Argentina: corrupção e derrotas legislativas abalam governo Milei

O governo ultraliberal de Milei, na Argentina, vive um momento crítico. Um escândalo de corrupção envolve diretamente o núcleo da Casa Rosada
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“Eles estão roubando. Você pode agir como um idiota, mas não jogue esse fardo em mim. Tenho todas as mensagens de WhatsApp da Karina Milei.”. Foto: Tânia Rêgo/ABR

O governo ultraliberal de Javier Milei, na Argentina, vive um momento crítico. Um escândalo de corrupção envolve diretamente a irmã do presidente, Karina Milei – conhecida na Casa Rosada como “El Jefe” –, o assessor presidencial Eduardo “Lule” Menem e o ex-titular da Agência Nacional de Deficiência (Andis), Diego Spagnuolo. Este último expôs contradições de uma gestão que se elegeu com discurso moralista e distante da chamada “casta política”. Entenda na TVT News.

Somam-se a isso derrotas significativas no Congresso e um ambiente de tensão crescente no cenário político argentino, a menos de duas semanas das eleições na província de Buenos Aires e a dois meses das legislativas nacionais. A crise, que já provocou queda nas pesquisas de aprovação do presidente, ameaça desestabilizar a governabilidade e enfraquecer os discursos incongruentes de anticorrupção, que foram centrais para a eleição de Milei.

O núcleo do escândalo Milei

A crise explodiu após a divulgação de gravações atribuídas a Diego Spagnuolo, ex-titular da Andis e amigo pessoal de Milei. Nos áudios, Spagnuolo denuncia um esquema de cobrança de propinas de até 8% a laboratórios farmacêuticos para garantir contratos com o Estado, sendo 3% supostamente destinados a Karina Milei. O valor mensal arrecadado poderia chegar a US$ 800 mil (cerca de R$ 4,3 milhões).

Spagnuolo menciona diretamente a secretária-geral da Presidência, Karina Milei, e o subsecretário de Gestão Institucional, Eduardo “Lule” Menem, como articuladores da rede de subornos. Em um dos trechos mais comprometedores, ele afirma: “Eles estão roubando. Você pode agir como um idiota, mas não jogue esse fardo em mim. Tenho todas as mensagens de WhatsApp da Karina.”

As revelações não pararam por aí. Um novo áudio, também atribuído a Spagnuolo, envolveu a ministra de Desenvolvimento Humano, Sandra Pettovello. Segundo ele, Pettovello teria conversado diretamente com Milei sobre as denúncias: “Sandra me fez uma jogada, me deixou exposto com Karina e com Lule. Quando falei com ela, foi e contou a Javier. Me deixou exposto e depois se fez de pelotuda. Agora salta esse quilombo e não tenho como falar.”

Spagnuolo, que também foi advogado de Milei, foi demitido de imediato. No entanto, o caso se agravou com o início das investigações judiciais.

A resposta da Justiça

A Justiça argentina já iniciou uma investigação formal sobre os áudios. Quinze mandados de busca foram cumpridos, incluindo a sede da ANDIS, residências dos envolvidos e instalações da drogaria Suizo Argentina, citada como uma das beneficiadas pelo esquema.

A operação policial resultou na apreensão de grandes quantidades de dinheiro em espécie. Emmanuel Kovalivker, um dos donos da Suizo Argentina, foi interceptado quando tentava fugir com US$ 200 mil e cerca de 7 milhões de pesos argentinos, escondidos em envelopes. Seu irmão, Jonathan Kovalivker, conseguiu escapar, o que levou à convocação do diretor de segurança do condomínio Nordelta para esclarecimentos.

As investigações agora se concentram na análise dos celulares e documentos apreendidos, especialmente o de Spagnuolo, que afirma ter guardado todas as conversas com Karina Milei em aplicativos de mensagens.

Narrativas na Casa Rosada

Diante da gravidade do escândalo, o governo adotou uma postura dúbia: silêncio por parte do presidente e seus ministros, combinado com um discurso unificado de que tudo não passa de uma “operação política do kirchnerismo”.

Eduardo “Lule” Menem divulgou um comunicado público em que nega qualquer envolvimento com a Andis e rechaça o conteúdo dos áudios: “Não posso falar sobre a autenticidade ou não dos áudios, mas posso assegurar a absoluta falsidade do seu conteúdo.” Ele afirma que nunca participou de negociações com a Andis, não teve conhecimento de irregularidades e jamais discutiu o tema com Karina ou Javier Milei.

Lule ainda reforça que “não é coincidência que esse tipo de manobra apareça duas semanas antes das eleições na província de Buenos Aires”, insinuando que se trata de uma estratégia para desgastar o governo.

