A verdade imperfeita é melhor que a farsa impecável

Na política, não é sobre parecer perfeito — é sobre ser humano e ser percebido como tal.
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O público lê, interpreta e julga — não subestime isso. Imagem: Matheus Bertelli / Pexels

Artigo do estrategista de marketing político Nilson Hashizumi especial para a TVT News.

A verdade imperfeita é melhor que a farsa impecável

Por Nilson Hashizumi

Vivemos a era da performance total. Todo político é, ao mesmo tempo, gestor, influenciador, youtuber, especialista em comunicação e, claro, personagem de si mesmo.

Tudo filmado, editado, recortado, publicado — e, sobretudo, julgado.

Nesse teatro de narrativas, surgiu uma tentação quase irresistível: construir uma imagem perfeita, polida, ensaiada, sem falhas aparentes.

Mas aqui vai uma verdade desconfortável que muita assessoria de comunicação insiste em ignorar:

A verdade imperfeita gera mais confiança do que a farsa impecável.

O público, mais atento e cético do que nunca, já não se ilude facilmente com roteiros plásticos.

Pessoas reais, em especial eleitores cansados de promessas vazias, reconhecem a diferença entre o humano que erra e aprende, e o personagem que parece imaculado — até ser desmascarado.

A política não precisa de super-heróis de marketing. Precisa de líderes que saibam ser lidos com verdade, inclusive nas imperfeições.

A tentação do personagem sem rachaduras

Desde sempre, a política tentou vender perfeição.

Na Roma antiga, o governante era símbolo de grandeza. Nos séculos seguintes, reis e rainhas se cercavam de pompa para disfarçar limites.

No século 21, com redes sociais e câmeras em cada esquina, a tentativa continua:

Candidatos fabricados em laboratório de comunicação, discursos alinhados por algoritmos, biografias maquiadas, estratégias de “posicionamento” que ignoram o que não é vendável.

Tudo isso pode funcionar — por um tempo.

Mas há um problema central: a perfeição não é crível.

E o que não parece crível, logo se transforma em cinismo, desconfiança, rejeição.

A gestão da imagem política, quando baseada apenas na estética, cai na armadilha do personagem irreal. E personagens irreais não resistem ao teste da vida pública.

A força da imperfeição sincera

A boa notícia é que o público não exige perfeição — exige coerência.

Não se espera que um líder político nunca erre, mas se espera que ele saiba reconhecer, aprender e corrigir.

Aqui entra o conceito que defendo: transparência imperfeita.

Não é sobre expor fraquezas como estratégia marqueteira.

É sobre permitir que a humanidade — com falhas, contradições e dilemas — esteja presente no discurso e na prática.

Exemplo: um gestor que admite publicamente uma decisão equivocada pode até sofrer desgaste momentâneo. Mas constrói, a longo prazo, uma imagem de integridade.

Já o político que tenta esconder erros, simular infalibilidade ou terceirizar a culpa perde algo muito mais valioso do que pontos nas pesquisas: perde o elo de confiança com o público.

Na política, erro reconhecido é tijolo — porque constrói.

Erro escondido é trinca — e cedo ou tarde, derruba.

Casos que comprovam o óbvio (que muita gente finge não ver)

Vejamos a história recente.

Líderes que assumiram erros, mesmo em cenários difíceis, foram criticados, mas preservaram credibilidade junto a parcelas do eleitorado.

Outros, que negaram falhas ou tentaram manipular os fatos, acabaram soterrados pela realidade.

O impeachment de Collor e o desgaste de figuras como Aécio Neves, Sérgio Moro ou tantos outros nasceram, em grande parte, da distância entre o personagem vendido ao público e os fatos que vieram à tona.

Quando a contradição explode, nem a melhor equipe de marketing consegue reconstruir a ponte da confiança.

Por outro lado, figuras políticas que souberam administrar suas imperfeições, reconhecer limites e se expor com autenticidade, muitas vezes superaram crises.

Não se trata de técnica. Trata-se de leitura da sociedade e compreensão do valor da vulnerabilidade verdadeira.

O público lê, interpreta e julga — não subestime isso

Existe uma ilusão perigosa em parte da comunicação política: acreditar que a narrativa se controla 100%.

