Paz? Vencedora do Nobel apoia intervenção militar na Venezuela

Nobel da Paz de 2025 apoiou derrubada de Chávez e bloqueio dos EUA contra Venezuela
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Corina Machado integra a oposição venezuelana e convenceu o Comitê do Nobel que defende a transição democrática. Foto: FEDERICO PARRA / AFP

Reportagem do Brasil de Fato relembra a ficha corrida de Maria Corina Machado, escolhida nesta sexta como Nobel da Paz em 2025.

Vencedora do Nobel da Paz, Corina Machado apoiou golpes e intervenção armada na Venezuela; relembre

Texto do Brasil de Fato, com edição de Rodrigo Durao Coelho

A atual líder da extrema direita venezuelana, María Corina Machado venceu o Prêmio Nobel da Paz de 2025. O anúncio foi feito da manhã desta sexta-feira (10) e surpreendeu o mundo político da Venezuela e da América Latina. Isso porque a ex-deputada tem um longo currículo de apoio a golpes de Estado, sanções econômicas e até pedidos de intervenção armada contra o país.

Oriunda de família rica, Machado apoiou o golpe de Estado relâmpago que derrubou o então presidente Hugo Chávez por 48 horas em abril de 2002. Durante aqueles dois dias, ela foi uma das 300 pessoas que assinou o documento antidemocrático conhecido como Decreto Carmona, em referência ao empresário golpista que se autoproclamou presidente.

O documento determinava o fechamento do Congresso, a destituição da Suprema Corte e a suspensão de garantias legais para a população, que não aceitou o golpe e apoiou o retorno de Chávez ao cargo.

Após a derrota do golpe, dois anos depois, Corina Machado buscou apoio internacional para sua ONG, a Súmate. Em 2005, visitou a Casa Branca e se reuniu com o então presidente dos EUA George W. Bush. O encontro gerou repúdio por parte de Caracas, que alegou que, naquele momento, nem o embaixador venezuelano em Washington conseguia uma reunião com o republicano.

A tentativa de mudar o governo à força havia sido apoiada pelo governo de George W. Bush, que reconheceu o golpista Carmona. Dinheiro dos EUA continuou a financiar a Súmate, que foi investigada pelo governo venezuelano.

Corina Machado escreveu carta para Netaniahu pedindo apoio à intervenção militar na Venezuela

Em 2010, Machado foi eleita como deputada pelo Estado de Miranda, mas não chegou a terminar o mandato pois foi cassada em 2014, após aceitar um cargo de embaixadora do Panamá na OEA (Organização dos Estados Americanos), violando o artigo 149 da Constituição venezuelana que impede funcionários públicos de aceitar cargos de governos estrangeiros sem a autorização do Parlamento. Segundo ela, o posto oferecido pelo governo panamenho serviria para “denunciar a violência cometida” pelo presidente Nicolás Maduro.

A violência mencionada por Machado se refere às ações policiais contra protestos violentos da oposição, conhecidos como “guarimbas”, desencadeados pelas declarações do canditado derrotado Henrique Capriles em 2013, que não reconheceu a vitória presidencial de Maduro e convocou a população a protestar.

Os protestos ganharam amplitude e foram marcados pela violência dos manifestantes, que incendiaram prédios públicos, atacaram sedes de partidos de esquerda e agrediram trabalhadores. Capriles tentou se distanciar dos distúrbios, abrindo espaço para outros líderes da oposição, incluindo Maria Corina Machado.

As “guarimbas” voltaram a ocorrer três anos mais tarde, em 2017. Os protestos daquele ano, no entanto, duraram mais tempo e se mostraram ainda mais violentos que os de 2014. Segundo a versão do governo, ao menos seis pessoas foram mortas e 23 foram atacadas durante os atos por serem simpatizantes ou apoiadores do chavismo.

‘Governo’ Guaidó e bloqueio

Em 2019, a oposição venezuelana liderada por Corina apoiou a autoproclamação de Juan Guaidó como “presidente interino” do país, seguindo a estratégia de “pressão máxima” do primeiro mandato do presidente dos EUA Donald Trump.

As sanções dos EUA contra a indústria petroleira visavam criar caos econômico e político para forçar a saída de Maduro. Maria Corina Machado apoiou Guaidó durante todo o “interinato” e passou a defender abertamente uma “intervenção militar estrangeira” na Venezuela.

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Um outdoor em Caracas diz que os líderes da oposição (da esquerda para a direita) Leopoldo Lopez, Maria Corina Machado e Juan Guaidó, são responsáveis pelas sanções impostas pelos EUA à Venezuela. Foto: FEDERICO PARRA / AFP

A estratégia defendida por Corina é similar a adotada pela família Bolsonaro, que por meio de Eduardo Bolsonaro influencia a Casa Branca a lançar ataques comerciais contra o Brasil.

“Se a ameaça não for real, o regime não vai ceder”, disse Machado à BBC em 2019. No ano seguinte, em 2020, em uma entrevista à agência alemã Deutsche Welle, a ex-deputada chegou a pedir uma “intervenção militar cirúrgica, que retire Maduro do poder”.

A surpresa causada pela escolha da venezuelana lembra a da União Europeia (UE) em 2012. No ano anterior o bloco havia liderado as forças que derrubaram o governno líbio e mergulhado o país no caos. A UE então passou a endurecer os mecanismos anti-imigratórios para impedir a chegada do mar de refugiados líbios que ajudou a criar.

