O ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros bateram o martelo que o extremista é culpado de liderar uma organização criminosa com o objetivo de derrubar o Estado Democrático de Direito e instaurar um regime de exceção após as eleições de 2022. Mas e agora? O que acontece com ele? Quanto haverá trânsito em julgado? Cabe recurso? Entenda tudo isso e mais na TVT News.
Bolsonaro e aliados podem ser presos imediatamente?
Além de Bolsonaro, outros sete aliados civis e militares foram condenados por cinco crimes. São eles: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio público tombado. Apenas sobre Ramagem, que é deputado federal, não incidiram os últimos dois crimes.
Apesar da gravidade das penas, todas com início previsto em regime fechado dada a sua extensão superior a 8 anos, nenhum dos condenados será preso imediatamente. A legislação brasileira garante a qualquer réu o direito ao devido processo legal, incluindo a interposição de recursos que podem atrasar, ou eventualmente modificar, a execução da sentença.
Neste momento, Bolsonaro segue em prisão domiciliar preventiva, decretada no âmbito de outro processo, que apura tentativa de obstrução à Justiça por parte de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Bolsonaro aguardo o trânsito em julgado
Após o trânsito em julgado da condenação, com a conversão de prisão preventiva em pena de fato, sua situação deve mudar. O óbvio seria que ele passasse a cumprir a pena no presídio da Papuda, no Distrito Federal, ou em sede especial da Polícia Federal, onde poderia passar até 24 anos (dos 27 apenados) recluso, não fosse progressões de regime e particularidades envolvendo sua saúde ou idade avançada.
Trânsito em julgado e recursos do julgamento de Bolsonaro
A partir da decisão majoritária da Primeira Turma, por 4 votos a 1, o próximo passo é a publicação do acórdão, o documento que formaliza a sentença. De acordo com o Regimento Interno do STF, esse prazo pode ser de até 60 dias, mas, em casos de grande repercussão, costuma ocorrer em menos tempo. Somente com a publicação do acórdão é que se inicia a contagem dos prazos recursais.
O primeiro recurso possível é o embargo de declaração, previsto no art. 619 do Código de Processo Penal (CPP). Este tipo de recurso não visa alterar o mérito da decisão, mas sim esclarecer eventuais omissões, contradições ou obscuridades no texto do acórdão. Ainda que não altere substancialmente a condenação, os embargos podem adiar o trânsito em julgado, já que, enquanto não forem apreciados, a sentença não se torna definitiva.
Em suma, esse recurso pode ser oposto mas não tem efeito modificativo da sentença. O prazo para a defesa apresentar é de cinco dias após publicação do acórdão. A devolução tem o mesmo prazo. Contudo, prazo impróprio e pode ser adiado a depender da disponibilidade do magistrado. Quem receberá o embargo será o relator, ministro Alexandre de Moraes.
Embargos infringentes?
Após os embargos de declaração, os condenados poderiam, em tese, apresentar os chamados embargos infringentes, previstos no art. 333 do Regimento Interno do STF.
No entanto, esse recurso só é cabível quando há dois votos divergentes pela absolvição, o que não ocorreu no caso de Bolsonaro, que obteve apenas o voto do ministro Luiz Fux. Por essa razão, não há previsão regimental para esse recurso neste momento. Ainda assim, os advogados podem tentar inovar, sustentando que divergências na dosimetria da pena poderiam justificar esse tipo de embargo, o que abriria margem para nova discussão, embora a jurisprudência do STF tenda a restringir os embargos infringentes apenas aos casos de divergência no mérito da condenação.
Então, o entendimento de juristas, da doutrina e da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal devem afastar a possibilidade desse recurso. Caso aceito, o que não deve acontecer, os embargos infringentes poderiam provocar uma nova audiência; desta vez no Pleno do Supremo, para apreciação dos 11 ministros.
É importante destacar que, segundo a jurisprudência do próprio STF, o trânsito em julgado pode ser reconhecido após o julgamento dos embargos de declaração. Se, após essa fase, novas manifestações da defesa forem consideradas meramente protelatórias, o relator, ministro Alexandre de Moraes, poderá determinar a execução imediata da pena.
Bolsonaro e embargos protelatórios
Durante seu voto, inclusive, o ministro relator chegou a ventilar que parte da defesa dos condenados seria “quase má-fé” ou que apontariam “profundo desconhecimento do processo”. Então, a defesa deve ter cautela na oposição de embargos. Isso porque caso fique decretada a má-fé, que eles estejam apresentando recursos apenas para protelar o trânsito em julgado, é possível inclusive punição aos advogados (no caso punição pecuniária).
Prisão, inelegibilidade e perda de direitos políticos
A condenação imposta a Bolsonaro e aos demais réus prevê o cumprimento inicial da pena em regime fechado, nos termos do art. 33, §2º, “a” do Código Penal, que assim determina quando a pena aplicada ultrapassa os oito anos de reclusão. Isso implica que os condenados deverão iniciar o cumprimento da pena em unidades prisionais ou em estruturas especiais, como instalações da Polícia Federal, prática já adotada em casos anteriores.
