Brics: Lula encerra encontro com apelo por multilateralismo

No Brics, Lula criticou o domínio das grandes potências nos organismos internacionais, apontou a ONU como ineficaz diante dos conflitos atuais
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Lula no Brics: “A gente não quer mais um mundo tutelado”. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez, ontem (7), seu discurso de encerramento da Cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro, defendendo a criação de “novos paradigmas” de governança mundial e denunciando o esgotamento da atual ordem multilateral. Entenda na TVT News.

Em sua fala, Lula criticou o domínio das grandes potências nos organismos internacionais, apontou a ONU como ineficaz diante dos conflitos atuais e propôs um Brics mais inclusivo, participativo e comprometido com a paz e o desenvolvimento sustentável.

“A gente não quer mais um mundo tutelado”, declarou o presidente, resumindo sua visão sobre o papel que o bloco, agora ampliado para 11 membros, deve desempenhar no cenário internacional. Particularmente frente a insistentes tentativas de boicote e de interferência dos Estados Unidos do presidente extremista Donald Trump. “Se a gente quiser criar alguma coisa nova no mundo, a gente vai ter que criar novos paradigmas de participação e não pode repetir os mesmos erros”, afirmou, defendendo o fortalecimento do multilateralismo.

Alternativa Brics

A cúpula, que contou com representantes de 11 países-membros e 10 parceiros, além de convidados como o secretário-geral da ONU, António Guterres, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, foi, nas palavras de Lula, “a mais importante reunião que o Brics já fez”. Para o presidente, o bloco se consolida como alternativa para uma nova arquitetura global, mais justa e representativa.

“Queremos uma mudança estrutural no Estatuto da ONU, para que possamos recriar alguma coisa com base nos acontecimentos geopolíticos de 2025, e não de 1945. Aquele mundo ficou para trás”, afirmou Lula, ao cobrar reformas que incluam países africanos, latino-americanos e do Oriente Médio no Conselho de Segurança da organização.

Críticas à ONU e apelo pela paz

O presidente foi enfático ao denunciar a paralisia da ONU diante de conflitos como as guerras na Ucrânia e em Gaza. Segundo ele, o Conselho de Segurança perdeu autoridade e tornou-se parte do problema. “A ONU deveria estar coordenando, mas não pode porque está envolvida nisso. O Conselho de Segurança é composto por países que são promotores de guerras”, disse.

Ao defender a criação de fóruns efetivos de negociação e cessação de conflitos, Lula criticou a ausência de instituições que atuem de forma neutra. “Cadê a instituição multilateral para colocar fim nisso? Não existe”, lamentou.

Novo sistema financeiro e crítica ao FMI

Outro eixo da fala do presidente foi o sistema financeiro global. Lula voltou a criticar o FMI e propôs o Novo Banco de Desenvolvimento como modelo de financiamento mais justo e adequado às necessidades do Sul Global. “Não queremos mudar o FMI porque não gostamos dele, mas porque ele precisa ser um banco de investimento, e não um cobrador que leva países à falência”, afirmou.

O presidente também destacou a importância de flexibilizar o uso do dólar nas transações comerciais entre os países do BRICS, reforçando a defesa do uso de moedas locais. “Ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão. Em que fórum foi decidido isso?”, questionou, lembrando que Brasil e Argentina já haviam adotado essa lógica em 2004.

Inteligência artificial e justiça climática

Em um mundo cada vez mais moldado por tecnologias disruptivas, Lula alertou para a concentração do desenvolvimento da inteligência artificial nas mãos de poucos países e grandes corporações. “Ela não pode ser uma coisa de dominação. É preciso democratizar o acesso à IA e impedir seu uso para fins de guerra ou desinformação”, advertiu.

Na pauta ambiental, o presidente reforçou o papel do BRICS como agente ativo na transição ecológica. Destacando o protagonismo da China e os compromissos do Brasil para a COP30, Lula defendeu que “não é coisa de bicho-grilo cuidar da floresta, dos oceanos, do ar que respiramos. É coisa de quem acredita na ciência”.

