Áudios mostram aliados de Bolsonaro tramando plano de golpe 

Gravações mostram militares de alta patente planejando ataque de 8 de janeiro de 2023
áudios-mostram-aliados-de-bolsonaro-tramando-plano-de-golpe-bolsonaro-com-o-almirante-almir-garnier-santos-e-o-ex-ministro-da-defesa-paulo-sergio-nogueira-marcelo-camargo-agencia-brasil-tvt-news
Bolsonaro com o Almirante Almir Garnier Santos e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Áudios revelados pelo programa Fantástico, da TV Globo, no último domingo (23), expõem os bastidores do plano golpista que pretendia destituir o presidente eleito em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva, para manter Jair Bolsonaro no poder. Veja detalhes em TVT News

Áudios golpistas

As gravações são mais uma prova de que militares de alto escalão e membros do governo Bolsonaro tramaram cada passo, desde o decreto golpista que deveria ser assinado pelo então presidente, a ataques de vândalos bolsonaristas aos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Com 1200 equipamentos eletrônicos apreendidos com envolvidos na tentativa de golpe, a Polícia Federal (PF) formou uma força tarefa para investigar mais de 200 milhões de mensagens de áudio e vídeo, que dão mais informações de como o golpe foi planejado. De acordo com a PF, a estratégia dos militares era manter as manifestações nas ruas e a contestação do resultado das eleições.  

Em áudio enviado pelo general Mario Fernandes, o militar reforça a um suposto kid preto, a existência do decreto golpista: “Kid preto, o decreto é real. Foi despachado ontem com o presidente”.

Em outro diálogo, o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, então lotado no Comando de Operações Terrestres do Exército (COTER), confirma a relação entre militares e civis que acampavam na frente dos Quartéis Generais do Exército: “Se tu tiver alguma possibilidade de influenciar alguém dos movimentos, eu tô tentando plantar isso nas redes, onde eles estão. Tô participando de vários grupos civis”. Ele também diz, em outro áudio, que se houvesse manifestações nos Três Poderes, as Forças Armadas poderiam agir. “Não adianta protestar na frente do QG do Exército. Tem que ir pro Congresso. E as Forças Armadas vão agir por iniciativa de algum Poder. Porque, assim, todo mundo quer Forças Armadas por quê? Quer um mecanismo de pressão chamado arma. Para apaziguar, a gente resolve destituir, invalidar a eleição. Colocar voto impresso e fazer uma nova eleição. Com ou sem Bolsonaro”.

A relação fica ainda mais clara em mensagens enviadas por manifestantes que estavam nos acampamentos bolsonaristas. Em uma delas, o acampado Rodrigo Yassuo Faria Ikezili pede ao general Mario Fernandes que auxilie na entrada de uma tenda nas instalações. “Eu tô precisando de um apoio aqui, porque a gente comprou uma tenda e o pessoal não tá deixando ela entrar pra trocar. Polícia do Exército, daqui do QG. Eu preciso de apoio pra liberação.”

Em outra, o caminhoneiro Lucas Rotilli contata Mario Fernandes para saber por quanto tempo os grupos deveriam ficar acampados. “Eu queria ver com o senhor aí, qual que é a perspectiva? Até quando vocês querem que a gente fique aqui, general? E ver com o presidente, aí. Eu não saio daqui, eu quero ser o último a sair. Somos um soldado”.

Mario Fernandes também trocava detalhes dos acampamentos com o tenente-coronel Mauro Cid e o general Braga Netto. Para Cid, Fernandes enviou: “Parece que existe um mandado de busca e apreensão do TSE ou do Supremo, em relação aos caminhões que tão lá. Já andou havendo prisão realizada ali, pela Polícia Federal. Se o presidente pudesse dar um input ali pro Ministério da Justiça, pra segurar a PF. Eu tô tentando agir diretamente junto às Forças, mas pô, se tu pudesse pedir pro presidente ou pro gabinete do presidente atuar. Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro, como os caminhoneiros que estão lá em frente”.

Para Braga Netto, Fernandes insistiu na proteção dos acampados. “Então, p****, se o senhor puder intervir junto ao presidente, falar com o ministro Anderson, p****. Segurar a PF, p****, pra esse cumprimento de ordem. Ou com o Comandante do Exército, pra gente segurar, pô, proteger esses caras ali”.

Dentro do Planalto, Mauro Cid enviou áudio ao general Freire Gomes contando sobre as alterações que Bolsonaro havia realizado na minuta do golpe. “Ele entende as consequências do que pode acontecer. Hoje, ele mexeu naquele decreto, ele reduziu bastante, fez algo muito mais direto, objetivo e curto”.

Conforme os dias foram passando e o decreto de golpe não era instituído, os ânimos dos aliados de Bolsonaro foram se alterando. Em áudio enviado pelo coronel George Hobert Oliveira Lisboa, na época assessor especial do gabinete da Secretaria-Geral da Presidência, é relatado que o Alto Comando do Exército resistiu contra as idealizações do golpe. “Tá ficando muito claro que o Alto Comando, e não é o Exército, é o Alto Comando do Exército, ele tá se fechando em copas. Talvez, com uma maioria contra a decisão do presidente. Mas, pensando, em primeiro lugar, na instituição. Pensando, em primeiro lugar, no próprio Exército. Quando deveria estar pensando, em primeiro lugar, no Brasil. Eu sei quanto o senhor está comprometido com essas ações. O risco que todos nós estamos correndo, participando dessa frente”.

Um interlocutor não identificado pela PF desabafou com Guilherme Marques sobre o silêncio do governo derrotado nas urnas. “Eu só espero que o silêncio que esteja acontecendo, seja pra que faça-se alguma coisa. Porque se realmente não acontecer nada, a gente vai cair num descrédito total”.

Não recebendo o apoio que esperavam, o alto escalão bolsonarista abandonou o barco. Em áudio tépido, o tenente-coronel Sérgio Cavaliere comunicou a situação ao coronel Gustavo Gomes: “Acabei de falar com o Cid, cara. Ele falou que não vai ter nada. [O decreto] tá pronto, só que ele (Bolsonaro) não vai assinar por conta disso que eu te falei. Do Alto Comando tá rachado e não quer encampar a ideia.” Tempos depois, Cavaliere continua: “Deu ruim, tá? Acabei de falar com o nosso amigo lá, ele falou que não vai rolar nada. O Alto Comando não vai topar. A Marinha topa, mas só se tiver outra Força com ela, porque ela não aguenta a porrada que vai tomar sozinha”.

O coronel Bernardo Correa Netto repassou as notícias ao coronel Fabrício Bastos: “Ele falou: ó cara, pode esquecer, o decreto não vai sair, presidente não vai fazer, só faria se tivesse apoio das Forças Armadas, porque ele tá com medo de ser preso. Falei com ele, agora de manhã”.

Com escárnio, em outra mensagem enviada por Sérgio Cavaliere a Gustavo Gomes, foi exposto que Bolsonaro estava com medo de ser preso, caso assinasse o decreto de golpe sem apoio. “Agradeçam aí os nossos líderes, formados naquela escola de prostitutas, né? E o presidente não vai embarcar sozinho, porque ele tá com o decreto pronto, ele assina, e aí ninguém vai e ele vai preso. Então, ele não vai arriscar. E bem-vindos à Venezuela.“

Ouça os áudios aqui.

Leia mais notícias

Assuntos Relacionados