Bolsonaro é condenado por uma mulher, no aniversário do golpe do Chile

Decisão da ministra forma maioria contra Bolsonaro; julgamento coincide com os 52 anos do golpe contra Allende
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Caso confirmada, condenação de Bolsonaro unirá duas simbologias poderosas. Foto: Reprodução/Marcelo Camargo/ABR

O Supremo Tribunal Federal (STF) viveu momento carregado de simbologia nesta quarta-feira (11). O voto da ministra Cármen Lúcia formou maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023.

Mais do que um avanço jurídico, a cena representa uma dupla simbologia: Bolsonaro pode ser condenado pelo voto de uma mulher — alvo constante de sua misoginia ao longo da carreira política — e justamente na data em que se completam 52 anos do golpe militar no Chile, um episódio exaltado pelo próprio ex-presidente e que se tornou marco da repressão autoritária na América Latina. Leia em TVT News.

Voto de uma mulher, no aniversário do 11 de setembro do Chile, condena Bolsonaro

Ao longo de sua trajetória, Bolsonaro se notabilizou por ataques machistas e misóginos. Em 2003, disse à então deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela “não merecia ser estuprada”. Anos depois, já como presidente, respondeu à jornalista Patrícia Campos Mello com insinuações sexistas.

Também declarou que mulheres “têm que ganhar menos” e minimizou a participação feminina na política. Agora, ironicamente, pode ter sua condenação selada pela ministra Cármen Lúcia, referência no Judiciário e símbolo da presença feminina em espaços de poder historicamente dominados por homens.

O julgamento trata de crimes graves: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe, incitação às Forças Armadas contra as instituições, associação criminosa e ameaça ao funcionamento das instituições republicanas. Caso se confirme a maioria pela condenação, Bolsonaro não apenas será responsabilizado por seu papel nos atos golpistas, mas também ficará marcado pela derrota imposta por uma voz feminina no coração do Judiciário.

Cármen Lúcia, que já presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi a segunda mulher a chefiar o STF, construiu sua trajetória com posições firmes em defesa da democracia e dos direitos fundamentais. Em 2021, no auge da pandemia, afirmou que “autoridades não podem brincar com a vida alheia”, em crítica ao negacionismo do governo Bolsonaro. Agora, seu voto poderá simbolizar o limite definitivo contra a escalada autoritária do ex-presidente.

11 de setembro e as sombras da ditadura

A data do julgamento adiciona uma segunda camada simbólica. Neste 11 de setembro, completam-se 52 anos do golpe militar no Chile que depôs o presidente Salvador Allende e levou ao poder o general Augusto Pinochet. O regime chileno se tornou um dos mais sangrentos da América Latina, com mais de 40 mil vítimas de perseguição política, entre mortos, desaparecidos e torturados.

Bolsonaro, ex-capitão do Exército brasileiro, nunca escondeu sua admiração por ditaduras militares. Em 1998, declarou em entrevista que “Pinochet fez o que tinha que ser feito. Ele matou muita gente, mas colocou ordem no Chile”. Em diferentes ocasiões, sugeriu que o Brasil deveria ter seguido o mesmo caminho para eliminar opositores. Essa postura sempre fez parte de seu discurso saudosista da ditadura militar brasileira (1964-1985).

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Bombardeio ao La Moneda em 11 de setembro de 1973 | Reprodução: Documentário A Batalha do Chile, de Patrício Guzmán

Assim, o julgamento que pode selar sua condenação acontece em uma data carregada de significado histórico. O 11 de setembro chileno é lembrado como símbolo do autoritarismo na América Latina, e sua coincidência com a análise do papel de Bolsonaro em uma tentativa de golpe no Brasil reforça a mensagem de que saídas militares e antidemocráticas não têm lugar no presente.

A condenação de Bolsonaro, caso confirmada, unirá duas simbologias poderosas. Primeiro, a derrota de um líder que sistematicamente atacou e tentou deslegitimar mulheres na política, agora julgado e condenado pelo voto de uma ministra. Segundo, o recado dado em um 11 de setembro, data que remete a um dos mais violentos golpes militares da região, exaltado pelo próprio Bolsonaro.

Mais do que um veredito jurídico, a possível maioria formada com o voto de Cármen Lúcia representa uma reafirmação do compromisso do Brasil com a democracia, com a igualdade de gênero e com a memória histórica latino-americana.

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A condenação de Bolsonaro unirá duas simbologias poderosas: primeiro, a derrota de um líder que sistematicamente atacou e tentou deslegitimar mulheres na política; segundo, o recado dado em um 11 de setembro, data que remete a um dos mais violentos golpes militares da América Latina. Foto: Governo do Estado de São Paulo

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