STF forma maioria contra marco temporal

O STF formou maioria para declarar inconstitucional a tese ruralista do marco temporal para a demarcação de terras indígenas
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Em seu voto, Gilmar Mendes classificou a Lei do Marco Temporal como desproporcional e geradora de insegurança Foto: Leandro Ciuffo/Wikimedia Commons

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quarta-feira (17), para declarar inconstitucional o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Em julgamento no plenário virtual, a Corte analisa quatro ações que questionam a Lei do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso Nacional em 2023. Os ministros que ainda não registraram voto têm até as 23h59 desta quinta-feira (18) para se manifestar. Entenda na TVT News.

Relator das ações, o ministro Gilmar Mendes foi o primeiro a votar e sustentou que o dispositivo da lei que define como terras tradicionalmente indígenas apenas aquelas ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, viola entendimento já consolidado pelo próprio STF e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Segundo o relator, antes mesmo da aprovação da lei pelo Legislativo, o Supremo já havia decidido, em 2023, que o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais independe da comprovação de ocupação em um marco temporal fixo. Com base nesse precedente, a maioria dos ministros entendeu que a norma aprovada pela Câmara e pelo Senado é incompatível com a Constituição.

Em seu voto, Gilmar Mendes classificou a Lei do Marco Temporal como desproporcional e geradora de insegurança jurídica, ao impor, de forma retroativa, um critério que exige das comunidades indígenas provas praticamente impossíveis de ocupação tradicional. Para o ministro, a exigência atinge de maneira ainda mais severa povos que não dispõem de documentação formal, agravando a vulnerabilidade histórica dessas populações.

O relator também apontou a existência de uma omissão inconstitucional do Estado brasileiro e defendeu que a União seja obrigada a concluir, no prazo máximo de dez anos, todos os processos de demarcação de terras indígenas atualmente em andamento. Ele lembrou que a própria Constituição de 1988 previa um prazo de cinco anos para a conclusão dessas demarcações, o que não foi cumprido e se arrasta há décadas.

Outro ponto considerado inconstitucional pelo ministro foi a proibição de ampliação de terras indígenas já demarcadas. Para Gilmar Mendes, a Constituição assegura a possibilidade de revisão de atos administrativos, inclusive quando se comprova erro ou insuficiência na delimitação original. Esse entendimento também foi acompanhado pela maioria dos ministros.

Congresso e o marco temporal

O julgamento no STF ocorre em meio a uma ofensiva do Congresso Nacional para tentar consolidar o marco temporal por meio de uma alteração constitucional. Na última semana, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que fixa expressamente o marco temporal na data da promulgação da Constituição de 1988.

O texto ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados e, caso seja aprovado, será promulgado pelo Congresso, sem necessidade de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A iniciativa é vista como uma estratégia do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para dificultar uma eventual derrubada da tese do marco temporal pelo Supremo.

Diferentemente de uma lei ordinária — como a aprovada em 2023 e agora sob julgamento —, uma emenda constitucional só pode ser invalidada pelo STF se violar as chamadas cláusulas pétreas, que protegem direitos e garantias fundamentais, a separação dos Poderes e outros princípios estruturantes da Constituição.

Se a PEC avançar na Câmara e for promulgada, o Supremo deverá ser novamente provocado a analisar sua constitucionalidade. Nesse cenário, a Corte poderá ser chamada a decidir se o direito originário dos povos indígenas às suas terras tradicionais se enquadra como cláusula pétrea, o que reabriria o debate jurídico mesmo após a decisão formada nesta semana.

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