Presidência e apoio a militares dos EUA

Em 2024, Machado tntou concretizar um sonho antigo: ser candidata à Presidência. Mesmo inelegível desde 2014, a ex-deputada forçou sua candidatura até o último momento possível, para então indicar Edmundo González Urrutia, um político desconhecido, como seu representante no pleito.

A chapa foi derrotada pelo atual presidente Nicolás Maduro, mas alegou fraude eleitoral e foi convocada pela Suprema Corte a apresentar provas em um processo que envolveu todos os candidatos à Presidência daquela eleição. No entanto, nem Machado e nem González compareceram ao tribunal durante o processo.

A opositora segue dando entrevistas pedindo a derrubada de Maduro e chegou a apoiar as recentes mobilizações de tropas estadunidenses no mar Caribe e os ataques a embarcações supostamente vinculadas ao narcotráfico que o governo Donald Trump vem realizando.

“Não resta outra opção a não ser forçar a saída de tal regime”, disse Machado durante uma vídeoconferência na Assembleia das Nações Unidas realizada em setembro.

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Uma pessoa abre a porta para sair da Academia Sueca antes da cerimônia do Prêmio Nobel de Literatura de 2025, na Academia Sueca em Estocolmo, Suécia, em 9 de outubro de 2025. (Foto de Jonathan Nackstrand / AFP)

Prêmios Nobel da Paz contestados

Há prêmios Nobel da Paz polêmicos, principalmente por motivos de associação com conflitos, como no caso de Henry Kissinger e Le Duc Tho (Paz, 1973), devido ao envolvimento de Kissinger na Guerra do Vietnã e com várias ditaduras latino-americanas.

Confira alguns prêmios Nobel da Paz polêmicos

  • Henry Kissinger e Le Duc Tho (1973): ganharam por seus esforços em assinar os Acordos de Paz de Paris, mas a premiação foi controversa devido ao envolvimento de Kissinger na guerra, incluindo bombardeios contra o Vietnã, Laos e Camboja. Le Duc Tho recusou o prêmio, dizendo que a paz não foi alcançada.

  • Anwar Sadat (1978): a premiação de Sadat, junto com Menachem Begin, pelo acordo de paz entre Egito e Israel, foi polêmica porque ele havia participado de um golpe de estado em 1952. 

  • Barack Obama (2009): a escolha de Obama, que já era comandante-em-chefe de tropas em guerra no Iraque e Afeganistão, foi amplamente questionada também por ele ter sido premiado pouco tempo depois de assumir o cargo, sem ter feito, efetivamente, algo concreto pela paz. Obama teria ganhado pela repercussão da eleição.

  • Abiy Ahmed (2020): o primeiro-ministro etíope foi criticado por enviar tropas para a região de Tigray, gerando um conflito que deixou milhares de mortos, pouco mais de um ano após receber o prêmio por seus esforços de paz. 


Confira os dez últimos ganhadores do Nobel da Paz

Oslo, Noruega, via Agência France-Presse

– 2025: María Corina Machado (Venezuela)

O Comitê Norueguês do Nobel concedeu o prêmio nesta sexta-feira à líder da direita na Venezuela María Corina Machado.

– 2024: Nihon Hidankyo (Japão)

A Nihon Hidankyo, uma instituição que reúne sobreviventes dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki em 1945, ganhou o prêmio por “seus esforços para promover um mundo sem armas nucleares e por demonstrar, por meio de depoimentos, que armas nucleares nunca devem ser usadas novamente”.

– 2023: Narges Mohammadi (Irã)

A defensora iraniana dos direitos das mulheres Narges Mohammadi, presa no Irã, recebeu o prêmio “por sua luta contra a opressão das mulheres no Irã e por sua luta para promover os direitos humanos e a liberdade para todos”.

– 2022: Ales Bialiatski (Belarus), Memorial (Rússia) e o Centro pelas Liberdades Civis (Ucrânia)

O comitê premiou o ativista bielorrusso e essas duas organizações “por seus esforços impressionantes em documentar crimes de guerra, violações de direitos humanos e abusos de poder”.

– 2021: Maria Ressa (Filipinas/Estados Unidos) e Dmitri Muratov (Rússia)

Os jornalistas foram consagrados “por seus esforços para preservar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e uma paz duradoura”.

– 2020: Programa Mundial de Alimentos (PMA)

agência da ONU recebeu o Prêmio Nobel por “seus esforços no combate à fome, sua contribuição para melhorar as condições de paz em zonas de conflito e por promover esforços para evitar que a fome se torne uma arma de guerra”.

– 2019: Abiy Ahmed Ali (Etiópia)

Abiy Ahmed Ali, então primeiro-ministro etíope, pela reconciliação entre seu país e a Eritreia.

– 2018: Denis Mukwege (RD Congo) e Nadia Murad (Iraque)

O ginecologista Denis Mukwege (República Democrática do Congo) e yazidi Nadia Murad, por seus esforços para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra.

– 2017: Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares (ICAN)

A ICAN foi reconhecida por sua luta para abolir armas nucleares em todo o mundo.

– 2016: Juan Manuel Santos (Colômbia)

O ex-presidente colombiano recebeu a mais alta condecoração por ter contribuído para acabar com meio século de guerra interna na Colômbia.

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