O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou, na manhã desta segunda-feira (8), de uma reunião virtual com líderes dos países membros do Brics. A ligação abordou as tarifas impostas pelo governo Trump, guerras e nova ordem mundial. Saiba mais na TVT News.
Para Lula, a Organização Mundial do Comércio está desatualizada e não possui ferramentas para mediar conflitos econômicos e impedir guerras tarifárias, como ocasionada pelo presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump.
“Está cada vez mais claro que a crise de governança não é uma questão conjuntural. Os pilares da ordem internacional criada em 1945 estão sendo solapados de forma acelerada e irresponsável. A Organização Mundial do Comércio está paralisada há anos. Em poucas semanas, medidas unilaterais transformaram em letra morta princípios basilares do livre-comércio como as cláusulas de Nação Mais Favorecida e de Tratamento Nacional. Agora assistimos ao enterro formal desses princípios”, afirmou Lula.
Para o presidente brasileiro, o que Trump faz é uma chantagem para conquistar mercados e interferir em questões domésticas. “Dividir para conquistar é a estratégia do unilateralismo”, complementou.
Líderes do Brics discutem como ampliar mecanismos de comércio no bloco
O Brics desponta como uma nova liderança global, para “mostrar que a cooperação supera qualquer forma de rivalidade”. A base seria regras e normas mutuamente acordadas entre os países partindo de um comércio e integração financeira seguro.
Lula ressaltou que o Brics representa cerca de 40% do PIB global, 26% do comércio internacional e quase 50% da população mundial. “O Banco do BRICS contribui de forma crescente na diversificação de nossas bases econômicas e na promoção de uma transição justa e soberana”, explica.
No pronunciamento, o Brasil também ressaltou a preocupação com a transferência energética sustentável, “reunimos as condições necessárias para promover uma industrialização verde, que gere emprego e renda em nossos países, sobretudo nos setores de alta tecnologia”.
“Temos, portanto, a legitimidade necessária para liderar a refundação do sistema multilateral de comércio em bases modernas, flexíveis e voltadas às nossas necessidades de desenvolvimento”, afirmou Lula.
Durante o discurso, Lula reiterou a necessidade da paz mundial, defendeu a criação do Estado Palestino em convivência de Israel. Lembrou que o Brasil condena os ataques do Hamas, mas que isso não justifica o genocídio na Faixa de Gaza. Para isso, Lula anuncia que o Brasil está entrando na ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça.
“A decisão de Israel de assumir o controle da Faixa de Gaza e a ameaça de anexação da Cisjordânia requer nossa mais firme condenação”, disse o presidente.
Juntamente a isso, Lula afirmou que se os países não respeitarem a soberania nacional de cada um, ver cada autoridade de igual para igual, o mundo estará fadado ao fracasso como ocorreu no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria. A fala é direcionada aos Estados Unidos, principalmente ao citar conflitos em que o país norte-americano está diretamente envolvido.
Em mais outro recado para Trump, Lula afirmou que fações criminosas são um problema de segurança pública brasileira, mas que não devem ser incluídos na categoria de terrorista, pois a nomeclatura faria com que os EUA pudesse justificar ataques militares em território brasileiro.
Por fim, o presidente brasileiro defendeu a soberania digital para evitar “projetos de dominação centrado em poucas empresas de alguns países”, afirma Lula. “Isso não significa fomentar um ambiente de isolacionismo tecnológico, mas fomentar a cooperação a partir de ecossistemas de base nacional, independentes e regulados”, complementa.
Contexto da Cúpula virtual do Brics
A cúpula foi organizada pelo Brasil, que está na presidência rotativa do bloco de países emergentes, com o objetivo de coordenar estratégias centradas no multilateralismo, em meio à nova política dos Estados Unidos de elevar as tarifas contra parceiros comerciais.
Diante da crescente instabilidade internacional, tanto no campo econômico como no político, o BRICS reafirmou seu compromisso com a preservação e o fortalecimento do multilateralismo, bem como com a reforma das instituições internacionais.