Resposta a Trump e reafirmação da soberania

Ao ser questionado sobre declarações do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que ameaçou impor tarifas a países alinhados ao BRICS, Lula respondeu com firmeza: “Não queremos imperador. Somos países soberanos”. E completou: “Respeito é bom e todo mundo gosta”.

Sobre as críticas de Trump em defesa de Jair Bolsonaro, o presidente foi direto: “Esse país tem lei, tem regra e tem um dono chamado povo brasileiro. Deem palpite na sua vida, e não na nossa”.

Brics: novo paradigma global

Ao fim da coletiva, Lula resumiu a importância da cúpula para o futuro das relações internacionais: “O BRICS pode ser essa válvula de escape que a humanidade precisa para fazer alguma coisa nova. Não é um clube de privilegiados, é um conjunto de países querendo criar outro jeito de organizar o mundo”.

Para ele, o BRICS se apresenta como a “única coisa nova que surgiu no mundo nos últimos anos”, nascida de baixo para cima, com base na solidariedade e na construção coletiva. “O mundo mudou e nós estamos tentando construir uma alternativa. E o BRICS está incomodando, porque propõe outra forma de fazer política: mais solidária, mais justa, mais democrática”, concluiu.

Leia a entrevista na íntegra do presidente Lula

Bem, companheiros e companheiras, eu acho que, depois da apresentação do Mauro [Vieira, ministro das Relações Exteriores], das coisas que aconteceram no BRICS, eu termino o dia extremamente feliz, porque eu não tenho dúvida nenhuma que o Brasil já tinha realizado a melhor reunião que o G20 já tinha feito. E o Brasil hoje realizou a mais importante reunião que o BRICS já fez.

Porque nós convidamos novas pessoas, gente importante, para que a gente os convença de que o BRICS é um novo jeito de a gente fazer o multilateralismo sobreviver no mundo.

No BRICS, a gente tem convicção que a gente não quer mais um mundo tutelado. A gente não quer mais guerra fria.

A gente não quer mais desrespeito à soberania.

A gente não quer mais guerra.

E é por isso que a gente está discutindo com muita profundidade a necessidade de mudança estrutural, inclusive no Estatuto da ONU [Organização das Nações Unidas], para que a gente possa recriar alguma coisa com base nos acontecimentos geopolíticos de 2021 e não de 1945.

Aquele mundo ficou para trás. Só os saudosistas daquele mundo – do nazismo, do fascismo – são outros que não estão no BRICS. No BRICS, a gente quer fortalecer o processo democrático, o processo multilateral. A gente quer a paz, o desenvolvimento e a participação social.

Este BRICS teve uma novidade extraordinária, que foi a participação das empresárias mulheres, que é uma novidade boa, e a participação da sociedade civil, representada com um documento que será lido pelo chefe de Estado. Se a gente quiser criar alguma coisa nova no mundo, a gente vai ter que criar novos paradigmas de participação e não pode repetir os mesmos erros.

A gente não quer mudança no FMI [Fundo Monetário Internacional] porque eu não gosto do FMI. A gente quer mudança no FMI para o FMI ser um banco de investimento para atender as necessidades dos países mais pobres. Não é para emprestar dinheiro e levar os países à falência, como tem acontecido, porque o modelo de austeridade que tem sido feito com outros países é fazer com que a dívida seja impagável cada vez mais.

Então, o que nós queremos mudar é criar um sistema financeiro, e o Banco do BRICS serve de modelo, que a gente possa criar um novo tipo de financiamento, em que a gente possa garantir, inclusive, que alguns países que devem possa ser utilizada a dívida como forma de investimento em infraestrutura, no setor da saúde, no setor energético, no setor de infraestrutura.

Alguma coisa tem que mudar! O que a gente não pode é continuar com a mesmice de sempre.

Nós já temos um século de experiência. Depois da Segunda Guerra Mundial, nós já temos quanto? Nós já temos 80 anos de experiência. Teve coisa que deu certo e teve coisa que não deu certo.

O multilateralismo foi uma coisa que deu certo. Querem destruir. Então, essas coisas nós precisamos ter consciência de que o mundo precisa mudar.

