R$ 4,4 bilhões a menos. Os impactos das renúncias de Tarcísio para a cidade de São Paulo em 2026

O Orçamento de 2026 em SP prevê diversas renúncias fiscais, dinheiro que deixará de entrar nos cofres públicos. R$ 372 por paulistano. Entenda
As renúncias previstas incluem R$ 3,44 bilhões de ICMS e R$ 988 milhões de IPVA. Foto: Wikicommons
As renúncias previstas incluem R$ 3,44 bilhões de ICMS e R$ 988 milhões de IPVA. Foto: Wikicommons

A cidade de São Paulo, com 11,9 milhões de habitantes, enfrenta desafios fiscais 2026: a previsão de R$ 4,43 bilhões em renúncias fiscais estaduais proposta pelo governador carioca bolsonarista, Tarcísio de Freitas. As isenções para empresas estão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do Estado, de autoria do Executivo. As medidas podem impactar a capacidade de investimento e execução de políticas públicas municipais. O montante representa cerca de 3,5% do orçamento municipal de 2025, que foi de R$ 125,7 bilhões, ou R$ 372 retirados de cada munícipe. Saiba tudo na TVT News.

As renúncias previstas incluem R$ 3,44 bilhões de ICMS e R$ 988 milhões de IPVA, tributos estaduais cuja arrecadação é parcialmente compartilhada com os municípios ou influencia a capacidade do Estado de financiar obras e repasses constitucionais. Entre 2026 e 2028, a estimativa total das renúncias chega a R$ 14,1 bilhões, o que reforça as preocupações de especialistas e parlamentares, particularmente os de oposição ao governo Tarcísio. Em âmbito estadual, as renúncias passam de R$ 70 bilhões.

Metade dos investimentos

Para efeito de comparação, em 2022, a prefeitura investiu cerca de R$ 8,88 bilhões em políticas públicas (habitação, saúde, educação, periferia, urbanismo etc.). Logo, os R$ 4,43 bilhões equivalem a metade desse volume anual de investimentos públicos recentes. Em 2025, este orçamento geral projetado foi de R$ 17,1 bilhões.

Entre áreas que perdem poder de investimento, é possível citar: melhorias de drenagem, saneamento e manejo de águas pluviais (redução de enchentes e alagamentos); reformas e construção de habitação digna; investimento em transporte sustentável e mobilidade urbana; políticas de inclusão social, com atenção especial a gênero, raça e vulnerabilidade, integrando habitação, emprego, saúde, educação.

Quem perde e quem ganha?

As renúncias fiscais são geralmente concedidas como incentivos a setores específicos da economia. É um exercício da chamada “extrafiscalidade”. Trata-se de um instrumento jurídico que utiliza isenções e anistias como forma de influenciar na economia. A ideia geral é estimular investimento e controlar a economia. Alguns impostos possuem natureza claramente extrafiscal. É o caso do Imposto Sobre Produto Industrializado (IPI), que o governo utiliza para estimular ou frear o consumo.

No caso de São Paulo, especialistas alertam que parte dessas renúncias beneficia grandes empresas, enquanto a cidade deixa de arrecadar recursos que poderiam financiar serviços essenciais. Serviços, estes, que são essenciais para a sobrevivência, particularmente de grupos mais vulneráveis.

R$ 372 por habitante

O cálculo é simples. R$ 3,44 bilhões de ICMS renunciados em 2026 equivalem a aproximadamente R$ 289 por habitante da cidade, considerando a população estimada de 11,9 milhões. Já em IPVA, o montante seria de R$ 83. O IPVA, imposto sobre veículos, ainda possui um apelo maior: a sustentabilidade. Veículos elétricos gozarão do benefício no ano que vem.

Contudo, a grande massa das isenções virá do ICMS, um imposto sobre a circulação de bens e serviços. É dinheiro que poderia ser destinado, por exemplo, à construção de creches, à manutenção de unidades de saúde ou à melhoria da infraestrutura urbana.

