Quando a versão supera os fatos

Vivemos tempos em que a versão supera o fato e a narrativa do poder impõe uma visão distorcida
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No mês passado, Trump demitiu comissária de estatística, diante dos primeiros sinais de desaquecimento do emprego. Foto: Casa Branca

por João Henrique Faria

Vivemos tempos sombrios – ou sempre vivemos? -, em que a versão supera o fato e a narrativa do poder impõe uma visão distorcida, com direito a ameaças gerais de uso do poder econômico ou uso do poder militar

“É a economia, burro!” A frase dita pelo consultor político James Carville, em 1992, durante campanha presidencial norte-americana, é presença constante nas análises de cenários governamentais e eleitorais em todo o mundo. No Brasil, não é diferente.

Com a nação mais poderosa do mundo, tanto do ponto de vista econômico – com razoáveis indícios de decadência –, quanto bélico, nas mãos de um governante destemperado, cria-se o ambiente caótico ideal para a proliferação de teorias da conspiração, fake news e busca de imposições.

Certamente, no caso do Brasil, colabora com isso a nossa mídia, ávida por manchetes escandalosas e que possam resultar na ocupação de horas de debates inúteis nos mais diversos canais. A última destas aberrações teve como mensageira Karoline Leavitt, a porta-voz do governo de Donald Trump, aquela que quer que o chefe ganhe o Prêmio Nobel da Paz, de qualquer maneira.

De acordo com a nossa mídia, Trump não descarta o uso de força militar “no Brasil” (aff!).

Vamos analisar o fatoe a versão do fato

O que disse Koroline Leavitt? Vamos lá: “Posso dizer que essa é uma prioridade para o governo. O presidente não tem medo de usar o poder econômico e o poder militar dos EUA para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo (grifo meu). Não é preciso muito esforço para entender-se que a frase tem um tom genérico, não foi, em momento algum, dirigida ao Brasil, de forma direta.

Claro, fazemos parte do mundo, de forma especial, para os Estados Unidos, estamos de fato “ao redor”, uma vez que, para eles, aí independe de quem esteja no poder, o centro do mundo são eles. E, para beneficiá-los, dane-se quem será prejudicado, danem-se 60 mil pessoas são assassinadas na palestina, outras tantas mil na Croácia e em tantos outros conflitos, independente de cargas ideológicas. O que importa é: “É do nosso interesse? Existem questões econômicas e políticas em jogo? Estamos sendo de alguma forma prejudicados ou supostamente prejudicados? Sim? Então toca fogo no mundo”.

Interesse econômico, sim. Interesse político, também.

E voltamos ao título deste artigo: “É a política, seu burro!”. Evidente que os Estados Unidos têm interesses econômicos no Brasil, sejam aqueles interesses normais, de troca, suprindo carências um do outro, sejam aqueles interesses que apontam para o futuro e que têm diretamente a ver com o desenvolvimento tecnológico exponencial, para o qual o mundo tão rapidamente caminha.

Nossos minerais são de interesse confesso dos Estados Unidos. Mas não só deles. Devem ser principalmente de interesse nosso. Mas é aí que entra a política. O que eu (Trump), à frente do maior império do mundo, posso conseguir com um governo e governantes que buscam consolidar o Brasil como uma potência econômica mundial, com base na defesa da soberania?

Afinal de contas, o que somos?

Chamar o governo brasileiro de socialista é uma piada. Temos um governo com uma forte base social, sim, mas ainda calcada em projetos de passado recente – governos Lula 1 e 2 – e uma ou outra ação mais recente, em áreas específicas. No mais, toda a discussão passa por questões de natureza econômica e de narrativas políticas falsas, vindas da oposição, que busca descarregar suas frustrações eleitorais.

Acabamos de assistir ao “desembarque” de União e PP, em nova federação, do governo. Peraí! Assistimos mesmo? Quem saiu? Já se fala em desembarque de filiados nestes dois partidos, agora federados, para outras legendas – que já se oferecem –, assim que a legislação o permitir, ou seja, na janela eleitoral do início do próximo ano. Sem contar os embates regionais que as duas legendas travam, em diversos estados, e que conflitam com as pretensões para as eleições de 2026.