Os países do bloco realizaram um balanço abrangente da atual situação mundial. Houve consenso sobre a necessidade de avançar rumo a uma ordem internacional mais justa, equilibrada e inclusiva, capaz de refletir as transformações em curso e responder de maneira mais eficaz às demandas do Sul Global.
A reunião foi também ocasião para compartilhar visões sobre como enfrentar os riscos associados ao recrudescimento de medidas unilaterais, inclusive no comércio internacional, e sobre como ampliar os mecanismos de solidariedade, coordenação e comércio entre os países do BRICS.
A Cúpula também ensejou troca de impressões em preparação à 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas (Nova York, a partir de 23/9), à COP-30 (Belém, a partir de 6/11) e à Cúpula de Líderes do G20 (22-23/11).
O agrupamento permanecerá empenhado em contribuir ativamente para a paz, para a defesa do multilateralismo e para a construção de soluções coletivas para os desafios globais.
O tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump tenta reverter a relativa perda de competitividade da economia do país norte-americano para a China nas últimas décadas.
Especialistas consultados pela Agência Brasil avaliam que a medida do governo estadunidense também é uma chantagem política com objetivo de atingir o Brics, já que o grupo de potências do Sul Global tem sido encarado por Washington como uma ameaça à hegemonia dos Estados Unidos no mundo, em especial, devido à proposta de substituir o dólar nas trocas comerciais.
A reunião extraordinária de hoje ocorreu dois meses após a Cúpula do Brics no Rio de Janeiro, momento em que Trump voltou a ameaçar os países que se alinhassem às políticas do bloco.
“Na Cúpula do Rio de Janeiro, mostramos que o BRICS é capaz de aportar soluções concretas para os dilemas enfrentados pela humanidade”, afirmou Lula.
Participaram da Cúpula Virtual os líderes de China, Egito, Indonésia, Irã, Rússia, África do Sul, além do príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, do chanceler da Índia e do Vice-Ministro das Relações Exteriores da Etiópia.
Veja discurso completo de Lula na Cúpula do Brics
“Na Cúpula do Rio de Janeiro, mostramos que o BRICS é capaz de aportar soluções concretas para os dilemas enfrentados pela humanidade.
Aprovamos decisões importantes em matéria de mudança do clima, saúde global, governança da inteligência artificial e integração econômico-comercial.
Passados apenas dois meses, vivemos um momento de crescente instabilidade.
Está cada vez mais claro que a crise de governança não é uma questão conjuntural.
Os pilares da ordem internacional criada em 1945 estão sendo solapados de forma acelerada e irresponsável.
A Organização Mundial do Comércio está paralisada há anos.
Em poucas semanas, medidas unilaterais transformaram em letra morta princípios basilares do livre-comércio como as cláusulas de Nação Mais Favorecida e de Tratamento Nacional.
Agora assistimos ao enterro formal desses princípios.
Nossos países se tornaram vítimas de práticas comerciais injustificadas e ilegais.
A chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas.
A imposição de medidas extraterritoriais ameaça nossas instituições.
Sanções secundárias restringem nossa liberdade de fortalecer o comércio com países amigos.
Dividir para conquistar é a estratégia do unilateralismo.
Cabe ao BRICS mostrar que a cooperação supera qualquer forma de rivalidade.
Regras e normas mutuamente acordadas são essenciais para o desenvolvimento.
O comércio e a integração financeira entre nossos países oferecem opção segura para mitigar os efeitos do protecionismo.
Possuímos inúmeras complementaridades econômicas.
Juntos, representamos 40% do PIB global, 26% do comércio internacional e quase 50% da população mundial.
Temos entre nós grandes exportadores e consumidores de energia.
Reunimos as condições necessárias para promover uma industrialização verde, que gere emprego e renda em nossos países, sobretudo nos setores de alta tecnologia.
Reunimos 33% das terras agricultáveis e respondemos por 42% da produção agropecuária global.
O Banco do BRICS contribui de forma crescente na diversificação de nossas bases econômicas e na promoção de uma transição justa e soberana.
