Bolsonaro em prisão domiciliar: medida se justifica (e saiu barata)?

Juristas analisam que a medida da prisão domiciliar se justifica após desrespeito claro a cautelares. À risca, Bolsonaro poderia estar na prisão
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Bolsonaro não está acima da lei. "A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas". Foto: Vermelho

A decisão do ministro Alexandre de Moraes que impôs prisão domiciliar ao ex-presidente inelegível e réu por uma série de crimes Jair Bolsonaro (PL) reacendeu o debate jurídico sobre a aplicação das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal (CPP) brasileiro. Mas afinal, a medida foi justa? Foi exagerada ou amena demais? Entenda na TVT News.

A medida, tomada após o descumprimento de condições previamente fixadas, tem como fundamento o artigo 312, §1º do CPP, que permite a decretação de prisão preventiva em caso de violação das cautelares impostas. Mesmo a lei autorizando, o ministro optou por não utilizar o instrumento de forma plena, e sim endurecer as cautelares diversas à prisão. No caso, foi adotada a prisão domiciliar.

O trecho legal é claro:


 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

§ 1º  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares


Bolsonaro e as evidentes violações

A medida foi tomada após o entendimento de que Bolsonaro violou restrições que lhe proibiam manifestações públicas sobre investigações em curso, incluindo participação direta ou indireta em redes sociais e declarações de conteúdo político que mobilizassem apoiadores em relação a investigações.

Mesmo após decreto de cautelares, Bolsonaro desrespeitou as decisões por mais de uma vez. Mesmo após oposição de embargos de declaração, com esclarecimento de possíveis obscurantismos da decisão, Moraes deixou claro que as medidas não o impediam de dar entrevistas, por exemplo, mas sim de utilizar redes sociais (sua ou alheia) para movimentar a máquina de ódio que estimula mais crimes, como ataques à soberania nacional cometidos às claras pela família Bolsonaro, particularmente por seu filho Eduardo.

Para o jurista e professor da PUC-RS, referência no Brasil em Processo Penal, Aury Lopes Jr., a decisão está tecnicamente fundamentada dentro dos parâmetros legais e, inclusive, poderia ter sido mais dura. Ele falou sobre o caso em uma rede social.

“Realmente, a grande questão é que em processos meus, por exemplo, por muito menos do que aquilo, já tive cliente preso. Então, é uma regra básica. Você tem uma medida cautelar diversa, o descumprimento dessa cautelar diversa, automaticamente é prisão preventiva.”

Lopes Jr., lembrou que analisa as questões de forma técnica. Por exemplo, disse ter ressalvas com inquérito das fake news. Mas neste caso concreto, reconheceu a proporcionalidade da medida de prisão domiciliar. “A prisão domiciliar ainda foi uma medida adequada e escalonada como tem que ser. Ele poderia ter decretado preventiva, mas ele aumentou a restrição.”

A justificativa para essa medida se apoia também na progressividade das sanções. Como explica o jurista. “Se entendeu que isso é descumprimento, o normal seria preventiva. (…) Que seja assim sempre e que se reserve a prisão preventiva como última ratio.”

“Infelizmente o que vemos aqui na planície, normalmente, é o contrário. Primeiro prende, depois pensa. Ou então, aplica a cautelar diversa e qualquer mínima suspeita de arranhão, de descumprimento, já decreta a preventiva”, completou o professor.

Provocação e sistema acusatório

Um dos questionamentos sobre a adequação legal da decisão de Moraes tem relação com suposta violação do sistema acusatório do direito penal brasileiro, onde quem acusa não é a mesma pessoa que julga. Assim, mudanças recentes na legislação penal, tem reforçado essa questão (como a instituição do juiz das garantias e o ganho de competência do Ministério Público em sede de arquivamento de inquérito policial).

Um dispositivo anterior no CPP, artigo 282, parágrafo 4º, dava explicitamente a prerrogativa da decretação da prisão em caso de descumprimento de cautelar de ofício pelo juiz da causa. Esse artigo foi retirado do código, deixando a questão de certa forma nebulosa. Contudo, o professor explica que a doutrina e a jurisprudência aceitam a decisão no caso. Além disso, Polícia Federal e Procuradoria-Geral da República foram comunicados de pronto e não se opuseram, o que dá mais peso à decisão de Moraes.

“O descumprimento, entende-se que pode ser decretada a preventiva sem pedido, se entender que há descumprimento. Houve pedido, comunicação de descumprimento, ele poderia ter decretado. O que ele fez? Aumentou as cautelares diversas. Tá certo”, disse.

Lógica doutrinária

A decisão de Moraes seguiu essa lógica escalonada: ao invés de decretar a prisão preventiva diretamente, como ocorre com frequência nas comarcas do país, optou-se por intensificar o controle com medidas menos gravosas, como a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico e proibição de contatos políticos.

Para a advogada Misses Frances, o caso transcende a simples violação de regras judiciais e revela uma conduta política que tenta minar a autoridade do Judiciário. “No caso de Bolsonaro, o que está em jogo não é apenas o descumprimento de uma cautelar, mas sim o retrato explícito de alguém que se julga acima da lei, que zomba do Poder Judiciário, ofende ministros e coage o sistema de justiça com ataques planejados e discurso de ódio calculado”, disse também em uma rede social.

Frances aponta para um cenário de desigualdade jurídica, no qual cidadãos comuns são tratados com muito mais rigor. “Enquanto isso, no cotidiano das comarcas do Brasil, cidadãos anônimos são presos por muito menos, sem a mínima chance de defesa prévia, sem prazo, sem consideração por suas condições sociais ou familiares.”

Justiça é cega, mas não tola

A questão central, segundo os juristas, é a necessidade de isonomia na aplicação das medidas cautelares. Como defende Aury Lopes Jr., o sistema deve sempre privilegiar cautelares menos severas, mas o cumprimento rigoroso dessas condições é indispensável.

“Tenho uma série de cautelares impostas, não concordo com algumas. Mas tem que cumprir. E nós vamos recorrer. Enquanto o Tribunal não tirar, está valendo. Não corra risco, não dê margem a uma interpretação de descumprimento porque você vai ser preso.”

A decisão também cita que, ao violar as restrições impostas, Bolsonaro não apenas descumpriu obrigações processuais, como gerou novos riscos à ordem pública e à integridade da investigação. Na decisão, Moraes ressalta que o ex-presidente usou “declarações públicas e de terceiros para incitar desrespeito à Justiça” e “instrumentalizou sua base digital” em desafio direto às ordens do STF.

A advogada Misses Frances alerta para o risco democrático embutido nesse comportamento. “O que Bolsonaro faz não é liberdade de expressão — é estratégia de enfrentamento institucional, um ataque à democracia disfarçado de bravata. E quem ainda defende esse comportamento, compactua com a normalização da impunidade elitista e com o colapso das instituições democráticas.”

Prisão domiciliar Bolsonaro

Com a decisão, Bolsonaro agora está obrigado a permanecer em casa, com uso de tornozeleira eletrônica, sem comunicação com outros investigados ou aliados políticos. A defesa deve recorrer, mas, até lá, as restrições estão mantidas.

Aury Lopes Jr. finaliza com uma dica aos operadores da advocacia. “Se não estava de acordo com as limitações impostas, deveria cumprir as delimitações e recorrer várias vezes.”

A aplicação da prisão domiciliar, portanto, além de legal, segue o caminho que juristas reivindicam, o uso proporcional e escalonado das medidas cautelares, com respeito às garantias processuais, mas também com rigor contra o descumprimento da lei.

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