Sendo bonzinho, no mínimo 70% dos cargos em ministérios (desculpem usar números imprecisos), somando-se aos de segundo e terceiro escalões, são ocupados por centro e por direta. Então, onde está o governo de esquerda?

A busca da sobrevivência e os governos de coalizão

Ainda vivemos, do ponto de vista político, aquilo que é chamado de “polarização”. Se ela existe, não é de agora. Sempre tivemos, na história recente, dois grupos políticos que se digladiaram na busca do poder. Da mesma forma, sempre tivemos ações fisiológicas de partidos, que se somam ao poder para usufruírem de seus quinhões em troca de apoio político ao Governo Central.

Se, por um lado, este punhado de gente, de fontes ideológicas diversas e muitas vezes até mesmo inexistentes, junta-se para formar um “governo de coalizão”, sob a justificativa de conseguir a governabilidade, de outro lado, o preço pago costuma ser muito alto. No entanto, em um país que vem se acostumando aos diversos tipos de golpes (civil-militar, militar, parlamentar…), talvez a coalizão seja a busca de uma defesa da sobrevivência política, com a conquista de pequenas, mas necessárias, causas e a disputa insana pela aprovação do que é básico, até mesmo para as grandes potências capitalistas, como o imposto sobre as grandes fortunas, apenas para ficar em um exemplo.

O que existe é o básico: uma defesa da soberania

Mas o que está na pauta, hoje, no Brasil, é a defesa da soberania nacional, entendida em diversos aspectos, incluindo aí a punição àqueles que continuam a agir como se aqui fosse possível, a cada dois, quatro, seis anos, a troca de poder por meios ilegítimos e ilegais. Instados por uma força política de extrema direita, que tem sua força maior em uma ação internacional, mas principalmente motivada pela extrema direita norte-americana e seus idealizadores.

E como fica a Justiça em meio a tudo isso? Da mesma forma que o governo Lula, fica na mira daqueles que, via política, buscam conseguir atingir seus interesses econômicos. A sociedade, indignada, aponta a inação do Legislativo Federal em relação aos crimes cometidos por seus pares (deputados e senadores) e a demora na tomada de decisões, o que transparece fraqueza, ausência de comando.

E as questões caem no colo, geralmente, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em primeira e última instância, tem como função precípua a defesa da Constituição Federal. STF não toma atitudes próprias. É uma instância máxima de Justiça, que é acionada. Ou seja, tudo aquilo que o STF faz é meramente reativo. Portanto, não há como alegar ativismo jurídico, uma vez que tudo é fruto de demanda da sociedade, por meio de pessoas, partidos e outras instituições, que se veem no direito de questionar, seja lá o que for. Cabe ao STF apenas analisar e decidir.

Mas aí vem o Fux…

Bom, deixa pra um outro artigo.

Sobre o autor

João Henrique Faria

João Henrique Faria é Mineiro. Cataguasense. Consultor Político. Estrategista. Jornalista. Professor Universitário. Proprietário da Fator Inteligência e Marketing, empresa há 21 anos no mercado, especializada em Marketing Político Eleitoral e Governamental. Foi Estrategista e/ou Coordenador em mais de 100 campanhas eleitorais para o Executivo e Legislativo. Trabalhou por 11 anos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. É cofundador da Alcateia Política.

Membro do CAMP (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político). Professor universitário desde 1991, coordenou o primeiro curso de pós-graduação em Marketing Político do Brasil, na Escola do Legislativo da ALMG. Hoje está à frente da disciplina “Comunicação e Marketing Político – Eleitoral e Governamental”, na pós-graduação em Comunicação Pública e Governamental da PUC Minas e coordena consultorias para prefeituras e câmaras municipais no campo do Diagnóstico Organizacional, Planejamento e Comunicação e Marketing. Criou e é um dos organizadores dos seminários “Marketing 360 para Mandatos”.


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