Reportagem do Brasil de Fato relembra a ficha corrida de Maria Corina Machado, escolhida nesta sexta como Nobel da Paz em 2025.
Vencedora do Nobel da Paz, Corina Machado apoiou golpes e intervenção armada na Venezuela; relembre
Texto do Brasil de Fato, com edição de Rodrigo Durao Coelho
A atual líder da extrema direita venezuelana, María Corina Machado venceu o Prêmio Nobel da Paz de 2025. O anúncio foi feito da manhã desta sexta-feira (10) e surpreendeu o mundo político da Venezuela e da América Latina. Isso porque a ex-deputada tem um longo currículo de apoio a golpes de Estado, sanções econômicas e até pedidos de intervenção armada contra o país.
Oriunda de família rica, Machado apoiou o golpe de Estado relâmpago que derrubou o então presidente Hugo Chávez por 48 horas em abril de 2002. Durante aqueles dois dias, ela foi uma das 300 pessoas que assinou o documento antidemocrático conhecido como Decreto Carmona, em referência ao empresário golpista que se autoproclamou presidente.
O documento determinava o fechamento do Congresso, a destituição da Suprema Corte e a suspensão de garantias legais para a população, que não aceitou o golpe e apoiou o retorno de Chávez ao cargo.
Após a derrota do golpe, dois anos depois, Corina Machado buscou apoio internacional para sua ONG, a Súmate. Em 2005, visitou a Casa Branca e se reuniu com o então presidente dos EUA George W. Bush. O encontro gerou repúdio por parte de Caracas, que alegou que, naquele momento, nem o embaixador venezuelano em Washington conseguia uma reunião com o republicano.
A tentativa de mudar o governo à força havia sido apoiada pelo governo de George W. Bush, que reconheceu o golpista Carmona. Dinheiro dos EUA continuou a financiar a Súmate, que foi investigada pelo governo venezuelano.
Corina Machado escreveu carta para Netaniahu pedindo apoio à intervenção militar na Venezuela
This year's Nobel Peace Prize winner, María Corina Machado, urged genocidaire Benjamin Netanyahu to support regime change in Venezuela in 2018. https://t.co/I9dEZRX6Jc pic.twitter.com/ykcf3Iv6re
— John McEvoy (@jmcevoy_2) October 10, 2025
Em 2010, Machado foi eleita como deputada pelo Estado de Miranda, mas não chegou a terminar o mandato pois foi cassada em 2014, após aceitar um cargo de embaixadora do Panamá na OEA (Organização dos Estados Americanos), violando o artigo 149 da Constituição venezuelana que impede funcionários públicos de aceitar cargos de governos estrangeiros sem a autorização do Parlamento. Segundo ela, o posto oferecido pelo governo panamenho serviria para “denunciar a violência cometida” pelo presidente Nicolás Maduro.
A violência mencionada por Machado se refere às ações policiais contra protestos violentos da oposição, conhecidos como “guarimbas”, desencadeados pelas declarações do canditado derrotado Henrique Capriles em 2013, que não reconheceu a vitória presidencial de Maduro e convocou a população a protestar.
Os protestos ganharam amplitude e foram marcados pela violência dos manifestantes, que incendiaram prédios públicos, atacaram sedes de partidos de esquerda e agrediram trabalhadores. Capriles tentou se distanciar dos distúrbios, abrindo espaço para outros líderes da oposição, incluindo Maria Corina Machado.
As “guarimbas” voltaram a ocorrer três anos mais tarde, em 2017. Os protestos daquele ano, no entanto, duraram mais tempo e se mostraram ainda mais violentos que os de 2014. Segundo a versão do governo, ao menos seis pessoas foram mortas e 23 foram atacadas durante os atos por serem simpatizantes ou apoiadores do chavismo.
‘Governo’ Guaidó e bloqueio
Em 2019, a oposição venezuelana liderada por Corina apoiou a autoproclamação de Juan Guaidó como “presidente interino” do país, seguindo a estratégia de “pressão máxima” do primeiro mandato do presidente dos EUA Donald Trump.
As sanções dos EUA contra a indústria petroleira visavam criar caos econômico e político para forçar a saída de Maduro. Maria Corina Machado apoiou Guaidó durante todo o “interinato” e passou a defender abertamente uma “intervenção militar estrangeira” na Venezuela.

A estratégia defendida por Corina é similar a adotada pela família Bolsonaro, que por meio de Eduardo Bolsonaro influencia a Casa Branca a lançar ataques comerciais contra o Brasil.
“Se a ameaça não for real, o regime não vai ceder”, disse Machado à BBC em 2019. No ano seguinte, em 2020, em uma entrevista à agência alemã Deutsche Welle, a ex-deputada chegou a pedir uma “intervenção militar cirúrgica, que retire Maduro do poder”.
A surpresa causada pela escolha da venezuelana lembra a da União Europeia (UE) em 2012. No ano anterior o bloco havia liderado as forças que derrubaram o governno líbio e mergulhado o país no caos. A UE então passou a endurecer os mecanismos anti-imigratórios para impedir a chegada do mar de refugiados líbios que ajudou a criar.
