Pesquisa revela resistência ao trabalho 100% presencial

Levantamento aponta que redução do home office pode elevar rotatividade e comprometer retenção de talentos, sobretudo entre mulheres
Profissionais estariam dispostos a abrir mão de parte da remuneração para preservar flexibilidade. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O retorno compulsório ao modelo 100% presencial segue sendo motivo de tensão no mundo corporativo. É o que mostra o estudo Trabalho Remoto em Transição: Expectativas sobre os Arranjos de Trabalho e seus Potenciais Impactos na Retenção de Talentos, conduzido pelo Insper em parceria com a Robert Half. Realizado entre março e abril de 2025, com 1.432 profissionais de diferentes setores, o levantamento indica que a redução da flexibilidade no trabalho pode estimular uma onda de desligamentos voluntários, ampliando a rotatividade e aumentando o desafio das empresas na retenção de talentos. Leia em TVT News.

Os dados reforçam que o trabalho remoto deixou de ser exceção para se tornar parte da expectativa dos profissionais. Antes da pandemia, apenas 31% esperavam ter ao menos um dia de home office por semana. Esse índice saltou para 94% durante o período emergencial e, mesmo em 2025, permanece alto: 83% dos entrevistados querem manter a possibilidade de trabalhar de casa pelo menos uma vez por semana. Entre aqueles que hoje já atuam nesse regime, o número é ainda maior: 96% desejam preservá-lo. Até mesmo entre os que estão no regime 100% presencial, mais da metade (53%) gostaria de ter alguma flexibilidade.

Essa expectativa consolidada se choca com a tendência de parte das organizações em restringir ou reverter a prática. O estudo mostra que a imposição de retorno integral ao escritório pode ser entendida como quebra de contrato psicológico — ou seja, a violação de expectativas implícitas construídas ao longo da pandemia. “A retirada abrupta da flexibilidade é percebida por muitos profissionais como um sinal de desequilíbrio na relação de troca com a empresa”, explica Tatiana Iwai, pesquisadora do Insper e coordenadora do estudo.

O experimento conduzido pela pesquisa é ilustrativo: entre os profissionais que trabalham remotamente cinco dias por semana, 93% disseram que considerariam deixar a organização caso perdessem totalmente esse benefício. Mesmo a redução parcial teria impacto expressivo, com 77% avaliando buscar outra colocação. Entre os que atuam apenas um dia remoto, 41% já manifestaram intenção de saída mesmo que o regime fosse mantido, indicando desejo por mais flexibilidade.

As diferenças de gênero chamam atenção. Mulheres se mostraram mais propensas a deixar a empresa do que homens em cenários de perda total ou parcial do trabalho remoto. Para elas, a flexibilidade está associada diretamente à possibilidade de conciliar demandas profissionais com responsabilidades de cuidado, que ainda recaem de forma desproporcional. “Ao reduzir o remoto, as organizações podem, sem perceber, ampliar as barreiras para a ascensão feminina e reforçar desigualdades já existentes”, afirma Tatiana Iwai.

Outro aspecto central é a perda de benefícios práticos e subjetivos ligados ao home office. Entre os profissionais que vivenciaram o cenário hipotético de retorno ao presencial integral, 97% apontaram a perda do tempo economizado com deslocamentos como o maior impacto. Em seguida aparecem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional (90%), a economia financeira (81%), a redução do estresse (78%) e a melhora da saúde mental (71%). Esses dados mostram que, para muitos, a discussão não se resume ao local físico do trabalho, mas a um conjunto de recursos que sustentam qualidade de vida e bem-estar.

A pesquisa também revelou que a flexibilidade passou a ser tão valorizada que parte dos profissionais estaria disposta a abrir mão de parte da remuneração para preservá-la. Entre aqueles que trabalham remotamente todos os dias, 83% aceitariam alguma redução salarial caso precisassem trocar de empresa para manter o regime. Dentro desse grupo, 17% aceitariam cortes acima de 15%.

Esse cenário reforça a importância estratégica das decisões sobre modelos de trabalho. “Trazer todos de volta ao escritório não significa, automaticamente, mais colaboração ou inovação. O trabalho presencial precisa oferecer aquilo que o remoto não entrega, como interações interpessoais de alta qualidade e oportunidades de aprendizagem coletiva”, destaca Iwai. Para a pesquisadora, se a opção pelo presencial integral for inevitável, será preciso pensar em contrapartidas, como benefícios adicionais ou oportunidades de crescimento, para evitar a fuga de talentos.

O estudo conclui que a experiência da pandemia consolidou novas expectativas na relação entre empresas e trabalhadores. A flexibilidade deixou de ser vista como um privilégio e passou a integrar a equação de valor do trabalho. Em um mercado com alta escassez de profissionais qualificados, ignorar essa realidade pode custar caro para organizações que insistem em retroceder ao modelo tradicional.

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