Bolsonaro planejou e atuou em tentativa de golpe, aponta a Polícia Federal. No documento de mais de 800 páginas, a PF detalha as provas que mostram que o ex-presidente liderou tentativa de golpe de Estado. Então, quais os próximos passos? Qual a possibilidade de uma punição rápida para os envolvidos? A TVT News conversou com advogado criminalista, para entender o que pode acontecer a partir de agora
Bolsonaro pode ser preso?
Jair Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por três crimes. Ao lado de 36 aliados bolsonaristas, o ex-presidente inelegível responderá por pertencimento a organização criminosa, tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Este importante passo da PF abre o caminho para que o Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, apresente uma denúncia formal contra os envolvidos. Então, quais os próximos passos? Qual a possibilidade de uma punição rápida para os envolvidos?
Essa denúncia – que cabe a Gonet – é a peça chave que pode levar Bolsonaro e seus comparsas à prisão. Contudo, há informações de que o PGR trabalhará no caso apenas em 2025. A TVT News conversou com o advogado criminalista, mestre em Direito pelo IDP, Welington Arruda para entender o que pode acontecer a partir de agora. Também para analisar o caso, os possíveis resultados e esclarecer as possibilidades de punição que se avizinham contra os bolsonaristas.
O golpe dos bolsonaristas:
- Bolsonaro planejou e atuou em tentativa de golpe, aponta PF
- Plano golpista levou ao 8 de de janeiro e atentado a bomba, diz PF
- Presidente do PL é indiciado por mentir sobre as urnas eletrônicas
- Braga Netto foi elemento chave na tentativa de golpe, diz relatório da PF
“Em casos envolvendo crimes complexos e figuras públicas, o Ministério Público Federal é o órgão responsável por conduzir a ação penal, caso entenda haver elementos suficientes para a acusação. Uma vez oferecida a denúncia, ela será apreciada pelo juízo competente, que neste caso é o STF”, explica. “Na sequência, ocorrerão os atos processuais regulares: citação dos acusados, apresentação de defesa preliminar, audiência de instrução, e eventual julgamento”, completa.
Prisão para Bolsonaro
Embora a lei brasileira apenas autorize a pena privativa de liberdade (PPL) após esgotadas as possibilidades de defesa, o que pode tornar o processo longo, existem outras possibilidades de prisão. São as chamadas prisões processuais; a preventiva e a temporária. Elas servem para garantir o bom andamento das investigações, evitar novos crimes, entre outros.
Este é um caminho possível para uma prisão mais rápida. “A prisão preventiva pode ser decretada para garantir a ordem pública, assegurar a instrução criminal ou evitar a reiteração delitiva, enquanto a temporária serve para subsidiar investigações em casos graves. A depender da gravidade das provas coletadas e do risco que os acusados possam representar, essas medidas podem ser requeridas pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal”, explica o jurista.
Líder da organização criminosa
Lideranças políticas, movimentos sociais e cidadãos cobram uma punição adequada a Bolsonaro. Isso porque enxergam nele o líder do esquema que tentou derrubar a democracia brasileira. A figura do líder de fato existe no contexto de uma organização criminosa, como explica Arruda. “O líder ou “cabeça” geralmente é a pessoa que toma as decisões estratégicas, organiza as atividades ilícitas e se beneficia diretamente das operações. Nos documentos liberados pela PF, a estrutura parece indicar uma cadeia de comando em que as ordens partem de um núcleo central e são executadas por subordinados.”
“Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de estado e da abolição do estado democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”, diz o relatório.
O general da reserva Walter Braga Netto teve participação concreta nos atos relacionados à tentativa de golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito, inclusive na tentativa de obstrução da investigação. A conclusão é da Polícia Federal (PF) no relatório que indicia o militar e mais 36 acusados.
Contudo, o jurista argumenta que a indicação de Bolsonaro como líder de fato da organização criminosa deve vir das autoridades competentes. Mesmo assim, os fatos acabam pesando mais sobre ele. “Não dá para cravar que o ex-presidente era o chefe sem que a própria PF faça essa indicação, mas é possível afirmar que ele seria diretamente beneficiado com o resultado dos fatos que estavam ocorrendo”, afirma.
