A Tempestade em Santa Catarina

O erro de cálculo: política não se importa com CEP, mas o eleitor sim
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O bolsonarismo em Santa Catarina não está em colapso. Mas está em alerta máximo. Imagem gerada por IA

Artigo do estrategista de marketing político Nilson Hashizumi

A Tempestade em Santa Catarina: Quando a Narrativa se Torna Território de Guerra

Por Nilson Hashizumi

Há momentos na política em que os fatos importam menos que a forma como são narrados. E há momentos em que a própria narrativa se torna o campo de batalha, delimitando aliados, criando fraturas, fabricando heróis e produzindo ruínas. Santa Catarina, tradicional bastião da direita brasileira e, especialmente, do bolsonarismo raiz, vive hoje uma dessas tempestades perfeitas — silenciosa por fora, ensurdecedora por dentro.

A decisão de Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro e figura emblemática do núcleo duro bolsonarista, de disputar uma das vagas ao Senado por Santa Catarina, caiu como um raio no céu que, à primeira vista, parecia azul e pacificado. Mas a política raramente deixa o céu limpo por muito tempo. E, quando deixa, é porque alguém está empurrando nuvens para fora do quadro.

A crise que se instala não é apenas eleitoral. É simbólica. E, sobretudo, narrativa.


A disputa que ninguém queria — mas todos previam

Nos bastidores, já se sabia que Santa Catarina vivia uma dança sensível de interesses. De um lado, a deputada federal Caroline de Toni, uma das vozes mais alinhadas à extrema direita no Congresso e nome que vinha sendo preparado, com traços quase messiânicos, para disputar uma das vagas ao Senado.

De outro, o governador Jorginho Mello, também aliado histórico da família Bolsonaro, que tentará a reeleição em 2026 e depende de uma base unificada, disciplinada e mobilizável — virtudes que sempre foram a marca do bolsonarismo catarinense.

No meio desse xadrez, a entrada de Carlos Bolsonaro é um terremoto. Um daqueles que não apenas muda o cenário; muda o mapa. De Toni perde espaço. O governador perde previsibilidade. E o próprio bolsonarismo perde, pela primeira vez, aquilo que sempre vendeu como uma marca de autenticidade e força: a unidade.

Quando a marca é unidade e o produto é divisão, o mercado inteiro sente o choque.


O erro de cálculo: política não se importa com CEP, mas o eleitor sim

Carlos Bolsonaro parte de uma premissa arriscada: a de que basta carregar o sobrenome para deslocar eleitores, redefinir lealdades e impor rearranjos. O sobrenome pesa, é verdade. Mas sobrenomes não concorrem sozinhos; eles entram no jogo acompanhados por percepções, memórias, expectativas e, principalmente, pelas narrativas construídas nos territórios.

Santa Catarina não é terra virgem no bolsonarismo. É o epicentro emocional do fenômeno. E todo epicentro tem donos, mediadores, influenciadores, caciques e guardiões simbólicos.

Para um eleitor fiel — o mais fiel do Brasil, segundo todas as métricas eleitorais de 2018 e 2022 — a vinda de Carlos não é necessariamente uma bênção. Pode soar como intervenção, interferência, até invasão. Isso mexe com identidades locais e com a autodeterminação do bolsonarismo catarinense, que sempre se orgulhou de ser mais “bolsonarista” que o próprio Rio de Janeiro.


A comunicação política como lente: quem controla a narrativa controla a crise

Toda crise política é, no fundo, uma crise de narrativa. Não é sobre quem tem razão — é sobre quem consegue dizer, de forma mais eficaz, que tem razão.

Neste momento, três narrativas competem entre si:

  1. A narrativa da continuidade: Carlos Bolsonaro seria a garantia de que o “projeto original” permanece vivo e conectado ao núcleo da família. É a defesa natural do clã.
  2. A narrativa da traição velada: defender a vaga de Caroline de Toni e proteger o espaço eleitoral catarinense como patrimônio local, ameaçado pela entrada de um “forasteiro ilustre”.
  3. A narrativa do risco ao governador: setores próximos a Jorginho Mello veem a movimentação como desestabilizadora e potencialmente perigosa para sua reeleição — uma equação clássica do tipo “vai sobrar para mim”.