A nota foi compartilhada nas redes sociais pelo porta-voz presidencial Manuel Adorni e reproduzida por boa parte do gabinete, numa tentativa de blindar o núcleo mais próximo do presidente.

Martín Menem, primo de Lule e presidente da Câmara dos Deputados, foi ainda mais incisivo: “Pongo las manos en el fuego tanto por Lule como por Karina.” O deputado minimizou as denúncias e alegou que Spagnuolo apenas visitava o presidente nos domingos para ouvir música clássica.

Karina Milei e o constrangimento público

Mesmo diretamente implicada nas denúncias, Karina Milei seguiu com sua agenda política. Em um evento do partido La Libertad Avanza em La Matanza, ela afirmou: “O mais importante é que todos estamos dispostos a dar a batalha, a ir a fiscalizar para que não nos roubem mais.” A frase repercutiu com ironia nas redes sociais, justamente por ela estar no centro do escândalo de corrupção.

O vídeo do discurso foi gravado do público e mostrou rostos constrangidos no palco, como o de Diego Santilli e Martín Menem, que tentavam manter a compostura diante das câmeras.

Queda de popularidade

Segundo dados da consultora Proyección, 75% dos argentinos estão cientes do escândalo envolvendo a ANDIS. Entre os eleitores de Milei, metade acredita que Karina está envolvida nas denúncias, enquanto 30% dizem não saber e apenas 20% confiam plenamente em sua inocência.

A aprovação de Javier Milei caiu oito pontos em cinco semanas e se encontra atualmente em 41%. O estudo também revela que 50% dos entrevistados seguem dispostos a votar no partido do presidente, enquanto 30% estão indecisos e 20% descartam apoiá-lo novamente.

Internamente, o governo nega que o escândalo vá afetar os resultados nas urnas. “Não vai nos afetar em nada. Vamos ganhar”, garantem aliados. No entanto, fontes admitiram que pesquisas e estudos de opinião já foram encomendados para avaliar o impacto real do caso.

O temor que circula nos bastidores é de que Spagnuolo decida colaborar com a Justiça como delator premiado, trazendo novos elementos comprometedores.

Crise política no Congresso

O escândalo acontece paralelamente a uma série de derrotas no Congresso, que escancaram o isolamento político do governo. Na última semana, a Câmara dos Deputados derrubou o veto presidencial à lei que estabelecia emergência para pessoas com deficiência. Se o Senado confirmar a decisão, a lei será promulgada, contrariando o desejo de Milei.

No Senado, a oposição derrubou cinco decretos do presidente que desregulavam ou desmontavam instituições como o INTA, o INTI, o Banco Nacional de Dados Genéticos, a Comissão Nacional de Bibliotecas Populares e a Vialidad Nacional. Outro decreto, que desregulava a Marina Mercante e limitava o direito de greve dos trabalhadores, também foi revogado.

Além disso, o Senado aprovou a Lei de Financiamento Universitário e a Emergência em Saúde Pediátrica — esta última, motivada pela crise no Hospital Garrahan. O presidente já indicou que vetará essas leis, em linha com sua postura intransigente, mesmo em meio à turbulência política.

Risco de isolamento

Com uma base parlamentar frágil e um discurso cada vez mais desgastado, o governo enfrenta dificuldades para negociar com aliados. A rejeição ao veto na Câmara sobre a questão da deficiência evidenciou rachaduras entre os próprios apoiadores de Milei.

Negociadores do governo reconhecem que o momento é delicado e que será difícil pedir “novos favores” a parlamentares em meio ao escândalo de corrupção. A crise, dizem, “complica a articulação política”.

A oposição, por ora, evita politizar o caso excessivamente. Alguns legisladores avaliam que a prioridade deve ser a reestruturação da ANDIS e o apoio às pessoas com deficiência. Propostas como a destituição de Martín Menem da presidência da Câmara, por exemplo, ainda não foram levadas adiante, embora rumores ganhem força.

O “pato manco” argentino?

O governo Milei prometia acabar com os privilégios da casta política e se vê agora encurralado pela realidade. Seu silêncio sobre o escândalo, não mencionou uma única vez publicamente o caso, reforça a percepção de que tenta blindar sua irmã e aliados enquanto o país cobra explicações. A campanha continua, mas a narrativa já não é mais a mesma.

No epicentro de uma crise política, judicial e institucional, Javier Milei terá que decidir se continua a ignorar as denúncias, ou se finalmente dará explicações à sociedade que o elegeu com a promessa de moralizar a política argentina. O tempo, e o avanço das investigações, dirão se sua estratégia de silêncio e negação será suficiente para atravessar a tormenta.

Com informações do portal Página12

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