Atentado contra Lula
Um ponto central que entra no contexto do indiciamento de Bolsonaro e seus apoiadores é a ação organizada para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Havia um plano estruturado, com detalhes e estudos de como matar estes alvos para garantir a continuidade do bolsonarismo pela força.
Bolsonaristas, particularmente um dos filhos de Jair, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tem dito que “querer matar” não é crime. Contudo, o criminalista explica que esse ponto é de total relevância para o caso. “Na análise das circunstâncias judiciais, esse comportamento pode ser considerado desfavorável, aumentando a pena. O MPF e o Juízo, por sua vez, podem entender que as condutas passaram da mera cogitação e já estavam em atos executórios, neste caso responderão pelo crime”, explica.
De fato, de acordo com a PF, existe a possibilidade do plano ter sido abortado por questões alheias à vontade dos agentes. Houve um atraso em uma sessão do STF, o que complicou a ação que pretendia assassinar Moraes. Contudo, é possível que já havia um militar posicionado próximo à casa do ministro para executá-lo.
“Lula não sobe a rampa”
Um documento manuscrito apreendido pela Polícia Federal na sede do Partido Liberal (PL) propõe ações para interromper o processo de transição de governo, “mobilização de juristas e formadores de opinião”.
O documento encerra com o texto “Lula não sobe a rampa”. Segundo a PF, em uma clara alusão ao impedimento de que o vencedor das eleições de 2022 assumisse o cargo da presidência.
O material foi apreendido na mesa do assessor do general Walter Braga Netto, coronel Peregrino, faz um esboço de ações planejadas para a denominada “Operação 142”. O nome dado ao documento faz alusão ao artigo 142 da Constituição Federal que trata das Forças Armadas e que, segundo a PF, era uma possibilidade aventada pelos investigados como meio de implementar uma ruptura institucional após a derrota eleitoral de Bolsonaro.
Postagem do vice-presidente Alckmin de 26/11: Lula subiu a rampa
Na avaliação dos investigadores responsáveis pela conclusão do inquérito, a difusão de “forma rápida e repetitiva” de narrativas golpistas mantiveram o desejo de grupos extremistas de consumação do golpe que teria sido planejado pelo ex-presidente e seus aliados, mas não foi aplicado pela falta de adesão do Exército e da Aeronáutica.
“Esse método de ataques sistemáticos aos valores mais caros do Estado democrático de direito criou o ambiente propício para o florescimento de um radicalismo que, conforme exposto, culminou nos atos do dia 8 de janeiro de 2023, mas que ainda se encontra em estado de latência em parcela da sociedade, exemplificado no atentado bomba ocorrido na data de 13 de novembro de 2024 na cidade de Brasília”, diz a PF.
Crime material
Outro detalhe importante tem relação com o crime de abolição do Estado Democrático de Direito. Bolsonaristas alegam que não houve golpe, então não há crime. Contudo, este tipo penal só existe na modalidade tentada. Ora, caso eles conseguissem atingir o objetivo do golpe, não haveria punição. “O simples ato de tentar abolir, de forma violenta, o Estado Democrático de Direito já configura o delito, independentemente de sucesso na empreitada”, explica Arruda.
“Caso a tentativa fosse concretizada, não necessariamente haveria impunidade, mas novos crimes poderiam ser imputados, como atentado à Constituição ou crimes de responsabilidade ou outro que pudesse ocorrer. Esse tipo de delito reflete a gravidade de ações contra a estabilidade institucional e a soberania da República, justificando a punição mesmo na fase de tentativa”, completa.
Conclusões
Por fim, o jurista avalia que o caso representa “um desafio institucional”. “A resposta deve ser técnica e firme, mas sempre dentro dos limites constitucionais e legais, para evitar que a Justiça penal seja usada de forma política ou desproporcional. O indiciamento, as delações premiadas e as denúncias em análise indicam que estamos diante de um caso complexo, envolvendo crimes graves, cujo desfecho será determinante para a percepção pública da eficácia do Estado Democrático de Direito no Brasil.”