Ailton Krenak foi o convidado da edição de hoje do programa TVT News 1ª Edição. Foto: Vitória Machado
No mesmo dia da abertura da exposição Men am-ním Ailton Krenak no Itaú Cultural, em São Paulo, o filósofo e líder indígena Ailton Krenak deu uma entrevista exclusiva ao jornal TVT News 1ª Edição. Na conversa, que foi além da mostra e mergulhou em temas de sua trajetória e ativismo, Krenak fez duras críticas ao lento processo da demarcação das terras indígenas, ao marco temporal e à banalização da anistia. Saiba os detalhes na TVT News.
A exposição, que começou nesta quinta-feira (4), é descrita por Krenak como uma forma de “oferecer visões, ideias sobre o mundo e o tempo que estamos vivendo”, além de ser uma homenagem aos que o antecederam. A mostra recuperou desenhos, pinturas e artefatos que foram elaborados e até presenteados por ele ao longo da vida. Para ele, a Ocupação também é uma convocação à comunidade para que se unam para superar as “difíceis barreiras” do mundo contemporâneo.
“Fico em paz por saber que o rastro que eu deixei não envergonha a mim mesmo”
O filósofo abordou a ideia de que o mundo vive o Antropoceno, a era da intervenção humana no planeta. Ele criticou a tecnologia, que, em vez de ser uma conquista para todos, se tornou uma “esperteza de alguns”, concentrando poder, especialmente no campo da comunicação. Ele alertou que, para vivermos em harmonia, é preciso “pisar suavemente na terra”, a fim de garantir um futuro onde a água e o ar não se tornem escassos.
Em outro momento, Krenak comentou a privatização da empresa de saneamento básico de São Paulo, a Sabesp. O autor defendeu que nenhuma autoridade tem o direito de transformar um bem comum em mercadoria e que os cidadãos paulistas deveriam se levantar criticamente contra a privatização desse recurso vital.
O filósofo fez um apelo para que as pessoas “parem de colocar gente medíocre para decidir” sobre temas tão importantes quanto a água, o ar e a comida, que deveriam ser uma “garantia universal”.
”A água e o ar não podem ser pervertidos por uma ideia de mercado. Essa ideia de um mercado soberano, que justifica qualquer barbárie, é o que inspira gente medíocre. As pessoas precisam ficar espertas e parar de colocar gente medíocre para decidir coisas importantes, como a água”, criticou.
Momento atual do Brasil
Ao comentar a situação atual do país, Krenak demonstrou ter “uma mistura de expectativa e um certo contentamento”. Citando a Lei da Anistia, que perdoou todos os crimes políticos cometidos durante o período da ditadura militar no Brasil, desde os atos praticados por militantes que lutavam pela derrubada do regime aos executados por agentes do Estado que reprimia e torturava cidadãos inocentes, Ailton considera que a anistia foi banalizada. “A gente já brincou de anistia ampla e irrestrita, agora esse papo furado está sendo questionado”, ressaltou.
“Tem uma lista de pessoas que já passou da hora de serem limitados no exercício da cidadania porque não são capazes de respeitar os princípios da igualdade, da normalidade. Abusam o tempo inteiro do poder e estimulam que outros façam o mesmo. É escandaloso alguém que tenha tido o privilégio de um mandato de governador, senador ou presidente, abuse do poder e depois reclame por anistia”, destacou.
Ailton Krenak no estúdio do TVT News. Foto: Vitória Machado
Demarcação de terras e o “marco temporal”
Krenak também não poupou críticas ao Estado brasileiro. Ele afirmou que a demarcação das terras indígenas tem sido “empurrada com a barriga” desde a Constituição de 1988. O líder indígena chamou o marco temporal das terras indígenas de “oportunismo da direita” e “malandragem”, e reforçou a inconstitucionalidade da tese.
“O marco temporal sugere que os indígenas que não estavam naquelas terras quando promulgamos a Constituição, não podem ser demarcadas. É um discurso totalmente inconstitucional, não tem nenhum apoio jurídico, é uma malandragem, que continua prevalecendo mesmo diante do que a Constituição estabelece”, enfatizou.
O autor sugeriu ainda que o presidente Lula possui poder soberano para declarar a demarcação de todas as terras indígenas brasileiras, mas ainda não o fez. ”Um Presidente da República, pela nossa Constituição, pode declarar que todas as terras indígenas estão reconhecidas e a demarcação, ele pode passar para qualquer instituição competente. Mas a declaração do Presidente da República é um ato que o presidente pode fazer de boa vontade, ninguém vai limitar o poder dele de fazer isso”, explicou.
Krenak frisou que quando Lula subiu a rampa do Planalto, no momento de sua posse, junto do Cacique Raoni, o presidente deveria ter declarado que todas as terras indígenas são reconhecidas e invioláveis, punindo quem desrespeitasse esse princípio. “Um Presidente da República tem poder para isso, mas fica parecendo que para poder demarcar, precisa contratar alguma palhaçada. É uma vontade política. Lula já poderia ter feito isso”.
O convidado relembrou uma fala do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, a Lula, antes de iniciar seu terceiro mandato. “Ele falou para Lula: o senhor vai governar agora depois de ter sofrido tanta injustiça, então haja de maneira soberana. Acho que ele estava dizendo pra Lula, exercite seu poder sem ficar com dúvidas.”
A exposição “Ocupação Ailton Krenak”, que fica em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, levará aos visitantes um universo de reflexões sobre a vida, o meio ambiente e o futuro, seguindo a filosofia e o ativismo de um dos maiores pensadores indígenas do Brasil.