Brasil e Uruguai retomam disputa por território após construção de parque eólico. Entenda

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O avanço das obras de um parque eólico da Eletrobras em Santana do Livramento (RS), na fronteira oeste do Brasil com o Uruguai. Foto: Marcelo Pinto/A Plateia/Fotos Públicas

O avanço das obras de um parque eólico da Eletrobras em Santana do Livramento (RS), na fronteira oeste do Brasil com o Uruguai, reacendeu uma antiga disputa territorial entre os dois países. Entenda na TVT News.

O Ministério das Relações Exteriores do Uruguai enviou uma nota oficial ao Itamaraty pedindo a reabertura das discussões sobre a soberania da área conhecida como “Rincão de Artigas”, uma faixa de 237 km² que, embora sob administração brasileira há mais de um século, é reivindicada por Montevidéu como parte de seu território.

O território em questão, localizado em uma zona rural da cidade gaúcha vizinha à uruguaia Rivera, abriga o projeto Coxilha Negra, uma usina eólica com capacidade prevista de geração de 302,4 megawatts, suficiente para abastecer cerca de 1,5 milhão de consumidores. Até o momento, já foram investidos mais de R$ 2,5 bilhões na construção do parque, que se tornou uma das maiores apostas da Eletrobras na transição energética.

Embora a área não tenha histórico de produção agrícola relevante nem esteja em zona de proteção ambiental, a instalação da usina reacendeu o questionamento sobre a titularidade do território. A movimentação do governo uruguaio ocorre em um momento em que as energias renováveis ganham cada vez mais peso geopolítico e econômico, o que pode ter contribuído para reacender o litígio.

Em nota enviada a Brasília, as autoridades uruguaias afirmam que a posse da região pelo Brasil decorre de um “erro histórico de demarcação” ocorrido após a independência do Uruguai, em 1828, e que o tema já havia sido tratado anteriormente, inclusive em 1988, ano da promulgação da atual Constituição brasileira. No comunicado, o Uruguai afirma que a construção da usina “não implica o reconhecimento do exercício da soberania brasileira sobre o território conhecido como Rincão de Artigas”, e propõe que a negociação seja retomada com base em princípios de “irmandade, equidade e justiça”.

Posição do Brasil

O governo brasileiro, por meio do Itamaraty, informou que deseja tratar a questão por vias diplomáticas, sem gerar tensões adicionais entre os dois países, que mantêm laços históricos e culturais profundos. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil reafirmou a legitimidade da posse brasileira sobre a área e destacou que pretende dialogar com o Uruguai em busca de uma solução pacífica.

Fontes diplomáticas brasileiras ouvidas reservadamente avaliam que o questionamento do Uruguai tem pouco respaldo jurídico, mas reconhecem que a instalação do parque eólico deu nova visibilidade a um tema até então adormecido. Para evitar danos à relação bilateral e à segurança jurídica dos investimentos, o Itamaraty deve abrir um canal de negociação técnica com o governo uruguaio.

Fronteiras Brasil e Uruguai

O Rincão de Artigas está localizado em uma zona fronteiriça marcada por integração social e econômica entre brasileiros e uruguaios. Santana do Livramento e Rivera formam um dos principais exemplos de cidades gêmeas da América do Sul, com trânsito livre de pessoas e intensa convivência cultural entre os povos.

A disputa pelo território tem raízes no século XIX. Entre 1821 e 1828, o território do atual Uruguai foi incorporado ao então Império do Brasil como a Província Cisplatina. Após a Guerra da Cisplatina, com mediação britânica, o Tratado de Montevidéu reconheceu a independência uruguaia. Contudo, a delimitação precisa das fronteiras entre os dois países foi marcada por desacordos técnicos e mapas inconsistentes, deixando algumas áreas, como o Rincão de Artigas, em situação ambígua.

No Google Maps, por exemplo, a área em questão aparece com limites indicados por linhas pontilhadas — sinalização utilizada para regiões em litígio ou com soberania contestada. Ainda que sob controle brasileiro, a ausência de um acordo formal e definitivo mantém a questão em aberto.

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Região em disputa Brasil e Uruguai (dentro do círculo preto), próximo às cidades de Artigas e Rivera. Foto: Google

Energia e diplomacia

O impasse territorial ganha novos contornos em um contexto em que a matriz energética global passa por transformações profundas. A aposta na energia eólica como fonte limpa e estratégica para o futuro tem elevado o valor político de áreas até então consideradas marginais. O parque Coxilha Negra, ao gerar energia para mais de um milhão de pessoas, coloca o território em uma posição de destaque no planejamento energético brasileiro.

Especialistas em relações internacionais veem o caso como exemplo do impacto que grandes projetos de infraestrutura podem ter sobre disputas históricas. “É uma situação onde soberania, segurança energética e diplomacia estão interligadas”, afirma um pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da USP. “Embora o risco de conflito seja inexistente, a disputa é simbólica e sensível, especialmente em uma região de forte integração bilateral.”

Diplomacia

Apesar do tom cordial da nota uruguaia, a retomada do debate pode criar desafios para o governo brasileiro, que terá de conciliar os interesses de investidores, a soberania nacional e a manutenção da boa relação com o vizinho do sul. O Itamaraty ainda não confirmou a data de eventuais reuniões bilaterais, mas o tema deve entrar na pauta das comissões de fronteira mantidas pelos dois países.

Enquanto isso, as obras da usina seguem avançando. A Eletrobras, procurada pela reportagem, não se manifestou sobre o tema da disputa territorial, mas fontes do setor elétrico indicam que a empresa confia na segurança jurídica do projeto.

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