Nós estamos vivendo hoje, possivelmente, depois da Segunda Guerra Mundial, o maior período de conflito entre os países. É guerra esparramada para tudo quanto é lado. E o que é mais grave é que o Conselho de Segurança da ONU, que deveria ser o paradigma para tentar evitar que essas guerras acontecessem, eles são os promotores.

Desde a Guerra do Iraque, desde a invasão da Líbia, da morte do Gaddafi [Muammar Gaddafi, ex-líder da Líbia], até a guerra com a Ucrânia. Ou seja, ninguém pede licença para fazer guerra, vai, toma a decisão, e vai fazendo. E depois a ONU perde credibilidade e autoridade para negociar.

Quem é que negocia? A guerra [entre] Rússia e Ucrânia, quem é que negocia?

Não tem uma instituição capaz de sentar na mesa os dois que estão em guerra, fazer uma avaliação e fazer uma proposta. Eu, de vez em quando, digo, eu já disse para algum jornalista brasileiro, no estrangeiro, de que o Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia] já sabe o que vai acontecer e o Zelensky [Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia] já sabe o que vai acontecer.

O que eu acho que está acontecendo nessa guerra, eu dizia outro dia um exemplo, é que nem se fosse em uma greve, o dirigente sindical radicaliza muito para fazer a greve, ele fica dizendo 100% ou nada, 100% ou nada, 100% ou nada, os dias vão passando e ele percebe que não vai vir 100%, mas ele não tem coragem de baixar os 100% para 80, para 90.

Eu queria saber o seguinte: o que vai acontecer na Rússia e na Ucrânia se não houver uma instituição multilateral ou um grupo de países, como foi feito entre China e Brasil, um grupo de amigos que diga: “olha, nem tudo que o Zelensky quer, nem tudo que o Putin quer. Vai ser isso aqui.”

Coloca na mesa uma alternativa. Se não tiver alternativa, vai ficar [em guerra], porque cada um tem o seu discurso para o seu público. E é muito difícil, depois do discurso, você voltar atrás.

É muito difícil. Até vocês, quando escrevem um artigo que uma pessoa reclama que não está correto, vocês têm dificuldade de voltar atrás.

Você imagina numa guerra, imagina numa guerra do setor público.

Então, o mundo, vamos ser francos, o que está acontecendo em Gaza já passou da capacidade de compreensão de qualquer mortal no planeta Terra.

Dizer que aquilo é uma guerra contra o Hamas? E só se mata inocentes, mulheres e crianças? E cadê a instituição multilateral para colocar um fim nisso? Não existe!

A ONU deveria estar coordenando, mas a ONU não pode coordenar, porque ela está envolvida nisso. Então, companheiros e companheiras, quando eu digo a ONU, é porque a ONU é composta, no seu Conselho de Segurança, pelos países que estão envolvidos nisso. Com raríssima exceção, a China, que não está, mas o restante está envolvido, tanto na Europa quanto os Estados Unidos.

Então, você está sem interlocutor. Não existe interlocução para fazer uma proposta alternativa, nem em Israel, nem na Ucrânia, nem no Congo, nem no Sudão. Não tem. Não existe!

É por isso que nós estamos reivindicando uma mudança na governança mundial, que participe país africano, país do Oriente Médio, que participe país da América Latina…

Qual é a explicação de uma Índia não estar no Conselho de Segurança da ONU? De um país como o Brasil? Ou o México? Ou a Nigéria, que tem 240 milhões de habitantes? Ou a Etiópia, que tem 120 e poucos milhões de habitantes? Ou o Egito, que tem mais de 100 milhões habitantes? Ou a África do Sul? Qual é a explicação? Nenhuma.

Ou seja, os que ficaram no Conselho de Segurança, em 1945, não querem sair e não querem permitir que outros entrem. Então, é difícil.

O BRICS, que não nasceu para afrontar ninguém, o BRICS quer apenas ser um outro modelo, um outro modo de fazer política, uma coisa mais solidária, que o banco esteja muito mais preocupado em ajudar os países em desenvolvimento a se desenvolver, os países mais pobres. Que, na questão ambiental, a gente tenha consciência, como foi demonstrada hoje no BRICS, de que todo mundo tem consciência que a questão do clima é muito séria.

