Artigo do estrategista de marketing político Nilson Hashizumi especial para a TVT News.
A verdade imperfeita é melhor que a farsa impecável
Por Nilson Hashizumi
Vivemos a era da performance total. Todo político é, ao mesmo tempo, gestor, influenciador, youtuber, especialista em comunicação e, claro, personagem de si mesmo.
Tudo filmado, editado, recortado, publicado — e, sobretudo, julgado.
Nesse teatro de narrativas, surgiu uma tentação quase irresistível: construir uma imagem perfeita, polida, ensaiada, sem falhas aparentes.
Mas aqui vai uma verdade desconfortável que muita assessoria de comunicação insiste em ignorar:
A verdade imperfeita gera mais confiança do que a farsa impecável.
O público, mais atento e cético do que nunca, já não se ilude facilmente com roteiros plásticos.
Pessoas reais, em especial eleitores cansados de promessas vazias, reconhecem a diferença entre o humano que erra e aprende, e o personagem que parece imaculado — até ser desmascarado.
A política não precisa de super-heróis de marketing. Precisa de líderes que saibam ser lidos com verdade, inclusive nas imperfeições.
A tentação do personagem sem rachaduras
Desde sempre, a política tentou vender perfeição.
Na Roma antiga, o governante era símbolo de grandeza. Nos séculos seguintes, reis e rainhas se cercavam de pompa para disfarçar limites.
No século 21, com redes sociais e câmeras em cada esquina, a tentativa continua:
Candidatos fabricados em laboratório de comunicação, discursos alinhados por algoritmos, biografias maquiadas, estratégias de “posicionamento” que ignoram o que não é vendável.
Tudo isso pode funcionar — por um tempo.
Mas há um problema central: a perfeição não é crível.
E o que não parece crível, logo se transforma em cinismo, desconfiança, rejeição.
A gestão da imagem política, quando baseada apenas na estética, cai na armadilha do personagem irreal. E personagens irreais não resistem ao teste da vida pública.
A força da imperfeição sincera
A boa notícia é que o público não exige perfeição — exige coerência.
Não se espera que um líder político nunca erre, mas se espera que ele saiba reconhecer, aprender e corrigir.
Aqui entra o conceito que defendo: transparência imperfeita.
Não é sobre expor fraquezas como estratégia marqueteira.
É sobre permitir que a humanidade — com falhas, contradições e dilemas — esteja presente no discurso e na prática.
Exemplo: um gestor que admite publicamente uma decisão equivocada pode até sofrer desgaste momentâneo. Mas constrói, a longo prazo, uma imagem de integridade.
Já o político que tenta esconder erros, simular infalibilidade ou terceirizar a culpa perde algo muito mais valioso do que pontos nas pesquisas: perde o elo de confiança com o público.
Na política, erro reconhecido é tijolo — porque constrói.
Erro escondido é trinca — e cedo ou tarde, derruba.
Casos que comprovam o óbvio (que muita gente finge não ver)
Vejamos a história recente.
Líderes que assumiram erros, mesmo em cenários difíceis, foram criticados, mas preservaram credibilidade junto a parcelas do eleitorado.
Outros, que negaram falhas ou tentaram manipular os fatos, acabaram soterrados pela realidade.
O impeachment de Collor e o desgaste de figuras como Aécio Neves, Sérgio Moro ou tantos outros nasceram, em grande parte, da distância entre o personagem vendido ao público e os fatos que vieram à tona.
Quando a contradição explode, nem a melhor equipe de marketing consegue reconstruir a ponte da confiança.
Por outro lado, figuras políticas que souberam administrar suas imperfeições, reconhecer limites e se expor com autenticidade, muitas vezes superaram crises.
Não se trata de técnica. Trata-se de leitura da sociedade e compreensão do valor da vulnerabilidade verdadeira.
O público lê, interpreta e julga — não subestime isso
Existe uma ilusão perigosa em parte da comunicação política: acreditar que a narrativa se controla 100%.
Não se controla.
