Congresso derruba Dina Boluarte e Peru terá 7º presidente em 10 anos

Congresso do Peru aprovou o afastamento da presidente Dina Boluarte. Assume José Jerí, de ideologia similar. País segue em instabilidade
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A troca de uma presidente de direita por um congressista também de direita reforça um padrão de alternância superficial no Peru. Foto: Wikicommons

Em uma sessão realizada na madrugada de hoje (10), o Congresso do Peru aprovou por unanimidade o afastamento da presidente Dina Boluarte, declarando-a inepta para o exercício do cargo por “incapacidade moral”. Imediatamente após a votação, José Jerí, então presidente do Parlamento, foi empossado como presidente interino até as eleições previstas para abril de 2026. É o 7º presidente em menos de 10 anos no país. Entenda na TVT News.

A moção que levou à derrubada de Boluarte apontou várias acusações de corrupção, entre elas o escândalo conhecido como “Rolexgate”, no qual se investiga uma coleção de relógios de luxo não declarados pela ex-presidente em eventos oficiais. Também foram citadas denúncias de enriquecimento ilícito e omissão frente ao aumento da criminalidade no país.

Em pronunciamento após sua destituição, Boluarte afirmou: “Não pensei em mim mesma, mas nos peruanos”, declarou, enfatizando seu governo, ainda que subjulgada por forte rejeição popular.

A chegada ao poder no Peru sob suspeita

Boluarte assumiu a presidência como vice de Pedro Castillo, após sua destituição em 7 de dezembro de 2022, ocasião em que o então presidente tentou dissolver o Congresso por decreto, um gesto considerado inconstitucional pelo Legislativo e pelo Tribunal Constitucional.

A transição foi abrupta e marcada por protestos e conflitos violentos, especialmente nas regiões andinas e entre comunidades indígenas que apoiavam Castillo. Organizações de direitos humanos denunciaram uso excessivo da força por parte das forças de segurança para reprimir manifestações.

Embora Boluarte tivesse prometido convocar eleições antecipadas ao assumir o cargo, o Congresso rejeitou diversas propostas nesse sentido. Com o tempo, ela foi progressivamente se alinhando politicamente com partidos tradicionais e adotando posturas mais conservadoras, gerando acusações de oportunismo político.

Sua administração foi amplamente impopular: pesquisas recentes indicavam índices de aprovação entre 2% e 4%, apontando-a como uma das líderes com menor respaldo da história recente do país.

O escândalo dos relógios — apelidado de “Rolexgate” — teve papel central para corroer ainda mais a legitimidade de Boluarte. Em 2024, a imprensa investigou sua coleção de relógios de luxo não declarados, o que motivou buscas em sua residência e o aprofundamento da investigação.

Posteriormente, a presidente enfrentou tentativas de impeachment por “incapacidade moral” já em 2024, mas resistiu às votações iniciais.

Analistas sugerem que a trajetória de Boluarte levou a um “paradoxo”: sua fragilidade política a tornava vulnerável, mas também útil para as facções parlamentares, que podiam manobrá-la como uma espécie de “pinhata institucional”, sem precisar enfrentar diretamente uma figura potente.

Mais do mesmo no Peru

O novo presidente interino, José Jerí, de 38 anos e membro do partido conservador Somos Perú, assumiu a chefia do Executivo logo após a destituição.

Ele prometeu governar sob uma agenda de “reconciliação” e combate ao crime nas ruas, declarando que “o principal inimigo está lá fora, nas gangues criminosas”.

A troca de uma presidente de direita por um congressista também de direita reforça um padrão de alternância superficial entre elencos políticos similares, em essência, a substituição de um representante por outro dentro da mesma esfera dominante.

Crise institucional crônica

A destituição de Boluarte marca o sétimo presidente peruano desde 2016, num panorama de instabilidade institucional persistente.

Esse desenrolar inclui:

  • Pedro Pablo Kuczynski (2016–2018), que renunciou diante de ameaça de impeachment vinculada ao escândalo Odebrecht.
  • Martín Vizcarra, seu sucessor, que dissolveu o Congresso em 2019, foi depois destituído por acusações de corrupção e votação parlamentar.
  • Manuel Merino, que assumiu interinamente em 2020 numa transição abrupta, mas renunciou após protestos intensos em poucos dias.
  • Francisco Sagasti, presidente interino que assumiu para organizar eleições, servindo durante um período de transição.
  • Pedro Castillo, eleito em 2021, sofreu vários pedidos de impeachment, tentou dissolver o Congresso e foi destituído em 2022, logo preso.
  • Dina Boluarte, que chegou ao poder em 2022 após a queda de Castillo, agora destituída.
  • José Jerí, interino, o sétimo nomeado em menos de uma década.

Essa sucessão rápida de presidentes reflete não apenas polarização, mas também o uso frequente de dispositivos constitucionais (como a figura da “incapacidade moral”) para destituir mandatários, muitas vezes com respaldo parlamentar e sem necessariamente apuração judicial profunda.

Os desafios

Jerí terá a missão de conduzir a transição até a eleição nacional em abril de 2026, prometendo entregar o poder ao candidato eleito.

No curto prazo, ele precisará enfrentar uma crise de legitimidade: gerir um país com altos índices de criminalidade — 6.041 homicídios entre janeiro e meados de agosto deste ano, segundo dados oficiais, além de um salto de 28% nas denúncias de extorsão comparadas ao mesmo período de 2024 — e com população profundamente cética em relação às instituições.

Além disso, persistem dilemas institucionais relevantes: como fortalecer a supervisão ao Executivo em um contexto em que o Congresso já se mostra capaz de removê-lo a qualquer momento? Como garantir que processos por corrupção alcancem eficácia real, e não fiquem apenas retórica política?

A substituição de Boluarte por Jerí confirma que, no Peru contemporâneo, a alternância presidencial muitas vezes acontece “por sítio institucional” e não por via eleitoral clara. É um ciclo que reitera rupturas de ordem democrática, com fragmentação partidária e fragilidade normativa crônica.

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