As coisas estão acontecendo e nós não controlamos as mudanças das intempéries, nós não mudamos. Então, o que a gente tem é que cuidar para que não haja [os problemas]. Por isso que nós temos que cuidar dos oceanos, cuidar da floresta, cuidar do ar que nós respiramos.

Não existe nenhum radicalismo, não é coisa de ambientalista, não é coisa de universitário, não é coisa de bicho-grilo, como se falava antigamente, não. É coisa de gente que acredita na ciência. O mundo pode passar por uma catástrofe, como essa que aconteceu no Rio Grande do Sul, essa que aconteceu agora no Texas, nos Estados Unidos.

Pode acontecer.

Então, eu acho que o BRICS é um modelo novo, uma coisa nova, uma coisa que se trata com muito mais cuidado, não é uma coisa fechada, não é um clube de privilegiados.

É um conjunto de países querendo criar um outro jeito de organizar o mundo, do ponto de vista econômico, do ponto de vista do desenvolvimento, do ponto de vista da relação humana.

Uma outra coisa tem que ser feita, inclusive sobre a questão da inteligência artificial.

É preciso que a gente, no BRICS, crie um sistema de discussão em que todos possam ter acesso à inteligência artificial. Ela não pode ser uma coisa de dominação de meia dúzia de empresas que vão controlar os bancos de dados no mundo, sabe? Quando, na verdade, o Estado é que tem que assumir a responsabilidade de garantir que não se use banco de dados para fazer guerra, para contar mentiras, para contar inverdades. Não é isso que está em jogo.

E eu acho que, por conta disso, o BRICS está incomodando!

O que que era o mundo antes do BRICS? Inclusive, uma coisa importante que nós vamos ter que criar condições é que, todo ano, a gente vai para a Assembleia Geral da ONU e cada presidente faz o discurso que quer, vai embora. Não escuta o outro, e cada um fala, e vai embora.

É como se fosse um shopping de produtos ideológicos. Cada um vende o que quer, compra o que quer, sem nenhum compromisso de ler ou não.

Ou seja, é preciso que a ONU tenha uma conferência para discutir a questão das guerras.

Vamos passar um dia, dois dias, uma semana discutindo essa questão das guerras. O que a gente vai fazer para acabar com as guerras? O que a gente vai fazer na questão do clima? Se a ciência nos ensina e nós tomamos decisão, quem é que vai cumprir? Quem é que vai cobrar?

Se a gente não tiver uma instituição de governança mundial com mais representatividade e com mais seriedade, nós estamos entrando em um sistema muito, muito, muito destrutivo do funcionamento da relação entre Estados, que não faz bem para ninguém. Me parece que o BRICS pode ser essa válvula de escape que a Humanidade precisa para fazer alguma coisa nova.

Eu, sinceramente, acho que a gente até deveria convidar os [demais] países, porque nós já fomos dez do G20 no BRICS. Dez. É só convidar os outros dez para vir para o BRICS. Aí fica uma coisa só, todo mundo discute o mesmo assunto.

Não precisa ter G7, ter G20. Fazer uma coisa só, todo mundo, que poderia ser a ONU, o grande centro de debates dos problemas mundiais. Não é mais! E todo mundo sabe que não é.

Por isso é que o Brasil, há tempo, reivindica o direito de participar.

Bem, eu estou muito feliz com essa reunião e estou muito feliz com o papel que o Brasil tem jogado nisso, porque nós já fizemos o G20 no final do ano passado, estamos fazendo agora o BRICS, vamos fazer a COP30 no final do ano. São três eventos magnânimos, muito importantes, e nesses três eventos o Brasil quer criar um novo paradigma de comportamento.

Na COP30, no Brasil, nós vamos ter que discutir uma coisa muito séria. Os líderes do mundo acreditam no que a ciência está falando sobre a questão do clima? É verdade o que a ciência tem nos mostrado? Que as mudanças são concretas e irreversíveis se nós não mudarmos de comportamento?

Se nós acreditarmos que é, nós vamos ter que tomar atitude!

