Em entrevista à TVT, pastor agredido em vigília convocada por Flávio Bolsonaro relata ataque

Pastor Ismael Lopes, foi agredido na noite de sábado em frente ao condomínio onde vivia o ex-presidente Jair Bolsonaro, agora preso
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Esta captura de tela, extraída de um vídeo da AFPTV, mostra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do senador Flávio Bolsonaro, durante a vigília em Brasília, em 22 de novembro de 2025, atacando o pastor Ismael Lopes, que fez discurso a favor a prisão de Bolsonaro. Imagem: JOSE OSORIO / AFPTV / AFP

Leia a entrevista exclusiva do pastor Ismael Lopes, coordenador nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. O pastor Ismael Lopes foi agredido na noite de sábado, durante a vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro, em frente ao condomínio onde vivia o ex-presidente Jair Bolsonaro, agora preso. Após fazer um discurso crítico ao ex-chefe do Executivo, Ismael foi cercado, empurrado, jogado ao chão e chutado por manifestantes presentes no ato. Ainda no sábado, ele procurou o Instituto Médico Legal para realizar exame de corpo de delito. 

O pastor concedeu entrevista à jornalista Talita Galli, apresentadora do TVT News Primeira Edição, na qual relatou como conseguiu pegar o microfone no evento e descreveu tanto a violência sofrida quanto o cenário político-religioso que, segundo ele, explica o episódio. A entrevista, feita ao vivo, também evidenciou o impacto da fala inesperada e o debate sobre a disputa em curso dentro do campo evangélico no Brasil.

O pastor concedeu entrevista à jornalista Talita Galli, apresentadora do TVT News Primeira Edição
O pastor concedeu entrevista à jornalista Talita Galli, apresentadora do TVT News Primeira Edição

“Fui tomado por uma indignação muito forte”

Segundo Ismael, sua intenção inicial era apenas “fazer um vídeo no local” e acompanhar a vigília convocada por Flávio Bolsonaro. Mas um espaço inesperado na programação gerou a oportunidade.

Eu não havia planejado pedir a fala. Mas surgiu a possibilidade porque abriu um vácuo na programação deles, um pastor faltou. […] Após ouvir a primeira pregação, fui tomado de uma indignação bem forte”, contou. Ele então pediu ao responsável pela segurança para se inscrever, foi orientado a falar diretamente com o senador e fez o pedido pessoalmente. Logo depois, diante da ausência do pastor originalmente escalado, Flávio Bolsonaro chamou Ismael ao microfone.

A fala, baseada em Eclesiastes 10:1-8, continha críticas diretas ao ex-presidente. “Apontei diretamente um dos maiores abridores de cova da história recente do nosso país”, afirmou.

O discurso provocou choque entre os presentes. A apresentadora Talita Galli destacou durante a entrevista: “Eles ficaram atônitos. Teve que vir um cara para puxar o microfone. Se ele não tivesse vindo, as pessoas iam ficar paradas ali, pasmas”.

“Eles não esperavam que alguém tivesse coragem”

O pastor descreveu o momento da fala e a reação hostil que se seguiu. “Eles não esperavam que se levantasse alguém com coragem, porque eles submetem as nossas ações ao medo”, disse. Segundo ele, o campo evangélico progressista é minoritário e vive há anos sob ameaça — institucional, moral e física.

O campo mais extremado à direita é muito violento”, afirmou. “A massa evangélica não é homogênea. O que acontece é que o fascismo é um movimento de massas. A minha tiazinha do círculo de oração não é fascista, mas é levada por um movimento que arrasta pessoas diversas.”

Ismael acredita que sua fala pública representou exatamente o rompimento com esse medo: “Confesso que tem uma satisfação pessoal de ter dito aquilo na cara do Flávio.

Agressões e mensagens ao pastor

Após deixar o palco, Ismael foi cercado e agredido. No entanto, ele relata que a reação posterior nas redes foi majoritariamente positiva.

A maior parte das mensagens foram de apoio, de incentivo. Muita gente dizendo que eu falei o que elas queriam falar, que eu lavei a alma — e eu digo que lavei a minha também”, relatou.

Ele afirmou ter perdido amigos e irmãos de fé durante a pandemia “por conta de uma ação, na melhor das hipóteses, irresponsável do governo à época”, o que acentuou sua motivação.

Mesmo entre pessoas simpáticas à direita, o episódio despertou diálogo: “Tem chegado mensagens de gente curiosa, com quem estou conseguindo conversar, tirar dúvidas. […] Quando falamos de classe trabalhadora, chegamos muitas vezes a pontos em comum.

Houve também ataques e ameaças religiosas abstratas, segundo ele, mas tratadas como minoria.

“O campo evangélico não é homogêneo”

A entrevista ganhou amplitude quando os participantes do programa, como a comentarista Laura Sabino e o jornalista Carlito Neto, refletiram sobre a divisão interna do campo evangélico e o impacto do bolsonarismo sobre as igrejas.

Ismael destacou a heterogeneidade do segmento: “Existe diversidade dentro do povo evangélico. Nosso campo é minoritário, mas sempre existiu. O problema é que sempre estivemos submetidos ao medo.

Segundo ele, a extrema direita tenta reduzir o evangélico a uma única identidade — religiosa e política — como estratégia de sobrevivência: “Eles querem que a população evangélica se entenda só como evangélica e nada mais. O crente não teria raça, gênero, classe social. Só crente. Não sobrou mais nada para esse campo, então eles apelam para isso.

Ele cita como sintoma a brusca tentativa de Flávio Bolsonaro de se apresentar como figura religiosa: “Ele nunca apareceu como crente, embora fosse batista. De repente, começa a apelar para esse discurso.

“Eles é que têm que sentir vergonha”

Questionado sobre o futuro do bolsonarismo dentro da fé evangélica, o pastor foi direto:

Essa corrente vai sempre existir, como sempre existiu. O nosso trabalho é fazer com que ela se encolha cada vez mais. Eles é que têm que sentir medo e vergonha disso, e não falar publicamente como vêm fazendo.

Para ele, o ataque físico que sofreu não é uma exceção, mas parte de um clima de violência que precisa ser denunciado. E a resposta, acredita, é ocupar os espaços religiosos com coragem e diálogo.

Eu acho que eles não esperavam que alguém se levantasse com coragem, porque é isso: eles submetem nossas ações ao medo.”

A entrevista terminou com Ismael reafirmando disposição para continuar o trabalho e agradecendo o apoio recebido: “Paz e bem a todos e todas.”

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