A abertura da 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, escancarou a distância entre as visões de mundo dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Donald Trump, dos Estados Unidos. Apesar dos gestos de cordialidade do norte-americano — que afirmou ter “ótima química” com Lula e que ele “parece um cara muito legal” —, os discursos evidenciaram dois projetos antagônicos para o futuro da ordem internacional. Enquanto o brasileiro reafirmou a centralidade do multilateralismo, da transição energética justa e da construção de um mundo multipolar, o norte-americano usou o púlpito da ONU para exaltar conquistas internas de seu governo, criticar a própria instituição e atacar políticas de energia renovável. Leia em TVT News.
Lula foi direto ao afirmar que o sistema multilateral precisa ser reformado para enfrentar os desafios contemporâneos: “O Conselho de Segurança das Nações Unidas permanece paralisado diante de guerras que ceifam milhares de vidas. A governança global precisa refletir o mundo multipolar em que já vivemos”. O presidente defendeu uma ONU mais representativa, com ampliação da participação de países em desenvolvimento nas instâncias de decisão, em contraponto às críticas de Trump, que acusou a entidade de ser ineficaz. O republicano disparou: “A ONU não está à altura do seu potencial. Pela maior parte do tempo, ela parece ter palavras vazias”.
No campo ambiental, os contrastes foram ainda mais explícitos. Lula reafirmou o compromisso do Brasil com a preservação da Amazônia e com uma transição energética inclusiva: “O Brasil é parte da solução para a crise climática. Defendemos uma transição que seja justa, capaz de gerar empregos e reduzir desigualdades”. Já Trump rechaçou qualquer agenda climática: “Mudança climática é o maior golpe já feito contra a humanidade. Energia eólica não funciona, é patética e cara. Drill, baby, drill (fure, bebê, fure)”.
Outro ponto de tensão foi a defesa da paz em conflitos atuais. Lula pediu “um cessar-fogo imediato em Gaza” e reiterou que “a criação de um Estado palestino viável é condição essencial para a paz no Oriente Médio”. Também apontou que a guerra na Ucrânia exige diálogo, não escalada militar: “Enquanto houver soldados morrendo, nenhum de nós poderá falar em paz verdadeira”. Trump, por sua vez, endureceu sua posição em relação ao conflito israelense-palestino: “Reconhecer o Estado palestino é encorajar o conflito contínuo. Seria uma recompensa para os terroristas do Hamas”. Sobre a Ucrânia, afirmou que a guerra “nunca deveria ter começado se eu fosse presidente” e condicionou a paz a sanções mais duras contra a Rússia e seus parceiros.
Em sua fala, Lula também deixou recados diretos ao próprio Trump, ainda que sem citá-lo nominalmente. Ao defender cooperação entre os países e criticar “soluções unilaterais baseadas na lei do mais forte”, o presidente brasileiro sinalizou oposição ao isolacionismo e ao nacionalismo exacerbado do republicano. “O mundo não precisa de muros, precisa de pontes. Não precisa de tarifas, mas de solidariedade. Não precisamos de mais armas, mas de mais diálogo”, declarou Lula, em clara referência ao discurso de Trump que exaltou tarifas comerciais e fronteiras fechadas.
Trump reforçou a retórica de soberania absoluta: “Os Estados Unidos pertencem aos americanos e encorajamos todos os países a se posicionarem em defesa de seus cidadãos. Povos orgulhosos devem ter o direito de proteger suas comunidades de serem sobrecarregadas por pessoas com costumes diferentes”. Já Lula reafirmou a defesa da integração regional e da cooperação global: “A humanidade compartilha o mesmo destino. Não há solução nacional para problemas globais”.
As diferenças também se manifestaram na visão sobre desenvolvimento. Enquanto Trump exaltou os números da economia doméstica — “Nos oito meses do meu governo, já asseguramos 17 trilhões de dólares em investimentos” —, Lula insistiu que crescimento econômico deve caminhar junto com justiça social: “Não aceitamos que a pobreza seja tratada como fenômeno natural. Ela é fruto de escolhas políticas e pode ser superada”.
O presidente brasileiro ainda aproveitou para reafirmar o papel da América do Sul no debate mundial: “Nossos povos não aceitarão ser novamente reduzidos a quintal de ninguém. A soberania da América Latina será defendida”. Trump, em contraste, criticou duramente países vizinhos e anunciou tarifas contra o Brasil: “O Brasil agora tem tarifas imensas em resposta aos seus esforços de censura, repressão, corrupção e perseguição política. Eles só irão bem se trabalharem conosco”.
No encerramento de sua fala, Lula destacou que “a paz, a democracia e a sustentabilidade são bens indivisíveis” e que “nenhuma nação pode se julgar superior às demais”. Trump, em tom oposto, concluiu afirmando que “a imigração e o alto custo da energia renovável estão destruindo grande parte do nosso mundo livre. Precisamos de fronteiras fortes e fontes tradicionais de energia se quisermos ser grandes novamente”.
O contraste entre os discursos reforça a disputa de narrativas que marca a atual conjuntura internacional. Enquanto Lula aposta em cooperação, multipolaridade e transição verde, Trump defende isolacionismo, hegemonia norte-americana e a continuidade dos combustíveis fósseis como base do desenvolvimento.