Não vamos ficar esperando que os donos dos foguetes vão sobrevoar para achar um planeta. Tem gente procurando lugar para morar, mas oito bilhões de seres humanos não têm onde morar.

É aqui mesmo. É aqui. Então, nós precisamos cuidar disso.

Está nas nossas mãos cuidar. O Brasil tem os seus compromissos, aqui nos países do BRICS há muito compromisso. Eu quero lembrar a vocês que em 2010, 2009, na COP de Copenhague, a China era tratada como se fosse a bandida poluidora do mundo.

É importante lembrar, eu estava lá. O Celso Amorim [Assessor-Chefe da Assessoria Especial do presidente da República] estava lá. O Mauro não estava, porque o Mauro é um jovem. Não estava lá.

Pois bem, naquele encontro, a China era tida como bandida. Estados Unidos, França, Alemanha, todo mundo queria punir a China.

Nós nos recusamos a fazer parte, dizendo que tinha um contencioso a ser pago, tinha um passivo. Os países industrializados tinham poluído o planeta muito mais do que a China, e eles não tinham pago nada. Então, o que nós queríamos é que eles pagassem esse contencioso.

Hoje, possivelmente, a China seja o melhor modelo de país que está enfrentando a questão do clima. É o mais rápido na transição energética. E está tentando fazer com que a economia, efetivamente, seja uma economia desenvolvida de baixo carbono. Deveria servir de exemplo para o G7, para muitos países ricos.

É disso que nós tratamos aqui e é [sobre] isso que eu acho que nós vamos fazer os debates daqui para frente.

É importante dizer, o que foi decidido aqui é que nós não queremos continuar vivendo no mundo como estamos vivendo. É preciso mudar o nosso comportamento com relação ao tratamento da saúde do povo.

É preciso que a gente mude o nosso comportamento com relação ao modelo de desenvolvimento. É preciso que haja mais financiamento e precisa mudar o modelo de financiamento. E também que a gente precisa construir a paz no mundo.

Essas são as coisas mais sagradas que nós decidimos.

Eu, sinceramente, estou feliz. Acho que foi mais uma coisa forte que o Brasil mostrou que tem competência de articular.

E eu termino aqui com vocês muito, muito, muito agradecido. Pense, eu estou triste de um lado porque o Corinthians não foi convidado para disputar essa Copa do Mundo. Se fosse, estaria na final. Mas não foi.

Então fica aí a minha tristeza e a minha alegria porque o BRICS está se tornando campeão do mundo em políticas, sabe, ambientais, em políticas de inteligência artificial, em políticas de desenvolvimento e envolvimento da sociedade no debate.

Dito isso, eu me coloco à disposição de vocês para meia pergunta.

ENTREVISTA COLETIVA

CARLOS MENESES (EFE): Ontem à noite, numa rede social, o presidente Trump [Donald Trump, presidente dos Estados Unidos] falou que vai impor uma tarifa adicional de 10%. Abro aspas, “qualquer país que se alinhar às políticas antiamericanas do BRICS.” Fecha aspas. O que o senhor acha dessa declaração do presidente dos Estados Unidos? Muito obrigado.

PRESIDENTE LULA: Ora, eu, sinceramente, nem acho que eu deveria comentar, porque eu não acho uma coisa muito responsável e séria, um presidente da República de um país do tamanho dos Estados Unidos, ficar ameaçando o mundo através da internet. Não é correto.

Ele precisa saber que o mundo mudou. Não queremos imperador. Nós somos países soberanos.

Se ele achar que ele pode taxar, os países têm o direito de taxar também. Existe a lei da reciprocidade. Eu acho muito equivocado e muito irresponsável um presidente ficar ameaçando os outros em redes digitais.

Sinceramente, tem outros meios e outros fóruns para um presidente de um país do tamanho dos Estados Unidos falar com outros países. As pessoas têm que aprender que respeito é bom. Respeito é muito bom. A gente gosta de dar e gosta de receber.

E é preciso que as pessoas leiam o significado da palavra soberania. Cada país é dono do seu nariz.

