas como os agentes sociais de transformação, que há tempos já vem demonstrando com suas práticas e saberes que outros mundos não são apenas possíveis, como já re-existem mesmo diante das ameaças do capital.

2. Avanço Tecnológico para a Agroecologia

A tecnologia deve servir à vida e não à concentração de poder. Defendemos o desenvolvimento e a difusão de tecnologias e ferramentas tecnológicas voltadas para massificar a agroecologia, superando o trabalho penoso, democratizando o acesso às sementes crioulas, fortalecendo a produção de alimentos saudáveis e a soberania alimentar dos povos. Defendemos a continuidade e o aprimoramento dos programas de compras institucionais e o incentivo aos circuitos curtos, aproximando campo e cidade no acesso à alimentação saudável.

3. Democracia e Justiça Econômica

Nos unimos à luta pelo plebiscito popular que propõe o fim da escala 6×1 e a taxação das grandes fortunas, medidas essenciais para reduzir desigualdades, valorizar o trabalho humano e financiar políticas públicas estruturantes. Repudiamos veementemente as contínuas tentativas de golpe. Golpistas de ontem e de hoje não devem ter anistia. Nossa luta é inegociável e sempre será em defesa da democracia!

4. Contra o Imperialismo e o Capitalismo Predatório

Reafirmamos nossa denúncia ao imperialismo, à lógica predatória do capitalismo e ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, que sufoca economias e vidas, como Cuba. Defendemos a autodeterminação dos povos e o fim de toda forma de dominação. 

5. Solidariedade Internacional

Expressamos nossa solidariedade irrestrita aos povos em luta, como a Palestina, que enfrenta um genocídio em curso, e Cuba, que resiste ao bloqueio há mais de seis décadas. A luta é uma só: por justiça, liberdade e soberania popular. Pela vida dos povos, pela liberdade e fim da guerra na Palestina!

6. Juventudes na defesa da agroecologia

Reafirmamos que a juventude do campo e da cidade, resiste e constrói o presente em luta. Nós, os jovens,  não somos promessa de futuro, mas realidade insurgente: ocupamos assembleias e lavouras, disputamos narrativas na academia e nas ruas, enquanto plantamos agroflorestas e resgatamos saberes ancestrais. Formamos redes de conhecimento que circulam entre a universidade e a roça, praticando medicina tradicional, produzindo ciência engajada e transformando em alimento político cada muda plantada, cada território defendido, cada política pública conquistada, como o Pronaf Jovem e os planos de transição ecológica.

7. Mulheres, sementes crioulas

Que nós, mulheres, sejamos escutadas, pois são os nossos corpos os primeiros a serem atingidos em qualquer crise. Que dominemos as narrativas para tornar visível o protagonismo feminino e o alimento agroecológico seja identificado como aquele que é produzido a partir de relações de trabalho justas, com a proteção da natureza, cooperadas e sob nenhuma forma de opressão. Lutamos por políticas que atendam às necessidades sociais e a realidade da agricultura familiar e camponesa. Condição fundamental para que as políticas funcionem e assim valorize quem, de fato, vem apresentando respostas significativas para a crise climática e ecológica. 

8. Terra livre de agrotóxicos e transgênicos.

O agronegócio envenena nossos corpos, solos e águas, destrói a natureza e aprofunda a crise climática. Rejeitamos a liberação de agrotóxicos e transgênicos, inclusive novas culturas como trigo, feijão e arroz, que ameaçam a soberania alimentar e a biodiversidade. Este modelo é sustentado por benefícios fiscais e subsídios públicos, enquanto os povos do campo têm dificuldade de acessar políticas de fomento à agroecologia. Não haverá justiça econômica nem climática sem eliminar agrotóxicos, banir transgênicos e pôr fim aos privilégios do capital-agronegócio.

9. Proteção a quem defende o direito à terra, território e meio ambiente. 

O acesso à terra, a reforma agrária popular, a regularização fundiária, a demarcação e titulação de territórios e a defesa do meio ambiente são urgentes. Terra não é mercadoria: é direito coletivo que fortalece a coletividade, valoriza as culturas e promove a recampenização. Denunciamos a escalada da violência no campo: assassinatos, perseguições, criminalização de lideranças e impunidade dos violadores de direitos. Reivindicamos proteção integral para quem defende o meio ambiente, com segurança, reparação e fortalecimento das comunidades em luta. É urgente a publicação do decreto do Plano Nacional de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos.

Cuidar da nossa casa comum é tarefa urgente de toda a humanidade. Frente à crise climática e à destruição provocada pelo capital, reafirmamos nossa responsabilidade coletiva de reconstruir as relações entre pessoas e natureza, cultivando a solidariedade, a justiça e o respeito aos povos e à diversidade da vida. A agroecologia é o caminho que nos permite alimentar, curar e regenerar a Terra, unindo saberes ancestrais e ciência comprometida com o Bem Viver.

Lutamos por um Brasil soberano e popular, livre de transgênicos, agrotóxicos e de todas as formas de opressão de classe, raça, gênero e sexualidade. Por territórios saudáveis, que respeitem as pessoas, os povos, os animais, a biodiversidade e o meio ambiente. Por uma nação sem fome e sem pobreza, comprometida com a justiça social e ambiental. 

Curitiba, 10 de agosto de 2025! 

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