O Código de Processo Penal (art. 295) prevê prisão especial para militares e delegados de polícia até o trânsito em julgado, o que se aplica à maioria dos réus. Após a execução da pena, a decisão sobre o tipo de cela e local de cumprimento será do relator da ação penal. Bolsonaro, por exemplo, poderá solicitar o cumprimento da pena em prisão domiciliar, com base em sua idade (71 anos) e em possíveis condições de saúde. Tal pedido poderá ser analisado com base no art. 117 da Lei de Execuções Penais (LEP), mas dependerá de avaliação judicial fundamentada.
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I – condenado maior de 70 (setenta) anos;
II – condenado acometido de doença grave;
Progressão de regime
Outro aspecto relevante diz respeito à progressão de regime, ou seja, a possibilidade de o condenado passar do regime fechado para o semiaberto e, posteriormente, para o aberto. Essa progressão está condicionada à duração da pena, natureza do crime e comportamento carcerário, conforme o art. 112 da LEP, alterado pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019).
No caso de crimes cometidos com violência ou grave ameaça, como os imputados a Bolsonaro, é exigido o cumprimento de, ao menos, 40% da pena para primários e 60% para reincidentes. Isso significa que, na prática, Bolsonaro poderá cumprir mais de uma década em regime fechado antes de pleitear progressão, caso não haja mudanças nas circunstâncias.
Multas, indenizações e perda de cargos
Além da pena privativa de liberdade, os réus foram condenados ao pagamento de R$ 30 milhões por danos morais coletivos, valor que deverá ser pago solidariamente, ou seja, qualquer um dos condenados pode ser acionado para pagar o total. A quantia será destinada ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, conforme a Lei nº 7.347/1985.
Também foram aplicadas multas penais, calculadas com base no número de dias-multa e no valor do salário mínimo vigente à época da execução. Esses valores serão destinados a fundos estaduais e federais voltados à segurança pública.
Com o trânsito em julgado, a condenação implica ainda em efeitos civis e políticos. Segundo o art. 15, inciso III, da Constituição Federal, os direitos políticos do condenado são suspensos enquanto durar o cumprimento da pena. A Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010) determina, ainda, a inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena. Na prática, Bolsonaro poderá ficar fora das urnas por mais de três décadas, somando-se as sanções eleitorais anteriores à atual condenação.
No caso de Alexandre Ramagem e Anderson Torres, que são servidor público e deputado federal, a perda dos respectivos cargos será determinada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, mediante comunicação do STF. Não será necessário, portanto, submeter a perda de mandato ao plenário da Câmara.
Indignidade para o oficialato militar
Um último desdobramento diz respeito aos réus que são oficiais das Forças Armadas, como Bolsonaro (capitão reformado), Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira (generais), e Almir Garnier (almirante). A Constituição, em seu art. 142, §3º, inciso VI, prevê a possibilidade de perda de posto e patente em caso de condenação criminal com pena superior a dois anos.
Essa decisão não é automática. O STF, após o trânsito em julgado, encaminhará o caso ao Superior Tribunal Militar (STM), que decidirá se os réus são indignos de manter a condição de oficial das Forças Armadas. Não se trata de reavaliar os crimes, mas sim de um julgamento de natureza disciplinar e institucional. Durante a pronuncia do acórdão, Moraes já instou o STM sobre o caso.
Passo a passo e fundamentos legais
Etapa | Base legal | Efeito |
---|---|---|
Publicação do acórdão | Regimento Interno do STF | Inicia contagem para recursos |
Embargos de declaração | CPP, art. 619 | Corrigem erros e omissões; não alteram mérito |
Embargos infringentes | RISTF, art. 333 | Só cabíveis com 2 votos pela absolvição |
Trânsito em julgado | CF, art. 5º, LVII; CPP, art. 617 | Autoriza execução da pena |
Regime inicial fechado | CP, art. 33, §2º, “a” | Penas acima de 8 anos |
Prisão especial | CPP, art. 295 | Militares e delegados até trânsito em julgado |
Prisão domiciliar | LEP, art. 117 | Idade ou saúde debilitada; depende de decisão judicial |
Progressão de regime | LEP, art. 112 (Lei 13.964/2019) | Cumprimento de 40% a 70% da pena conforme o caso |
Multa penal | CP, art. 49 | Calculada com base no salário mínimo |
Danos morais coletivos | Lei 7.347/1985 | R$ 30 milhões solidariamente |
Inelegibilidade | LC 135/2010 | 8 anos após cumprimento da pena |
Suspensão dos direitos políticos | CF, art. 15, III | Durante o cumprimento da pena |
Perda de mandato e cargo público | CF, art. 55, VI e §2º | Declarada pela Mesa Diretora da Câmara |
Indignidade ao oficialato | CF, art. 142, §3º, VI | Julgada pelo STM |