A Câmara Municipal de Itatiba, no interior de São Paulo, impediu a realização de uma solenidade oficial de homenagem a 15 terreiros de Umbanda, Quimbanda e Candomblé. O ato estava programado para a véspera do Dia da Consciência Negra (19). A avaliação de setores democráticos é de que trata-se de um episódio de racismo institucional e religioso. Entenda na TVT News.
A Mesa Diretora da Câmara, controlada por setores ultraconservadores, afirma que a imputação de racismo é falsa e que foi oferecido outro local para a realização do evento. Eles indicam violação ao Decreto Legislativo nº 08/2024. Contudo, o fato é que este decreto, em seu art. 1º, §2, autoriza “eventos de caráter artístico, científico, cultural, educacional, de lazer ou religioso”, proibindo em seu §4, os “cultos”.
Mas a interpretação jurídica do §5° já excluiria a proibição do parágrafo anterior. Isso porque não se trata de culto, mas sim uma solenidade cultural, abraçada pelo dispositivo legal. “Não se incluem no rol do §4°, alínea “e” do artigo 1° os eventos
culturais que contenham temática religiosa”, afirma o texto do Decreto.
Imposições
Neste contexto, houve comunicação informal sugerindo uma “autorização”, desde que o evento não tivesse atabaques, cânticos ou qualquer expressão cultural das religiões de matriz africana.
A exigência contraria o caráter da solenidade e nunca foi aplicada a nenhuma outra atividade realizada na Casa. Questionado pela reportagem, o vereador considerou a imposição como ato discriminatório e um exemplo de seletividade institucional que recai sobre religiões negras.
Em oposição simbólica, a Câmara de Itatiba chegou a aprovar, neste ano, o “Dia do Conservadorismo”.
Pedido antecipado
A negativa ocorreu após trinta dias sem resposta aos pedidos do mandato do vereador Professor Vinícius Costa (PT), que acusa a Mesa Diretora de discriminação religiosa e violação de procedimentos administrativos. A proposta inicial tentava utilizar o Plenário Vereador Abílio Monte para o evento.
O pedido original foi protocolado em 19 de outubro por meio do ofício nº 03397/2025, após consulta prévia que indicou disponibilidade do espaço. Nenhuma resposta foi emitida pela Câmara nos onze dias seguintes. No dia 31 de outubro, um novo protocolo foi apresentado, nº 03535/2025, reiterando a solicitação sem que houvesse retorno institucional.

Fé e ancestralidade
Após alegações de que o evento seria um “culto”, o gabinete esclareceu que se tratava de uma cerimônia oficial de outorga da honraria Respeito e Fé, destinada a reconhecer o trabalho espiritual, social e comunitário das casas de santo da cidade. Ainda assim, novos documentos foram solicitados, apesar de jamais terem sido exigidos de nenhum outro vereador em situações semelhantes.
Somente no dia 14 de novembro, às 11h58, um processo administrativo foi instaurado para justificar o indeferimento. Segundo o gabinete, esse processo deveria ter sido aberto no dia 21 de outubro, quando o primeiro protocolo foi formalizado. Todos os pareceres anexados foram produzidos no mesmo dia, o que reforça a percepção de que a Câmara atuou para barrar a iniciativa e construir posteriormente uma justificativa burocrática.
“A fé e a ancestralidade que sustentam o povo de santo são maiores que qualquer tentativa de silenciamento. A honraria Respeito e Fé existe para valorizar o trabalho espiritual, social e cultural que os terreiros de Umbanda, Quimbanda e Candomblé realizam todos os dias em Itatiba. É reconhecimento, é dignidade e é reparação”, afirma o vereador.
Dois pesos em Itatiba
A Câmara classificou o evento como “atividade cultural” e vetou integralmente o uso do plenário. A decisão chama atenção porque, embora a Casa não costume realizar homenagens religiosas no plenário, jamais impôs restrições semelhantes a outras iniciativas ou exigiu protocolos adicionais para eventos oficiais de parlamentares.
Enquanto isso, Casas legislativas em todo o país realizam solenidades do mesmo tipo. Na semana anterior, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo promoveu homenagem semelhante em seu plenário principal. O mandato do vereador afirma que a postura da Câmara de Itatiba viola os princípios da administração pública: de impessoalidade, igualdade e liberdade religiosa, configurando racismo institucional, estrutural e religioso.
Adaptação
Com a negativa, o evento será realizado no Largo do Rosário, local histórico de resistência do povo negro em Itatiba, onde pessoas escravizadas e negras livres celebravam sua fé quando eram proibidas de acessar a igreja principal da cidade. O vereador afirma que, embora haja tentativa de silenciamento, a atividade acontecerá em um espaço simbólico e aberto, reforçando o caráter de valorização da ancestralidade e da cultura afro-brasileira.
A solenidade Respeito e Fé está confirmada para o dia 19 de novembro, às 19h, e homenageará quinze terreiros que desempenham trabalho espiritual e social na comunidade itatibense. O mandato estuda representar ao Ministério Público por racismo religioso e abuso de autoridade.
O que diz a Câmara
Em nota, a Mesa Diretora afirma que “A instituição reafirma, de maneira inequívoca, seu compromisso com a legalidade, a transparência e o tratamento isonômico a todos os cidadãos, entidades e gabinetes parlamentares.
Todas as decisões adotadas seguiram rigorosamente o Decreto Legislativo nº 08/2024, norma que regulamenta a cessão e o uso das dependências do Palácio 1º de Novembro, disponível para consulta pública no site oficial da Câmara Municipal (…) Ainda assim, o vereador não acatou as adequações obrigatórias. Mesmo diante dessa recusa, e em respeito ao interesse público, o evento foi autorizado, desde que respeitadas as exigências legais aplicáveis ao Plenário. Além disso, foi disponibilizada ao vereador a alternativa de realizar o evento no Teatro Ralino Zambotto, em 24 de novembro, sem as restrições inerentes ao Plenário, atendendo plenamente ao formato originalmente pretendido.
Infelizmente, um membro da Câmara Municipal, ao proferir declarações falsas, está a comprometer a imagem e a reputação da instituição, em desacordo com os deveres de proteção, cuidado e zelo que lhe são inerentes, na qualidade de representante do Poder Legislativo.
A Câmara Municipal repudia firmemente tais alegações, que não condizem com a realidade e tentam macular a imagem institucional da Casa de Leis e de seus servidores. Em nenhuma das publicações feitas pelo vereador é mencionado que (i) o evento foi autorizado, desde que respeitasse a legislação aplicável; (ii) ocorreram diversas tratativas com os servidores para ajustar o evento dentro da legislação; (iii) foi oferecida alternativa de data e local perfeitamente viável, no Teatro Ralino Zambotto.
Essas omissões induzem deliberadamente o público ao erro e distorcem o trabalho técnico desenvolvido, que sempre foi pautado pela legalidade e pela transparência.”