O problema? As três narrativas são fortes, estruturadas, e falam com públicos que se sobrepõem. Isso gera uma crise de coerência interna, que nenhum marqueteiro tem como eliminar por completo — somente mitigar.


Quando o mercado político racha, o eleitor escuta o som

Um dos princípios centrais do marketing político é simples: não há ruptura sem cheiro de oportunidade.

No caso catarinense, porém, o cheiro é de pólvora.

Quando líderes que sempre caminharam juntos começam a se acusar, mesmo que indiretamente, o eleitor percebe. E, quando percebe, começa a fazer perguntas. Quando não encontra respostas coerentes, começa a duvidar. E quando começa a duvidar, muda de comportamento.

A base de apoio que elegeu Bolsonaro com margens recordes em Santa Catarina é muito fiel, mas não é imune a conflitos internos. A fidelidade funciona como cola — até que alguém aqueça demais o ambiente.

E a entrada de Carlos aqueceu.


O risco real: a desmobilização silenciosa

Nem sempre crises explodem na superfície. Às vezes, o maior risco está na erosão lenta, quase invisível, da militância, do engajamento e da disposição para briga.

Se a base sentir que há mais disputa interna do que adversário externo, a tendência é esfriar, esperar, retroceder. E um eleitor esfriado não se reaquece com slogans.

O que mantém grupos mobilizados é a percepção de projeto comum. Quando o projeto perde clareza ou ganha múltiplos donos, o motor começa a falhar.


A verdadeira lição para o marketing político

O caso de Santa Catarina ensina algo essencial: marca política não é patrimônio hereditário. Ela precisa de coerência, de alinhamento e, principalmente, de pertencimento territorial.

Carlos Bolsonaro aposta no prestígio nacional — mas Santa Catarina responde com identidade regional.

Caroline de Toni aposta na narrativa da legítima representante catarinense — mas enfrenta o peso simbólico da família Bolsonaro.

Jorginho Mello aposta na estabilidade do seu ciclo de governo — mas vê sua base balançar antes mesmo do ano eleitoral começar.

Nenhum deles está completamente errado. Nenhum está completamente certo. Mas todos subestimam o poder da narrativa que desenha limites, fronteiras e sentidos.

Quando a comunicação falha, o conflito cresce. Quando o conflito cresce, a marca fragmenta. Quando a marca fragmenta, o eleitor se dispersa.

E dispersão, em política, é derrota antecipada.


Conclusão: a alcateia sente o cheiro da fumaça antes do incêndio

O bolsonarismo em Santa Catarina não está em colapso. Mas está em alerta máximo. E, como toda alcateia, quando os líderes disputam território, os lobos param para observar — e decidir a quem seguir.

A candidatura de Carlos Bolsonaro ao Senado por Santa Catarina é mais do que uma jogada eleitoral. É um teste de força interna, de controle de narrativa e de identidade regional.

Se o movimento vai unificar ou rachar, ainda não sabemos. Mas uma coisa é certa: a crise já contaminou o ar. E, na política, quando o ar contamina, ninguém respira como antes.

Santa Catarina entrou no centro do furacão. E o furacão, como sempre, começa pela narrativa.

Sobre o autor

NILSON HASHIZUMI

Nilson Hashizumi é estrategista de marketing político e corporativo, jornalista, fotógrafo, gestor de cultura e preparador de candidatos, grupos e agremiações políticas, com MBA em Comunicação Governamental e Marketing Político. Co-fundador da Alcateia Política, orientou, coordenou e defendeu candidatos majoritários em São Paulo e Pará e candidatos proporcionais em São Paulo e Minas Gerais.

Orientado a resultados, trabalha com visão de processos na gestão da comunicação on e off-line para a construção de reputação, imagem e formação de opinião. Atuou por mais de 30 anos na iniciativa privada, organizações da sociedade civil e entidades de classe antes de atuar em favor de entes políticos. Associado ao CAMP.


Os artigos dos colunistas expressam as opiniões individuais da autora ou do autor e não refletem a opinião da TVT News

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