Lula: “mundo precisa definir o caminho para acabar com a dependência dos combustíveis fósseis”

Lula discursou para líderes em evento que antecede a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30)
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Em artigo publicado na abertura da COP30, Lula diz que é chegada a hora da verdade. Cúpula do Clima reúne lideranças mundiais para discutir os principais desafios e compromissos no enfrentamento da mudança do clima. Foto: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR

A Cúpula do Clima, em Belém (PA), entrou nesta sexta-feira (7/11) em seu segundo e último dia, com a retomada dos discursos de líderes e sessões temáticas cruciais sobre a transição energética, o Acordo de Paris, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e o financiamento de ações contra a crise climática. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um discurso durante a abertura dos trabalhos. Confira na TVT News.

O evento, que antecede a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), a ser realizada também em Belém de 11 a 21 de novembro, busca dar peso político e reforçar os compromissos multilaterais frente à urgência climática. Chefes de Estado, líderes de governo e representantes de alto nível de mais de 70 países estão na capital paraense para participar da Cúpula.

Lula pede um “mapa do caminho claro”

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na abertura da mesa de debates do dia, enfatizando a necessidade de uma ação decidida para abandonar a dependência dos combustíveis fósseis.

“A Terra não comporta mais o modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que vigorou nos últimos 200 anos,” afirmou Lula.

O presidente destacou que as decisões no setor energético definirão o sucesso ou o fracasso na batalha contra a mudança do clima, alertando que 75% das emissões de gases do efeito estufa vêm da produção e consumo de energia.

“O mundo precisa de um mapa do caminho claro para acabar com essa dependência dos combustíveis fósseis,” declarou.

Lula ressaltou o papel de liderança do Brasil na área, com 90% da matriz elétrica nacional proveniente de fontes limpas e o pioneirismo em biocombustíveis como o etanol, classificado por ele como uma “alternativa eficaz e imediatamente disponível”.

Apesar dos avanços nas energias renováveis globalmente, Lula lamentou que os incentivos financeiros ainda se direcionem majoritariamente no sentido oposto ao da sustentabilidade, citando que os maiores bancos do mundo se comprometeram a conceder 869 bilhões de dólares para o setor de petróleo e gás no ano passado.

“Gastar com armas o dobro do que destinamos à ação climática é pavimentar o caminho para o apocalipse climático.”

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Mesa Redonda de Líderes. Reunião de Transição Energética, na Cúpula do Clima, que reune liderenças mundiais para discutir os principais desafios e compromissos no enfrentamento da mudança do clima. Foto: Rafa Neddermeyer/COP30

Programação da Cúpula do Clima

Nesta sexta-feira, a programação incluiu a chegada dos líderes, uma nova sessão de foto de família e a retomada dos discursos. A sessão temática sobre transição energética deu o tom do debate, com o Brasil defendendo a aceleração da mudança com justiça climática, combatendo as desigualdades e garantindo um desenvolvimento sustentável.

No final da tarde, ocorre a Terceira Sessão Temática da Mesa de Líderes, focada em “10 Anos do Acordo de Paris: Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e Financiamento”.

No primeiro dia da Cúpula, ontem (6), Lula já havia feito um chamado para a ação concreta dos países, classificando a COP 30 como a “COP da verdade”.

“É o momento de levar a sério os alertas da ciência. É hora de encarar a realidade e decidir se teremos ou não a coragem e a determinação necessárias para transformá-la,” disse o presidente.

Ontem também foi marcado pelo lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que já conta com US$ 5,5 bilhões.

O presidente brasileiro retoma nesta sexta-feira a agenda de reuniões bilaterais, com encontros previstos com líderes como o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e o presidente da República de Moçambique, Daniel Chapo.

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“A Terra não comporta mais o modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que vigorou nos últimos 200 anos,” afirmou Lula. Foto: EBC

Confira a íntegra do discurso de Lula

“As decisões que tomarmos com relação ao setor energético definirão nosso sucesso ou nosso fracasso na batalha contra a mudança do clima.  

Foram necessárias 28 COPs do clima para nos comprometermos, em Dubai, com uma transição energética justa, ordenada e equitativa.

A Terra não comporta mais o modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que vigorou nos últimos 200 anos.

75% das emissões de gases do efeito estufa têm origem na produção e no consumo de energia.

Não podemos nos omitir ou intimidar diante da magnitude desse dado.

Já sabemos que não é preciso desligar máquinas e motores, nem fechar fábricas ao redor do mundo de um dia para o outro.

A ciência e a tecnologia nos permitem evoluir de forma segura para um modelo centrado nas energias limpas.

