Bolsonaro condenado a 27 anos. Como o STF chegou nesta pena? Entenda

Entenda o porquê das penas de Bolsonaro e outros 7 réus condenados no STF. Veja o que é e como foi aplicada a dosimetria das penas
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Foram oito condenações por crimes gravíssimos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, generais de alta patente e ex-ministros. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A conclusão do julgamento da Ação Penal 2668 pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em 11 de setembro, reforçou o funcionamento exemplar das instituições democráticas ao repelir e punir ataques contra o Estado Democrático de Direito. Foram oito condenações por crimes gravíssimos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, generais de alta patente e ex-ministros.

Mas como o STF chegou às penas? Algumas delas superam 25 anos de prisão. Entenda na TVT News.

A resposta está na lei. Mais especificamente em uma das disciplinas mais técnicas do Direito Penal brasileiro; a dosimetria da pena. Trata-se de um método meticuloso previsto no Código Penal que busca garantir que a sanção imposta a um condenado seja justa, proporcional e adequada à sua conduta individual. A pena, portanto, deve ter duplo efeito de acordo com a doutrina vigente: punir e ressocializar.

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Apoiadores de Bolsonaro depredam Praça dos Três Poderes, em Brasília (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O que é dosimetria

A dosimetria é o processo pelo qual o juiz ou tribunal da ação (ou instrução) fixa a pena aplicável ao réu, com base em critérios definidos em lei. No Brasil, esse processo é regulado pelo artigo 68 do Código Penal e é dividido em três fases cumulativas.

Primeira Fase: pena-base (art. 59, Código Penal)

Nessa etapa, o julgador analisa as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Aqui, a pena não pode ultrapassar o máximo estipulado pelo tipo penal. Há de se avaliar:

  • Culpabilidade
  • Antecedentes
  • Conduta social
  • Personalidade do agente
  • Motivos do crime
  • Circunstâncias e consequências
  • Comportamento da vítima

Com base nesses fatores, a pena pode ser fixada no mínimo, médio ou máximo legal previsto para cada artigo.

Segunda Fase: agravantes e atenuantes (arts. 61 e 65, CP)

Aqui, são avaliadas:

  • Agravantes genéricas (art. 61), como:
    • O agente ser líder do crime
    • Ter cometido o crime com abuso de autoridade
    • Agir com premeditação ou traição
  • Atenuantes genéricas (art. 65), como:
    • Confissão espontânea
    • Menoridade relativa
    • Ter prestado relevantes serviços à sociedade

Terceira Fase: causas de aumento ou diminuição de pena

Por fim, aplicam-se as causas específicas previstas nas partes geral e especial do Código Penal ou em legislação penal extravagante. Aqui, são majorantes e minorantes quando o texto disser explicitamente, por exemplo, “A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: II – se há o concurso de duas ou mais pessoas“. Além do concurso de pessoas (quando mais de um agente comete o crime em conjunto), são outras hipóteses:

  • Crime cometido por meio de organização criminosa (Lei 12.850/2013)
  • Utilização de armas de fogo
  • Crimes cometidos contra bens públicos ou patrimônio tombado

Crimes foram imputados

Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), os réus do Núcleo 1 da tentativa de golpe de Estado praticaram, em conjunto e com divisão de tarefas, os seguintes crimes:

CrimeArtigoPena prevista
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de DireitoArt. 359-L, CP4 a 8 anos
Golpe de EstadoArt. 359-M, CP4 a 12 anos
Organização criminosa armadaArt. 2º, § 2º, Lei 12.850/133 a 8 anos + aumento de 1/6 a 2/3
Dano qualificado (contra patrimônio público)Art. 163, par. único, III e IV, CP6 meses a 3 anos + multa
Deterioração de patrimônio tombadoArt. 62, I, Lei 9.605/981 a 3 anos + multa

Todos os réus foram condenados em concurso material de crimes (art. 69, CP), ou seja, as penas foram somadas.

Como o STF aplicou a dosimetria

O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, adotou uma metodologia que levou em consideração não apenas a gravidade formal dos crimes, mas também o impacto social, político e institucional das condutas.

“A reprovação e a prevenção a partir da dosimetria da pena devem ser feitas para desencorajar a tentativa de obstruir a manutenção da normalidade democrática no país”, afirmou Moraes.

Veja como a pena foi construída para os principais réus:


Jair Bolsonaro – 27 anos e 3 meses de prisão

  • Pena-base elevada pela posição de líder da organização e autor intelectual do golpe
  • Agravantes: abuso de poder, liderança, função pública de mais alta relevância
  • Causas de aumento: crimes múltiplos, em concurso material, com organização armada
  • Multa: 124 dias-multa (cada dia no valor de 2 salários mínimos)
  • Indenização: solidária de R$ 30 milhões por danos morais coletivos

Walter Braga Netto – 26 anos

  • General da reserva e ex-ministro da Defesa
  • Articulador logístico e político
  • Agravantes: alto grau de influência militar, cargo público
  • Multa: 100 dias-multa (1 SM cada)

Anderson Torres – 24 anos (Regime fechado)

  • Ex-ministro da Justiça e secretário de Segurança do DF
  • Teve papel central em documentos golpistas e omissão na contenção dos atos
  • Agravantes: cargo público, premeditação
  • Multa: 100 dias-multa

Almir Garnier e Augusto Heleno – 24 e 21 anos, respectivamente

  • Ex-comandantes militares, ambos da reserva
  • Participaram da articulação e forneceram apoio simbólico e logístico
  • Agravantes similares: conivência, poder hierárquico, prestígio militar

Paulo Sérgio Nogueira – 19 anos

  • Ex-ministro da Defesa
  • Punição menor em relação aos demais generais por grau de participação

Alexandre Ramagem – 16 anos, 1 mês e 15 dias

  • Ex-diretor da ABIN e atual deputado federal
  • Não foi julgado pelos crimes de dano e deterioração por ter foro parlamentar
  • Multa: 50 dias-multa
  • Perda de mandato decretada

Mauro Cid – 2 anos (Regime aberto)

  • Tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
  • Colaborador premiado, com pena fixada em acordo homologado
  • Benefícios estendidos a familiares
  • Não cumulará com demais sanções do grupo

Outras sanções aplicadas

Além das penas privativas de liberdade, o STF impôs:

  • Multa total superior a R$ 15 milhões
  • Indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos, de forma solidária
  • Inelegibilidade por 8 anos após cumprimento da pena (Lei da Ficha Limpa)
  • Perda de cargos públicos, como delegado da PF e mandato parlamentar
  • Encaminhamento ao STM para eventual perda de patente e posto militar

Futuro de Bolsonaro e outros réus

As penas só se tornarão definitivas após o trânsito em julgado, ou seja, o esgotamento de todos os recursos. Ainda cabem:

  • Embargos de declaração (art. 619, CPP)
  • Possíveis embargos infringentes (em caso de decisão não unânime por dois ministros. Não foi o caso, então, não cabe aqui)
  • Execução da pena após o encerramento da jurisdição penal

Entenda tudo sobre a condenação de Bolsonaro

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