ONU faz 80 anos entre crises de legitimidade e apelos por reforma estrutural

Em 24 de outubro, celebra-se o Dia das Nações Unidas, data que marca a entrada em vigor, há 80 anos, da Carta da ONU, firmada em 1945
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A ONU nasceu com objetivos ambiciosos: manter a paz e a segurança internacional, promover relações amistosas entre os povos, estimular a cooperação econômica e social e servir como centro de convergência para ações coletivas. Foto: ONU/Mark Garten

Em 24 de outubro, celebra-se o Dia das Nações Unidas, data que marca a entrada em vigor, há 80 anos, da Carta da ONU, firmada em 1945 por 51 países, entre eles o Brasil, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Criada para evitar novos conflitos globais e promover a cooperação entre as nações, a ONU chega a 2025 sob um clima de autocrítica e questionamentos sobre sua capacidade de responder aos desafios de um mundo em rápida transformação. Entenda na TVT News.

A ONU nasceu com objetivos ambiciosos: manter a paz e a segurança internacional, promover relações amistosas entre os povos, estimular a cooperação econômica e social e servir como centro de convergência para ações coletivas.

Hoje, com 193 países-membros, a ONU abriga um sistema complexo que inclui a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado-Geral. Ainda assim, as promessas de 1945 parecem cada vez mais distantes diante de guerras prolongadas, genocídios, crises humanitárias e uma crescente onda de autoritarismo e xenofobia.

“O mundo anda em círculos”, diz Lula

Durante a abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, em setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um dos discursos mais duros contra a paralisia da organização. “O mundo anda em círculos”, afirmou, ao criticar a falta de avanços concretos em temas globais, como o fracasso na criação de um tratado internacional sobre pandemias, mesmo após a devastação causada pela Covid-19.

“O Pacto para o Futuro, aprovado com extrema dificuldade, reflete o enfraquecimento de nossa capacidade coletiva de negociação. A ONU, prestes a completar 80 anos, está esvaziada e paralisada”, disse Lula, defendendo uma reforma profunda da estrutura multilateral. O presidente destacou que a Carta das Nações Unidas jamais passou por uma revisão abrangente, embora o mundo tenha se transformado radicalmente desde 1945.

Hoje, o poder real permanece concentrado nas mãos dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido, que mantêm o poder de veto e determinam o alcance das decisões internacionais. “Estamos no primeiro quarto do século XXI, mas seguimos presos a estruturas do século passado”, resumiu Lula, lembrando ainda que nenhuma mulher jamais ocupou o cargo de secretária-geral da ONU.

Conselho de Segurança

Criado para garantir a paz global, o Conselho de Segurança tornou-se, nas palavras de diplomatas, um “teatro de sombras”. Sua atuação é marcada por duplos padrões e bloqueios sistemáticos de resoluções que desagradam às grandes potências. Crises como as guerras na Ucrânia, em Gaza e no Iêmen expuseram a fragilidade do sistema multilateral.

“O Conselho perdeu legitimidade. Sua atuação baseada em dois pesos e duas medidas mina sua autoridade”, reforçou Lula em Nova York, ecoando críticas de diversos países do Sul Global que pedem ampliação e democratização do órgão.

O próprio secretário-geral António Guterres reconheceu a gravidade da situação. Ao lançar a iniciativa “ONU80”, ele admitiu que a entidade atravessa uma crise de credibilidade e de liquidez sem precedentes. “Vivemos tempos incertos, mas, paradoxalmente, nunca a ONU foi tão necessária. Precisamos de reformas profundas para que a organização sirva efetivamente às pessoas”, declarou. Segundo Guterres, é urgente tornar a ONU mais ágil, menos burocrática e mais transparente, com revisão de mandatos, programas e estruturas de poder.

Brasil reafirma apoio e cobra modernização

Em nota oficial, o Itamaraty celebrou os 80 anos da ONU reafirmando o compromisso do Brasil com os valores da Carta, paz, dignidade humana, igualdade e cooperação internacional, mas também defendeu a necessidade de reformar os órgãos centrais para adequá-los aos desafios contemporâneos.

“O Brasil reconhece os incomensuráveis aportes da Organização ao longo de sua história em favor da paz, do desenvolvimento sustentável, dos direitos humanos e de uma ordem internacional baseada no direito internacional”, diz o comunicado. Ao mesmo tempo, ressalta que temas como mudança climática, igualdade racial e consolidação da paz não faziam parte da agenda fundadora e precisam ser plenamente incorporados às normas e debates da ONU.

O texto encerra com uma visão de futuro: “O século 21 será cada vez mais multipolar. Para que seja também pacífico e justo, a multipolaridade deverá vir acompanhada de um multilateralismo renovado, fortalecido e legítimo.”

O desafio, agora, é fazer com que a ONU, nascida dos escombros da Segunda Guerra, consiga reinventar-se antes de completar o seu centenário, mantendo viva a promessa de uma comunidade internacional unida pela paz, pela justiça e pela cooperação entre os povos.

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