Na era das redes, das câmeras, dos grupos de WhatsApp e dos milhares de microinfluenciadores locais, toda tentativa de criar um personagem “blindado” cai em contradição mais cedo do que se imagina.
O público lê os gestos.
Interpreta os silêncios.
Captura os vazios.
E constrói sua percepção — muitas vezes, à revelia do roteiro oficial.
Portanto, quanto mais distante o discurso da realidade percebida, maior o risco do descrédito.
A saída não é fabricar um personagem perfeito, mas permitir que a verdade imperfeita apareça — com erros, com dúvidas, com processos de amadurecimento à vista de todos.
Essa transparência imperfeita, longe de fragilizar, fortalece a imagem pública — porque humaniza.
Por que a farsa impecável sempre desmorona?
A política está cheia de biografias forjadas.
Histórias reescritas para parecerem épicas, carreiras maquiadas para soarem limpas, trajetórias simplificadas para caberem em slogans.
O problema é que a realidade política é teste diário.
E nenhuma farsa resiste ao embate com a vida pública real.
O escândalo, a denúncia, o vídeo vazado, o bastidor revelado — tudo isso são rachaduras que, se o personagem foi vendido como impecável, transformam-se em abismos de desconfiança.
O eleitor aceita o erro humano.
O que ele não aceita é a mentira estruturada.
Por isso, figuras que constroem sua imagem sobre a farsa impecável estão permanentemente em risco.
Basta um desvio revelado, e todo o castelo de marketing desmorona.
O líder que se permite ler com verdade atravessa crises
Lideranças que se permitem ser lidas com verdade — mesmo nas falhas — têm mais margem para errar, corrigir e seguir.
É paradoxal, mas funciona assim: quanto mais humano, mais perdoável.
Quanto mais fabricado, mais descartável.
A sociedade atual, hiperconectada e cheia de filtros críticos, rejeita a perfeição ensaiada.
Mas respeita quem se mostra humano — com limites, sim —, mas com coragem de não simular o que não é.
O líder que admite imperfeições constrói reputação sólida.
O personagem que esconde fraquezas alimenta o cinismo social — e o cinismo, todos sabemos, é corrosivo.
Conclusão: Verdade imperfeita ou mentira sofisticada?
Todo político, cedo ou tarde, se depara com uma escolha:
Vai sustentar sua imagem com base na transparência imperfeita ou na farsa impecável?
A primeira gera confiança, mesmo sob ataque.
A segunda gera aplauso rápido — e queda inevitável.
A comunicação política precisa evoluir do marketing de fachada para a narrativa baseada em vivência real.
Não se trata de vender vulnerabilidade, mas de reconhecer que a reputação verdadeira nasce do entrelaçamento entre trajetória, erros, correções e coerência pública.
Porque, no fim das contas, o público não quer heróis inatingíveis — quer líderes possíveis.
Gente que erre, aprenda e se mostre capaz de governar com base na confiança conquistada, e não na farsa performática.
Na política, como na vida, a perfeição soa falsa.
E nada destrói mais rápido uma reputação do que a mentira sofisticada vendida como virtude.
Quem entendeu isso já está um passo à frente.
Quem ainda acredita que maquiagem substitui coerência, prepara-se para cair — ao vivo e em alta definição.
Sobre o autor
NILSON HASHIZUMI
Nilson Hashizumi é estrategista de marketing político e corporativo, jornalista, fotógrafo, gestor de cultura e preparador de candidatos, grupos e agremiações políticas, com MBA em Comunicação Governamental e Marketing Político. Co-fundador da Alcateia Política, orientou, coordenou e defendeu candidatos majoritários em São Paulo e Pará e candidatos proporcionais em São Paulo e Minas Gerais.
Orientado a resultados, trabalha com visão de processos na gestão da comunicação on e off-line para a construção de reputação, imagem e formação de opinião. Atuou por mais de 30 anos na iniciativa privada, organizações da sociedade civil e entidades de classe antes de atuar em favor de entes políticos. Associado ao CAMP.