Neste sábado (20), São Paulo será novamente atravessada pela memória e pela resistência latino-americana. A oitava edição brasileira do evento “Mil Guitarras para Víctor Jara” será realizada no Galpão Cultural Elza Soares, nos Campos Elíseos, das 11h às 20h, com entrada gratuita. Música, dança, poesia, artes visuais, feira de livros, gastronomia e artesanato ocuparão o espaço para homenagear uma das figuras mais emblemáticas da cultura popular da América Latina, Víctor Jara. Entenda na TVT News.
O evento nasceu no Chile, país natal de Jara, como resposta coletiva à barbárie. Desde 2009, milhares se reúnem para cantar suas canções, como um grito de memória contra a violência que tentou calar sua voz. No Brasil, o tributo ocorre desde 2018, articulado por diversos movimentos culturais e populares como o EntreLatinos, o Movimento Dandô, o MST e a editora Expressão Popular, com o apoio da Fundación Víctor Jara, do Chile.
A celebração paulistana não se limita às composições de Jara. Em suas apresentações, artistas resgatam o universo temático que ele ajudou a construir com a chamada Nova Canção Chilena, a vida cotidiana, o trabalho, a cultura camponesa, a luta por justiça social, a denúncia contra o fascismo. O espírito do evento é coletivo, popular e combativo, como foi a trajetória do homenageado.
Víctor Jara: da arte à luta, da luta ao martírio
Víctor Jara era mais que músico. Era militante, diretor teatral, educador, artista engajado. Nascido em 1932, em uma família camponesa, tornou-se um dos principais nomes da cultura popular chilena nos anos 1960 e 1970. Sua voz se tornou símbolo do governo de Salvador Allende, eleito democraticamente em 1970 com a proposta de construir um socialismo com liberdade e participação popular. Jara integrava o Partido Comunista Chileno (PCC) e colocava sua arte a serviço do povo.
No entanto, a experiência de Allende foi brutalmente interrompida no golpe militar de 11 de setembro de 1973, data que, para os latino-americanos, carrega sua própria ferida histórica. Com apoio direto dos Estados Unidos, a ditadura de Augusto Pinochet instaurou um regime de terror, responsável por milhares de mortes, desaparecimentos e torturas.
Jara foi preso logo após o golpe, levado ao Estádio Chile, onde foi torturado por dias. Teve as mãos esmagadas, como símbolo de sua arte calada à força. Depois, assassinado com dezenas de tiros. No estádio onde morreu, hoje renomeado Estádio Víctor Jara, escreveu seus últimos versos, uma canção inacabada que ainda ressoa como denúncia e esperança.
Joan Jara memória de um amor e de uma revolução
A trajetória de Víctor Jara ganhou uma poderosa narrativa nas palavras de sua companheira, a bailarina e militante Joan Jara, autora do livro “Víctor: uma canção inacabada”, publicado no Brasil pela Expressão Popular. A obra é uma mistura de memória, denúncia e afeto. É também uma promessa cumprida: “Tinha que contar ao mundo exterior, em nome dos que não podiam fazê-lo, sobre os sofrimentos do povo”, escreve Joan.
Em suas páginas, ela narra os anos de ebulição cultural e política qu antecederam o golpe, o papel da arte na construção de um projeto popular no Chile e o amor que partilhou com Víctor. Joan descreve como ele se apresentou nas poblaciones, fábricas, universidades e campos, cultivando uma arte comprometida com a transformação da sociedade.
No livro, publicado originalmente em 1983 na Inglaterra e depois traduzido para diversos idiomas, Joan reflete sobre o peso coletivo do trauma:
“Dominava-me uma sensação de luta inacabada […] Sentia-me como se fosse não uma pessoa, mas mil, um milhão. O tormento não era só pessoal; era uma dor compartilhada que uniu muitos de nós.”
A nova edição, revisada com base na versão da Fundación Víctor Jara (2020), inclui fotos inéditas e a última canção escrita por Víctor no Estádio Chile, ainda em prisão, resistindo com palavras enquanto era brutalizado.
Ato político
A Mil Guitarras é, portanto, mais que uma celebração musical: é um ato político-cultural, uma reafirmação da memória contra a tentativa de apagamento. Em tempos em que o autoritarismo e o revisionismo histórico rondam os países latino-americanos, lembrar Víctor Jara é também lembrar que o fascismo pode ser derrotado com arte, organização e solidariedade.
Mesmo com as mãos quebradas, sua música continua a tocar. E em São Paulo, neste 20 de setembro, serão mil guitarras para que nunca mais haja silêncio diante da violência.
Serviço
Mil Guitarras para Víctor Jara
Sábado, 20 de setembro, das 11h às 20h
Galpão Cultural Elza Soares – Alameda Eduardo Prado, 474 – Campos Elíseos, São Paulo – SP
Entrada gratuita
Música, dança, poesia, feira de livros, gastronomia chilena e latino-americana.