Essa transformação já está em curso.

O uso de renováveis triplicou nos últimos dez anos.

No primeiro semestre de 2025, a energia renovável se tornou a maior fonte individual de geração de eletricidade no mundo, ultrapassando o carvão.

Em muitas regiões, as energias solar e eólica já são mais baratas do que a gerada por combustíveis fosseis.

O preço das baterias caiu 90%.

O Brasil não tem medo de discutir a transição energética.

Somos líderes nessa área há décadas.

Ainda nos anos 1970, fomos o primeiro país a investir em larga escala em alternativas renováveis.

90% da matriz elétrica nacional provém de fontes limpas.

Também somos pioneiros no desenvolvimento de motores flexíveis e o segundo maior produtor mundial de biocombustíveis.

Nossa gasolina tem 30% de etanol em sua composição e nosso diesel conta com 15% de biodiesel.

O etanol é uma alternativa eficaz e imediatamente disponível para adoção nos setores mais desafiadores, como a indústria e os transportes.

É lamentável que pressões e ameaças tenham levado a Organização Marítima Internacional a adiar esse passo.

A transição energética representa um novo paradigma de desenvolvimento e uma grande oportunidade para promover transformações estruturais na sociedade e na economia.

Em 2023, o setor foi responsável por 10% do crescimento do PIB global e empregou 35 milhões de pessoas.

É impossível discutir a transição energética sem falar dos minerais críticos, essenciais para a confecção de baterias, painéis solares e sistemas de energia.

Para gerar emprego e renda e gozar de segurança energética, os países em desenvolvimento precisam participar de todas as etapas dessa cadeia global de valor.

Senhoras e senhores,

Apesar dos avanços, 2024 registrou novo recorde de emissões de carbono do setor energético, o maior índice desde 1957.

Os incentivos financeiros muitas vezes vão no sentido contrário ao da sustentabilidade.

No ano passado, os 65 maiores bancos do mundo se comprometeram a conceder 869 bilhões de dólares para o setor de petróleo e gás.

Desde a adoção do Acordo de Paris a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética global diminuiu apenas de 83% para 80%.

O conflito na Ucrânia reverteu anos de esforços para redução de emissões de gases de efeito estufa e levou à reabertura de minas de carvão.

Gastar com armas o dobro do que destinamos à ação climática é pavimentar o caminho para o apocalipse climático.

Não haverá segurança energética em um mundo conflagrado.

É fundamental combater todas as formas de pobreza energética.

2 bilhões de pessoas não têm acesso a combustíveis adequados para cozinhar.

660 milhões de pessoas dependem de lamparinas ou de geradores a diesel nas periferias das grandes cidades e nas comunidades rurais da América Latina, da África e da Ásia.

200 milhões de crianças frequentam escolas sem acesso à luz elétrica.

Sem energia, também não há conexão digital, hospitais funcionando ou agricultura moderna.

Sem equacionar a injustiça de dívidas externas impagáveis e sem abandonar condicionalidades que discriminam os países em desenvolvimento, andaremos em círculos.

Um processo justo, ordenado e equitativo de afastamento dos combustíveis fósseis demanda o acesso a tecnologias e financiamento para os países do Sul Global.

Há espaço para explorar mecanismos inovadores de troca de dívida por financiamento de iniciativas de mitigação climática e transição energética.

Direcionar parte dos lucros com a exploração de petróleo para transição energética permanece um caminho válido para os países em desenvolvimento.

O Brasil estabelecerá um Fundo dessa natureza para financiar o enfrentamento da mudança do clima e promover justiça climática.

O mundo precisa de um mapa do caminho claro para acabar com essa dependência dos combustíveis fósseis.

É tempo de diversificar nossas matrizes energéticas, ampliar as fontes renováveis e acelerar a produção e o uso de combustíveis sustentáveis.

Isso requer alguns compromissos centrais:

Em primeiro lugar: implementar o acordo de Dubai de triplicar a energia renovável e de dobrar a eficiência energética até 2030.

Em segundo lugar: colocar a eliminação da pobreza energética no centro do debate e incluir metas de cocção limpa e de acesso à eletricidade nos planos climáticos nacionais.

Em terceiro lugar: aderir ao Compromisso de Belém para quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035 e acelerar a descarbonização dos setores mais desafiadores.

Os cientistas já cumpriram seu papel.

Nesta COP, os negociadores devem buscar o entendimento.

E nós, os líderes, devemos decidir se o século XXI será lembrado como o século da catástrofe climática ou como o momento da reconstrução inteligente.

Muito obrigado.”

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