Não se controla.

Na era das redes, das câmeras, dos grupos de WhatsApp e dos milhares de microinfluenciadores locais, toda tentativa de criar um personagem “blindado” cai em contradição mais cedo do que se imagina.

O público lê os gestos.

Interpreta os silêncios.

Captura os vazios.

E constrói sua percepção — muitas vezes, à revelia do roteiro oficial.

Portanto, quanto mais distante o discurso da realidade percebida, maior o risco do descrédito.

A saída não é fabricar um personagem perfeito, mas permitir que a verdade imperfeita apareça — com erros, com dúvidas, com processos de amadurecimento à vista de todos.

Essa transparência imperfeita, longe de fragilizar, fortalece a imagem pública — porque humaniza.

Por que a farsa impecável sempre desmorona?

A política está cheia de biografias forjadas.

Histórias reescritas para parecerem épicas, carreiras maquiadas para soarem limpas, trajetórias simplificadas para caberem em slogans.

O problema é que a realidade política é teste diário.

E nenhuma farsa resiste ao embate com a vida pública real.

O escândalo, a denúncia, o vídeo vazado, o bastidor revelado — tudo isso são rachaduras que, se o personagem foi vendido como impecável, transformam-se em abismos de desconfiança.

O eleitor aceita o erro humano.

O que ele não aceita é a mentira estruturada.

Por isso, figuras que constroem sua imagem sobre a farsa impecável estão permanentemente em risco.

Basta um desvio revelado, e todo o castelo de marketing desmorona.

O líder que se permite ler com verdade atravessa crises

Lideranças que se permitem ser lidas com verdade — mesmo nas falhas — têm mais margem para errar, corrigir e seguir.

É paradoxal, mas funciona assim: quanto mais humano, mais perdoável.

Quanto mais fabricado, mais descartável.

A sociedade atual, hiperconectada e cheia de filtros críticos, rejeita a perfeição ensaiada.

Mas respeita quem se mostra humano — com limites, sim —, mas com coragem de não simular o que não é.

O líder que admite imperfeições constrói reputação sólida.

O personagem que esconde fraquezas alimenta o cinismo social — e o cinismo, todos sabemos, é corrosivo.

Conclusão: Verdade imperfeita ou mentira sofisticada?

Todo político, cedo ou tarde, se depara com uma escolha:

Vai sustentar sua imagem com base na transparência imperfeita ou na farsa impecável?

A primeira gera confiança, mesmo sob ataque.

A segunda gera aplauso rápido — e queda inevitável.

A comunicação política precisa evoluir do marketing de fachada para a narrativa baseada em vivência real.

Não se trata de vender vulnerabilidade, mas de reconhecer que a reputação verdadeira nasce do entrelaçamento entre trajetória, erros, correções e coerência pública.

Porque, no fim das contas, o público não quer heróis inatingíveis — quer líderes possíveis.

Gente que erre, aprenda e se mostre capaz de governar com base na confiança conquistada, e não na farsa performática.

Na política, como na vida, a perfeição soa falsa.

E nada destrói mais rápido uma reputação do que a mentira sofisticada vendida como virtude.

Quem entendeu isso já está um passo à frente.

Quem ainda acredita que maquiagem substitui coerência, prepara-se para cair — ao vivo e em alta definição.

Sobre o autor

NILSON HASHIZUMI

Nilson Hashizumi é estrategista de marketing político e corporativo, jornalista, fotógrafo, gestor de cultura e preparador de candidatos, grupos e agremiações políticas, com MBA em Comunicação Governamental e Marketing Político. Co-fundador da Alcateia Política, orientou, coordenou e defendeu candidatos majoritários em São Paulo e Pará e candidatos proporcionais em São Paulo e Minas Gerais.

Orientado a resultados, trabalha com visão de processos na gestão da comunicação on e off-line para a construção de reputação, imagem e formação de opinião. Atuou por mais de 30 anos na iniciativa privada, organizações da sociedade civil e entidades de classe antes de atuar em favor de entes políticos. Associado ao CAMP.


Os artigos dos colunistas expressão as opiniões individuais da autora ou do autor e não, necessariamente, refletem a opinião da TVT News

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