O diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, resume o espírito da celebração que será realizada neste sábado (25), às 19h, na Catedral da Sé, em São Paulo. “Queremos transformar esse ato em um gesto de coragem e reafirmar que nunca mais aceitaremos qualquer movimento autoritário no país.” O evento marca os 50 anos da morte de Vladimir Herzog, brutalmente assassinado nas dependências do DOI-CODI, em 25 de outubro de 1975, e revive o ato inter-religioso que, à época, se tornou um símbolo de resistência à ditadura militar e um marco na luta pela redemocratização do Brasil. Leia em TVT News.
Em entrevista ao Jornal TVT News Primeira Edição, Sottili explicou que a recriação do ato busca homenagear não apenas o jornalista, mas todas as vítimas do regime e os familiares que nunca deixaram de lutar por memória, verdade e justiça. “Aquele ato de 1975 foi moldado pela coragem. A coragem de Dom Paulo Evaristo Arns, de Henry Sobel, de James Wright e de Audálio Dantas. Cada um enfrentou o medo, as ameaças e a repressão para dizer não à ditadura. E é essa mesma coragem que queremos reafirmar agora, meio século depois”, afirmou.
Segundo ele, o evento deste sábado contará novamente com a presença de representantes das diferentes tradições religiosas — católica, presbiteriana e judaica — que lideraram a cerimônia original. “Será um ato político, cultural e espiritual, conduzido pelas lideranças dessas igrejas e por artistas convidados. Um ato de fé e de memória, mas também de compromisso com a democracia”, disse Sottili.
Entre os nomes confirmados, estão Fernanda Montenegro, Cida Moreira e o Coral Luther King, com direção artística de Cibele Forjaz. O público é convidado a vestir roupas brancas e levar flores, “em sinal de paz e esperança”, destacou o diretor.
“Um divisor de águas”
O primeiro ato inter-religioso, realizado em 31 de outubro de 1975, poucos dias após a morte de Herzog, reuniu mais de oito mil pessoas na Sé e foi o primeiro grande ato público contra a ditadura. Naquele momento, o país vivia sob censura, repressão e medo — e a multidão que ocupou a catedral representou um grito coletivo por liberdade.
Para Laura Capriglione, comentarista do Jornal TVT News, o impacto daquela celebração foi profundo e duradouro. “Eu era estudante naquela época e lembro bem da força que aquilo teve. A morte do Herzog eletrificou a sociedade. Era um tempo de tragédias e de desaparecimentos, e, de repente, aquele ato mostrou que havia um limite, que o país não aceitaria mais o terror do Estado”, recordou.
Laura relembrou também o papel fundamental do rabino Henry Sobel, que enfrentou resistência dentro da própria comunidade judaica ao se recusar a enterrar Herzog como suicida — versão forjada pela ditadura. “Ele teve uma coragem moral impressionante. Enfrentou os militares e afirmou: ‘Herzog não se suicidou, foi assassinado’. Isso, naquele contexto, era um gesto de heroísmo”, contou.
A jornalista lembrou ainda o peso simbólico das palavras de Dom Paulo Evaristo Arns, que, durante o ato de 1975, amaldiçoou publicamente os torturadores. “A autoridade moral de Dom Paulo era tão grande que, segundo relatos, o medo se espalhou entre os próprios agentes do DOPS e do DOI-CODI. Eles sabiam que aquela palavra tinha poder. Aquilo mexeu com o país inteiro.”
“Trazer o jornalismo como símbolo de resistência”
Para o comentarista Eduardo Castro, o ato de 1975 e a sua reedição agora em 2025 também reafirmam a importância do jornalismo livre e independente. “O assassinato de Herzog foi o retrato de um governo covarde que tentava silenciar a verdade. Resgatar esse ato é lembrar o papel do jornalismo na defesa da democracia. É dizer que não vamos permitir que a história se repita.”
Castro lembrou que o jornalista foi alvo de uma campanha de difamação antes de ser morto. “Ele era acusado de comunista, de subversivo, com base em mentiras plantadas pela ditadura — um método que lembra muito as fake news usadas hoje contra jornalistas e comunicadores públicos”, observou.
O comentarista ressaltou ainda o caráter coletivo do movimento que nasceu a partir do ato da Sé: “Não foi apenas por Herzog. Foi por todos os presos, torturados e desaparecidos. Foi por Audálio Dantas e pelo Sindicato dos Jornalistas, que tiveram coragem de enfrentar o regime. E é por todos eles que essa lembrança é tão necessária”.
“Um ato para as novas gerações”
Sottili destacou que, além de relembrar o passado, o ato pretende dialogar com o presente e o futuro. “Vivemos um momento em que as instituições ainda são ameaçadas, mas, pela primeira vez, vemos uma reação firme contra o autoritarismo. Generais e ex-presidentes estão sendo responsabilizados. É uma chance de fazer o que não conseguimos no passado: enfrentar a impunidade de quem comete crimes contra a democracia”, disse.
Ele reforçou que o evento é também uma homenagem aos familiares que seguem lutando por justiça. “Clarice Herzog costumava dizer que não se tratava apenas da morte do Vlado, mas da morte de muitos. Amanhã, queremos lembrar todos os que tombaram e também os que continuam de pé, defendendo a verdade.”
Ao final da entrevista, Sottili fez um convite à população: “Queremos lotar a Catedral da Sé. Que cada pessoa vá de branco, leve sua flor e seu compromisso com a democracia. Que este seja um novo divisor de águas, como foi em 1975.”