“Essas renúncias deveriam ser revistas, para que o governo pudesse garantir mais investimento em políticas públicas. Quando a gente tira de um lado, falta do outro”, defende deputado Luiz Cláudio Marcolino (PT), vice-presidente da Comissão de Orçamento da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Transferências federais

Parte do orçamento da cidade depende de transferências federais, que financiam políticas sociais e serviços essenciais. Em 2024, a cidade receberá repasses de programas como:

  • Bolsa Família/Novo Bolsa Família: R$ 5,005 bilhões para 695.582 famílias;
  • Farmácia Popular: R$ 4,93 bilhões para 1.130.000 pessoas;
  • Piso da Atenção Primária à Saúde (APS): R$ 201 bilhões;
  • Mais Médicos: R$ 1,11 bilhão;
  • Minha Casa Minha Vida: R$ 16,3 bilhões.

O total de beneficiários de programas federais na cidade soma 1,26 milhão de pessoas, com montante total de R$ 1,027 trilhão, número que inclui benefícios federais estruturais e programas de transferência direta. Ou seja, o Governo Federal segue com repasses vultuosos enquanto o governo estadual adota renúncias recordes.

Se as renúncias fiscais estaduais reduzirem a capacidade do Estado de manter repasses, convênios e obras, o impacto recai sobre o município, que precisaria realocar recursos próprios ou cortar investimentos, afetando especialmente a saúde, a educação e a assistência social.

O cenário econômico

São Paulo concentra 95% da sua economia no setor industrial e 83,2% em serviços, enquanto a agropecuária responde por apenas 1% do PIB. A cidade possui 2,3 milhões de empresas ativas e gera mais de 4,9 milhões de empregos formais, com destaque para serviços (saldo de 672 mil vagas) e comércio (185 mil vagas). A lógica do incentivo fiscal, portanto, é frequentemente apresentada como ferramenta para estimular a indústria e manter a competitividade, mas o efeito líquido sobre empregos locais ainda é questionável.

Além disso, a cidade exporta cerca de US$ 5,2 bilhões em produtos. Isso reforça a tese de que incentivos fiscais podem ter efeito mais restrito ao comércio externo e grandes empresas, enquanto a população local pode sentir a falta de investimentos municipais em áreas essenciais.

Renúncias e o orçamento municipal

O orçamento da administração direta da cidade de São Paulo em 2025 foi de R$ 106 bilhões, enquanto a administração indireta soma R$ 19,7 bilhões, totalizando R$ 125,7 bilhões. As renúncias de ICMS e IPVA de 2026 equivalem, portanto, a cerca de 3,5% do orçamento total da cidade, percentual relevante se comparado a despesas estratégicas como saúde, educação e infraestrutura urbana.

O impacto é especialmente preocupante em políticas que dependem de contrapartida municipal para execução de programas estaduais ou federais. Obras públicas, parcerias com universidades e entidades sociais, e manutenção de unidades de saúde podem sofrer ajustes caso o volume de renúncias prejudique a capacidade do município de investir.

Fiscalização e transparência

O Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) já questionou renúncias fiscais bilionárias em exercícios anteriores, alertando para a necessidade de transparência, avaliação de retorno social e monitoramento do impacto econômico. Um dos grandes desafios é acompanhar se os incentivos realmente geram emprego e investimento, ou se apenas transferem receita do Estado para grandes empresas, muitas vezes que financiam campanhas eleitorais.

Olhando para 2026

A cidade de São Paulo, com densidade populacional de 7.826 hab/km² e crescimento anual médio de 1,3%, enfrenta o desafio de equilibrar incentivos à economia e sustentabilidade fiscal. Com R$ 4,43 bilhões em renúncias previstas e uma cidade que depende de transferências federais para sustentar políticas sociais e de saúde, o poder público terá que avaliar riscos, priorizar investimentos e oferecer mais transparência sobre quem se beneficia dessas renúncias.

Reportagem: Gabriel Valery e Dayane Ponte, da TVT News

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