Livro revela aliança entre big techs e complexo militar para guerras dataficadas

Em "As big techs e a guerra total", Sérgio Amadeu desvenda como gigantes da tecnologia fornecem dados e IA para operações militares, redefinindo o cenário geopolítico
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Musk chegou a ser "ministro" de Trump, demonstrando o poder das big techs. Foto: Casa Branca

Em um momento de conflitos globais cada vez mais dependentes de tecnologia, o sociólogo e professor da UFABC, Sérgio Amadeu, lança um livro fundamanental para entender os novos rumos da guerra e do poder geopolítico. Intitulado “As big techs e a guerra total: o complexo militar-industrial-dataficado”, a obra foi tema de entrevista exclusiva no Jornal TVT News Primeira Edição, apresentado por Talita Galli, nesta segunda-feira (1). Leia em TVT News.

As big techs fazem parte do complexo militar industrial dataficado

A partir de uma vasta pesquisa, Amadeu demonstra como o avanço da Inteligência Artificial (IA) foi incorporado pelos interesses militares de grandes potências, notadamente os Estados Unidos, em uma fusão perigosa entre capitalismo de vigilância e militarismo digital. O livro, escrito em linguagem acessível, convida o leitor a adentrar os bastidores das alianças estratégicas entre governos e corporações como Google, Amazon, Microsoft, Oracle e Palantir.

Durante a entrevista, Amadeu explicou a evolução do que ele chama de “complexo militar-industrial-dataficado”. “Eu pesquisando as redes digitais, eu encontrei a relação dessas grandes empresas que a gente chama de Big Tech com a indústria da guerra”, afirmou. Ele relembrou o termo “complexo militar-industrial” cunhado pelo presidente Eisenhower e destacou a mudança fundamental: a incorporação das Big Techs, cujo poder está na vasta coleta e processamento de dados da população global.

“Eles estão ganhando contratos no Pentágono… e esses contratos estão levando as big techs a cada vez mais ter uma fronteira nebulosa entre dados que eles utilizam com a sua inteligência artificial para oferecer produtos… mas também eles acabam atuando, por exemplo, em um laboratório que, na minha opinião, foi feito na Faixa de Gaza”, denunciou o professor.

Amadeu citou o “Projeto Nimbus”, um contrato bilionário de computação em nuvem firmado em 2021 entre o governo de Israel e consórcio formado por Amazon e Google. Ele destacou a mobilização ética dos próprios funcionários dessas empresas.

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Livro conta a relação das Big Techs com a indústria da guerra. Foto: Pixabay/Wikimedia

“Eu me deparo com a mobilização dos trabalhadores, de engenheiros, de cientistas de dados, que diziam assim: ‘Eu não sou um programador para matar pessoas’… montaram um movimento que se chama ‘No Tech for Apartheid’ [Nenhuma Tecnologia para o Apartheid]”.

O pesquisador fundamenta suas afirmações com documentos e relatos, incluindo a declaração de um gerente do Google: “O Google está fornecendo tecnologia que alimenta o primeiro genocídio impulsionado pela IA”.

A Dataficação da Guerra e a Ética do Exterminador

A obra alerta para a transformação da guerra em um “sistema tecnocrático, no qual dados e IA são tão cruciais quanto armas”. Amadeu descreveu à TVT a existência de sistemas que mapeiam populações inteiras para definir alvos, citando um general israelense que defende a necessidade de se identificar “80.000 alvos” antes mesmo de uma guerra começar.

“Eles passam nas redes sociais, fazem o perfilamento, não só para enviar publicidade, mas também para, se o caso, ter alvos a serem abatidos fora da área de combate… são ações que, na minha opinião, deveriam ser motivo de tratados internacionais, porque não se trata de guerra, se trata de extermínio”.

Ele contrasta a “ética da guerra” clássica, onde soldados se enfrentam em campo, com a “ética do caçador” vigente: “As pessoas estão longe da área de combate e eles são atingidos por drones, por mísseis… Isso é muito grave. A guerra se alterou com a inteligência de máquina”.

A Vulnerabilidade do Brasil e a Ilusão da “Nuvem Soberana”

Questionado pela comentarista Rose Martins sobre os riscos para o Brasil, que não vive um conflito armado aberto, Amadeu foi enfático: “O Brasil tem uma vulnerabilidade muito grande porque não controla as tecnologias que usa”.

Ele usou o recente embate entre o CEO Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF) como exemplo, citando um ofício das Forças Armadas que alertava para a dependência do sistema Starlink, também de Musk, para a mobilização de tropas.

O professor também demoliu o conceito de “nuvem soberana” vendido por essas empresas no país. “O Brasil atualmente… tem nuvem soberana da Oracle, da Microsoft, da Amazon. É um produto”. Ele alertou para a legislação dos EUA, como o CLOUD Act, que obriga qualquer empresa americana – independente de onde seus servidores estejam fisicamente – a fornecer dados sob demanda do governo norte-americano.

“Recentemente… um senador [francês] perguntou ao diretor da Microsoft: ‘Você dá garantias que o Trump não tem como bloquear nossas máquinas?’ Ele falou: ‘Não, eu devo obrigações porque a minha empresa é norte-americana’”. Para Amadeu, a conclusão é clara: “Não há soberania nacional hoje sem soberania digital”.

O Enorme Fluxo de Dinheiro e o Poder Geopolítico

O comentarista Eduardo Castro questionou o volume de recursos envolvidos. Amadeu citou um único “contrato guarda-chuva” de mais de US$ 30 bilhões do Pentágono com Microsoft, Amazon, Google e Oracle, além de outros com empresas como a Palantir, fundada com capital da CIA.

Sobre o poder político que isso confere, especialmente em um contexto eleitoral nos EUA, Amadeu foi direto: “As Big Techs não são só empresas quaisquer, elas são ponta de lança ou dispositivos da geopolítica norte-americana”. Ele lembrou que Trump, em sua posse, colocou os CEOs dessas empresas em destaque, sinalizando sua importância estratégica.

Lançamento e Debate

O livro “As big techs e a guerra total” será lançado oficialmente nesta quarta-feira (3), às 19h, na Livraria Travessa da Rua dos Pinheiros, 513, próximo ao metrô Fradique Coutinho, em São Paulo. O evento contará com um debate entre o autor, a professora Maria Carloto (UFABC) e o professor Alcides Peron (Unicamp), especialista em segurança militar.

A obra é um alerta urgente e um chamado para um debate ético e político sobre os riscos da fusão entre o poder militar estatal e o poder dataficado das grandes corporações tecnológicas.

O livro é publicado pela Editora Hedra.

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