Presidência e apoio a militares dos EUA
Em 2024, Machado tntou concretizar um sonho antigo: ser candidata à Presidência. Mesmo inelegível desde 2014, a ex-deputada forçou sua candidatura até o último momento possível, para então indicar Edmundo González Urrutia, um político desconhecido, como seu representante no pleito.
A chapa foi derrotada pelo atual presidente Nicolás Maduro, mas alegou fraude eleitoral e foi convocada pela Suprema Corte a apresentar provas em um processo que envolveu todos os candidatos à Presidência daquela eleição. No entanto, nem Machado e nem González compareceram ao tribunal durante o processo.
A opositora segue dando entrevistas pedindo a derrubada de Maduro e chegou a apoiar as recentes mobilizações de tropas estadunidenses no mar Caribe e os ataques a embarcações supostamente vinculadas ao narcotráfico que o governo Donald Trump vem realizando.
“Não resta outra opção a não ser forçar a saída de tal regime”, disse Machado durante uma vídeoconferência na Assembleia das Nações Unidas realizada em setembro.

Prêmios Nobel da Paz contestados
Há prêmios Nobel da Paz polêmicos, principalmente por motivos de associação com conflitos, como no caso de Henry Kissinger e Le Duc Tho (Paz, 1973), devido ao envolvimento de Kissinger na Guerra do Vietnã e com várias ditaduras latino-americanas.
Confira alguns prêmios Nobel da Paz polêmicos
- Henry Kissinger e Le Duc Tho (1973): ganharam por seus esforços em assinar os Acordos de Paz de Paris, mas a premiação foi controversa devido ao envolvimento de Kissinger na guerra, incluindo bombardeios contra o Vietnã, Laos e Camboja. Le Duc Tho recusou o prêmio, dizendo que a paz não foi alcançada.
- Anwar Sadat (1978): a premiação de Sadat, junto com Menachem Begin, pelo acordo de paz entre Egito e Israel, foi polêmica porque ele havia participado de um golpe de estado em 1952.
- Barack Obama (2009): a escolha de Obama, que já era comandante-em-chefe de tropas em guerra no Iraque e Afeganistão, foi amplamente questionada também por ele ter sido premiado pouco tempo depois de assumir o cargo, sem ter feito, efetivamente, algo concreto pela paz. Obama teria ganhado pela repercussão da eleição.
- Abiy Ahmed (2020): o primeiro-ministro etíope foi criticado por enviar tropas para a região de Tigray, gerando um conflito que deixou milhares de mortos, pouco mais de um ano após receber o prêmio por seus esforços de paz.
Confira os dez últimos ganhadores do Nobel da Paz
Oslo, Noruega, via Agência France-Presse
– 2025: María Corina Machado (Venezuela)
O Comitê Norueguês do Nobel concedeu o prêmio nesta sexta-feira à líder da direita na Venezuela María Corina Machado.
– 2024: Nihon Hidankyo (Japão)
A Nihon Hidankyo, uma instituição que reúne sobreviventes dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki em 1945, ganhou o prêmio por “seus esforços para promover um mundo sem armas nucleares e por demonstrar, por meio de depoimentos, que armas nucleares nunca devem ser usadas novamente”.
– 2023: Narges Mohammadi (Irã)
A defensora iraniana dos direitos das mulheres Narges Mohammadi, presa no Irã, recebeu o prêmio “por sua luta contra a opressão das mulheres no Irã e por sua luta para promover os direitos humanos e a liberdade para todos”.
– 2022: Ales Bialiatski (Belarus), Memorial (Rússia) e o Centro pelas Liberdades Civis (Ucrânia)
O comitê premiou o ativista bielorrusso e essas duas organizações “por seus esforços impressionantes em documentar crimes de guerra, violações de direitos humanos e abusos de poder”.
– 2021: Maria Ressa (Filipinas/Estados Unidos) e Dmitri Muratov (Rússia)
Os jornalistas foram consagrados “por seus esforços para preservar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e uma paz duradoura”.
– 2020: Programa Mundial de Alimentos (PMA)
A agência da ONU recebeu o Prêmio Nobel por “seus esforços no combate à fome, sua contribuição para melhorar as condições de paz em zonas de conflito e por promover esforços para evitar que a fome se torne uma arma de guerra”.
– 2019: Abiy Ahmed Ali (Etiópia)
Abiy Ahmed Ali, então primeiro-ministro etíope, pela reconciliação entre seu país e a Eritreia.
– 2018: Denis Mukwege (RD Congo) e Nadia Murad (Iraque)
O ginecologista Denis Mukwege (República Democrática do Congo) e yazidi Nadia Murad, por seus esforços para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra.
– 2017: Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares (ICAN)
A ICAN foi reconhecida por sua luta para abolir armas nucleares em todo o mundo.
– 2016: Juan Manuel Santos (Colômbia)
O ex-presidente colombiano recebeu a mais alta condecoração por ter contribuído para acabar com meio século de guerra interna na Colômbia.