CAMILA ZARUR (Valor Econômico): Oi, presidente, boa tarde. É ainda sobre o presidente Trump e ele fez um aceno ao ex-presidente Bolsonaro falando que está acompanhando “uma caça às bruxas” que está sendo feita a ele. O senhor falou agora de soberania, tinha falado mais cedo sobre respeito e interferência. É cabível medidas diplomáticas? O Brasil vai reagir? O que o senhor vê sobre essa situação?

PRESIDENTE LULA: Olha, eu não vou comentar essa coisa do Trump e do Bolsonaro. Eu tenho coisa mais importante para comentar do que isso. Esse país tem lei, esse país tem regra e esse país tem um dono chamado povo brasileiro. Portanto, deem palpite na sua vida e não na nossa.

ANA IONOVA (New York Times): Olá, boa tarde, presidente. Minha pergunta é sobre a ameaça de tarifas porque nesse grupo que acabou de fazer esse encontro, tem vários países que, nesse momento, estão negociando, tentando conseguir algum acordo com os Estados Unidos e tentar fugir de regimes tarifários duros. Eu queria saber se essas ameaças feitas pelo presidente Trump afetaram, de alguma forma, a dinâmica do grupo nesse encontro e se ameaçam a sintonia e o consenso do grupo. Obrigada.

PRESIDENTE LULA: Eu só estou sabendo disso porque você me perguntou. Na reunião dos BRICS, ninguém tocou nesse assunto. Ou seja, é como se ninguém tivesse falado. Não demos nenhuma importância para isso.

SIMONE IGLESIAS (Bloomberg): Oi, presidente. Boa tarde. O senhor está me ouvindo bem? Nós gostaríamos de saber se avançaram as discussões para a nova plataforma de investimentos em moeda local para reduzir o peso do dólar nas negociações entre os países do BRICS, ou se isso, pelo tamanho e diferenças das economias dos países que integram o bloco, é um desafio gigantesco. E a gente também, o pessoal das agências internacionais, queria perguntar sobre o Irã. O Irã discordou da posição de consenso dos países com relação à criação dos dois estados.

Esse já era um assunto superado pelas 16 reuniões anteriores do BRICS. Então, como é que se navega nesse desafio de um novo país que tem esse desentendimento? Muito obrigada.

PRESIDENTE LULA: Veja, primeiro, eu queria dizer que, com relação à posição do Irã, ninguém vai pedir para o Irã mudar de posição. E a posição do Irã, na lógica dos outros países, é uma coisa do Irã. Como o Irã está lá perto, está no calor das disputas, ele pode pensar [diferente]. Mas nós continuamos achando que é preciso criar os dois estados, e que vivam em harmonia, se desenvolva sem nenhum problema de atropelo de um país sobre o outro. Essa é uma tranquilidade para nós.

A outra pergunta, qual foi? [Plataforma de moedas locais] Veja, essa é uma coisa que, se vocês, jornalistas brasileiros, se lembrarem, em 2004, nós fizemos isso com a Argentina. Se vocês se lembrarem, em 2004, nós aprovamos um comércio entre Brasil e Argentina que poderia ser feito nas moedas locais.

E os bancos centrais, de tempos em tempos, se reúnem e conseguem estabelecer a liquidez das nossas relações. No caso de Brasil-Argentina, nós tivemos um erro que foi fazer optativo, não foi uma coisa determinativa. E é muito difícil você fazer as pessoas mudarem aquilo que já estão acostumadas há muitas décadas.

Eu acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar. Quando for com os Estados Unidos, ela passa pelo dólar. Mas, quando for com a Argentina, não precisa passar.

Quando for com a China, não precisa passar. Quando for com a Índia, não precisa passar. Quando for com a Europa, discute-se em euro.

Ou seja, ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão. Em que fórum foi determinado? E, obviamente, nós temos toda a responsabilidade de fazer isso com muito cuidado. Os nossos bancos centrais precisam discutir isso com os bancos centrais dos outros países.

Mas é uma coisa que não tem volta. Isso vai acontecendo aos poucos e vai acontecendo até que seja consolidado.

