O Equador foi às urnas neste domingo para rejeitar todas as quatro propostas apresentadas pelo presidente Daniel Noboa em seu referendo para alterar a Constituição de 2008. Com quase 14 milhões de eleitores convocados, o resultado representa um revés significativo para o projeto político do mandatário ultraliberal, que buscava redefinir pilares institucionais e abrir caminho para novas alianças geopolíticas. Entenda na TVT News.
A pergunta mais sensível, a autorização para voltar a permitir bases militares estrangeiras no país, foi derrotada por 60,6% dos votantes. A medida, defendida por Noboa sob o argumento de reforçar o combate ao narcotráfico, abriria caminho para acolher instalações militares dos Estados Unidos na costa equatoriana. O resultado põe em pausa o objetivo do presidente de estreitar seu alinhamento com Donald Trump e reposicionar o Equador na estratégia de segurança regional norte-americana.
As demais propostas também foram rejeitadas: a redução do número de parlamentares recebeu 53,4% de votos contrários; o fim do financiamento público a partidos foi barrado por 58%; e a criação de uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Carta Magna obteve a mais ampla rejeição, com 61,6% dos votos.
Constituição do Equador de 2008 segue preservada
A Constituição que Noboa buscava reformar é resultado de um amplo processo participativo durante o governo de Rafael Correa. A Carta de 2008 é considerada pioneira internacionalmente ao consagrar direitos da natureza como entidade viva, incluir o conceito indígena de Buen Vivir e estabelecer garantias sociais robustas, como igualdade de gênero, não discriminação por origem ou orientação sexual, além do direito universal à educação.
Ao reconhecer a derrota, Noboa afirmou que respeitará “a vontade popular expressa nas urnas”. O resultado congela, ao menos por ora, sua tentativa de remodelar o marco constitucional segundo seu ideário ultraliberal e sua agenda econômica, marcada por cortes e privatizações.
Oposição celebra derrota do presidente
Setores da oposição de esquerda celebraram o que definem como um freio popular ao avanço de tendências “autoritárias” e ao projeto de concentração de poderes do governo. Críticos acusam Noboa de desinvestir em áreas sociais essenciais, como saúde, educação e infraestrutura, além de aumentar o IVA sob a justificativa de combater a insegurança — medida que, segundo eles, não produziu resultados.
“O que o Governo tem de fazer é não mentir, não enganar as pessoas”, afirmou Guillermo Churuchumbi, coordenador do movimento indígena Pachakutik, lembrando que Noboa havia prometido em 2023 não elevar o IVA nem o preço dos combustíveis — promessas rapidamente descumpridas.
Para Geovanni Atarihuana, dirigente da Unidad Popular, o resultado mostra que “o povo derrotou uma Constituição à medida de Noboa” e expressa o cansaço com a política econômica do governo. Já o líder sindical dos professores, Andrés Quishpe, afirmou que o pleito funcionou como um verdadeiro plebiscito sobre a gestão presidencial. Segundo ele, a população puniu Noboa porque “as perguntas sobre a Assembleia Constituinte e as bases estrangeiras eram parte do seu projeto político”.
Reeleito, mas enfraquecido
Apesar de ter sido recentemente reeleito, Noboa enfrenta crescentes críticas sobre seu estilo de governo. Em abril deste ano, análises já apontavam que o país caminhava para um “regime autocrático após o ‘triunfo’ de Noboa”, segundo o jornalista César Calero. A derrota agora fragiliza o presidente e amplia o espaço de questionamento sobre seu programa político.
Com a consulta popular concluída e o veto popular às suas mudanças estruturais, Noboa terá de recalibrar sua estratégia para os próximos anos. O referendo deixa claro que, para a maioria dos equatorianos, os pilares da Constituição de 2008 e a rejeição à presença militar estrangeira permanecem intocáveis, e que qualquer tentativa de alterá-los terá de enfrentar resistência nas urnas.