Temos, portanto, a legitimidade necessária para liderar a refundação do sistema multilateral de comércio em bases modernas, flexíveis e voltadas às nossas necessidades de desenvolvimento.
Para isso, precisamos chegar unidos na 14ª Conferência Ministerial da OMC no próximo ano, no Cameroun.
Caros amigos,
Quando o princípio da igualdade soberana dos estados deixa de ser observado, a ingerência em assuntos internos se torna prática comum.
A solução pacífica de controvérsias dá lugar a condutas belicosas.
Sem amparo no direito internacional, os fracassos vivenciados no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria voltarão a se repetir.
No que se refere à Ucrânia, é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que respeite as legítimas preocupações de segurança de todas as partes.
O encontro no Alasca e seus desdobramentos em Washington são passos na direção correta para pôr fim a esse conflito.
A Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos para a Paz, criado por China e Brasil, podem contribuir por meio da promoção do diálogo e da diplomacia.
A decisão de Israel de assumir o controle da Faixa de Gaza e a ameaça de anexação da Cisjordânia requer nossa mais firme condenação.
É urgente colocar fim ao genocídio em curso e suspender as ações militares nos Territórios Palestinos.
O Brasil decidiu entrar como parte na ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça.
Reiterar o compromisso com a Solução de Dois Estados estará no centro da atuação brasileira na Conferência de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão Palestina.
No vazio de tantas crises não solucionadas, o terrorismo continua a assombrar a humanidade. O Brasil repudiou o sequestro e assassinato de inocentes pelo Hamas, bem como os atentados na Caxemira.
Sabemos que o terrorismo não está associado a nenhuma religião ou nacionalidade.
Também não pode ser confundido com os desafios de segurança pública que muitos países enfrentam.
São fenômenos distintos e que não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional.
A América Latina e o Caribe fizeram a opção, desde 1968, por se tornar livres de armas nucleares. Há quase 40 anos somos uma Zona de Paz e Cooperação.
A presença de forças armadas da maior potência do mundo no Mar do Caribe é fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região.
Caros amigos,
Em duas semanas, estaremos reunidos em Nova York para a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas.
Será oportunidade para falarmos com uma só voz em defesa de um multilateralismo revigorado.
Devemos avançar na ampliação do Conselho de Segurança, incorporando novos membros permanentes e não permanentes da América Latina, da África e da Ásia.
Outra lacuna central na arquitetura multilateral refere-se ao âmbito digital.
Sem uma governança democrática, projetos de dominação centrado em poucas empresas de alguns países vão se perpetuar.
Sem soberania digital, seremos vulneráveis à manipulação estrangeira.
Isso não significa fomentar um ambiente de isolacionismo tecnológico, mas fomentar a cooperação a partir de ecossistemas de base nacional, independentes e regulados.
O impacto do unilateralismo também é grave na esfera ambiental.
Os países em desenvolvimento são os mais impactados pela mudança do clima.
A COP30, em Belém, será o momento da verdade e da ciência.
Além de trabalhar pela descarbonização planejada da economia global, podemos utilizar os combustíveis fósseis para financiar a transição ecológica.
Precisamos de uma governança climática mais forte, capaz de exercer supervisão efetiva.
O Brasil convida seus parceiros do BRICS a considerar a criação de um Conselho de Mudança do Clima da ONU, que articule diferentes atores, processos e mecanismos que hoje se encontram fragmentados.
Chamo a atenção para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que queremos lançar na COP30, com o objetivo de remunerar os serviços ecossistêmicos prestados ao planeta.
O Sul Global tem condições de propor outro paradigma de desenvolvimento e de refutar uma nova Guerra Fria.
A futura presidência indiana do BRICS contará com todo o apoio do Brasil para seguir na defesa desses ideais.
A Cúpula do G20, sob a presidência sul-africana, também será espaço para um diálogo abrangente sobre os possíveis caminhos para a ordem internacional.
O unilateralismo jamais conduzirá à realização dos propósitos de paz, justiça e prosperidade que nossos antecessores delinearam em 1945.
O BRICS já é o novo nome da defesa do multilateralismo.”
Com texto da Agência Brasil