BRUNO (Agência Brasil): Boa tarde, presidente. A declaração final dos líderes fala de justiça tributária. Dá destaque a isso. Então, é um assunto que vai ganhando relevância no BRICS, no Sul Global, no cenário internacional. Como essa relevância pode influenciar a agenda interna do Brasil, agora que no Congresso tem a discussão sobre isenção do Imposto de Renda, taxação de super ricos? E como [essa relevância] pode pautar, também, o que o governo vai levar para a audiência de conciliação no STF na próxima semana?

PRESIDENTE LULA: Eu não estou participando de nenhuma mesa de conciliação. Veja, nós mandamos uma proposta para o Congresso. O Congresso resolveu fazer uma coisa, na minha opinião, totalmente anticonstitucional, porque Decreto é uma prioridade do governo, do Executivo.

Houve um PDL do Congresso Nacional que derrubou. Nós entramos na Justiça. Eu não li ainda a decisão do ministro Alexandre de Moraes, porque eu estava aqui no BRICS, mas nós temos outras decisões de outros ministros, diferente da decisão do Alexandre de Moraes. Nós temos decisões, no caso do ministro Gilmar [Mendes, do STF], aprovando IOF, quando o Fernando Henrique Cardoso [ex-presidente da República] era presidente. Nós temos IOF aprovada no governo Bolsonaro [Jair Bolsonaro, ex-presidente da República]. Então, sabe, quando eu chegar hoje em Brasília, amanhã, eu ainda tenho que receber o primeiro-ministro Modi [Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia] como chefe de Estado.

Amanhã e na quarta-feira ainda recebo o presidente Prabowo [Subianto] da Indonésia. Depois, eu vou conversar com o meu advogado-geral da União para ele cuidar desse assunto. É simples assim.

Não tem nada de anormal. Tem uma divergência política que é própria da democracia e vamos resolvendo os problemas.

CARLA PARELO (Marcha Notícias): Obrigada. Boa tarde, presidente. Eu gostaria de perguntar para você qual é a importância da América Latina no bloco dos BRICS, que se tornou o Brasil como representante permanente depois da rejeição da Argentina e de que a Venezuela fosse vetada também.

Então, qual seria o próximo passo agora? Se tem alguma intenção de ampliação do bloco em geral também, de repente, poderia ser em outros mecanismos, como o foro empresarial, das mulheres, o foro civil, etc. Gostaria de saber isso. Obrigada.

PRESIDENTE LULA: Olha, o BRICS, se eu pudesse utilizar o Raul Seixas [cantor e compositor baiano], eu poderia dizer para vocês que o BRICS é uma “metamorfose ambulante”. Não é aquela coisa que já está pronta. O BRICS é uma criança em crescimento. Nós estamos aprendendo, tentando não repetir os erros dos outros, estamos tentando fazer algo novo. Portanto, eu estou muito tranquilo com o BRICS, muito tranquilo.

Acho que o BRICS é a coisa nova que surgiu no mundo em que a geopolítica estava determinada por meia dúzia de países considerados ricos. Se você ver o absurdo do que é o mundo, você veja o FMI, embora o BRICS represente metade do PIB do mundo, o BRICS só tem 18% no FMI de representatividade. Eu lembro que, quando a gente estava disputando as Olimpíadas, a China tinha um delegado e a Suíça tinha cinco, a Itália tinha cinco.

Ou seja, então, a verdade nua e crua é essa. Os países ricos tomaram conta das instituições multilaterais e nós ficamos, quase que na borda, vivendo de favores. O que nós queremos é construir um BRICS em que a relação seja justa, em que todos participem da decisão e que a decisão seja sempre tomada da forma mais democrática possível.

Eu estou convencido que nós estamos criando a única coisa nova que surgiu no mundo nos últimos anos, que é uma coisa que surgiu de nós, não surgiu de cima para baixo, surgiu de baixo para cima. E temos a sorte de ter países importantes, como a China, como a Índia, como a Indonésia, como o Brasil, como a África do Sul, e outros vão entrando. Nós não temos porteira fechada, quem quiser entrar, diz que quer entrar, nós vamos avaliar.

E na hora que a gente avalia, a gente faz o convite. É assim que é.

Todos agora somos Fluminense, hein? Todos. Um abraço.

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