Cadeirada em Marçal: política trocada por reality show

Baixo nível do debate eleitoral contribui para o surgimento de candidatos com discurso anti política e sem propostas
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Momento da agressão de Datena em Marçal. Imagem: Reprodução TV Cultura

A cadeirada de Datena em Pablo Marçal durante o debate na TV Cultura do domingo (15) é mais um episódio de uma série de acontecimentos na campanha para prefeito em São Paulo que contribui para afastar a política do propósito de debate dos temas públicos e abre caminho para os chamados “outsiders”, geralmente identificados com as teses da direita. É o que afirmam os analistas políticos entrevistados pela reportagem da TVT News.

A agressão durante o debate da TV Cultura foi a escalada de outras agressões verbais que aconteceram em debates anteriores. Analistas entendem que é uma estratégia para gerar os chamados recortes nas redes sociais, uma vez que o Marçal não tem tempo de rádio e TV no horário eleitoral gratuito.

“É um modus operandi que parece ter tomado conta do debate público. Essas provocações especialmente de cunho pessoal são usadas a exaustão nas redes sociais porque além de criarem cortes para os perfis de cada candidato ou pessoa pública, levam a milhares de compartilhamentos por parte dos seus seguidores, alimentando a bolha de cada candidato”, afirma o pesquisador do Unicef Marcelo Valio, especialista em Direito Constitucional e Direitos Humanos.

Para o sociólogo Tadeu Kaçula, este e outros momentos simbolizam a quebra do contrato social. “Quando perdemos a capacidade de debatermos ideias e passamos a fazer da política um campo em que o direito ao contraditório é sumariamente ignorado e transformado em ringue com direto a agressão física, significa dizer que este modelo de contrato social a qual estamos submetidos não dá conta das contradições políticas e sociais as quais o nosso país está subordinado”, argumenta Kaçula.

O uso das agressões verbais e mentiras pelas redes sociais não encontra respostas, via Judiciário, em tempo hábil. O que aumenta a utilização desses recursos. “Tudo isso ajuda a tirar a credibilidade do sistema eleitoral”, argumenta o advogado Antônio Carlos Morad.

Apito de cachorro para a direita

A polêmica nas redes sociais e a contaminação do debate tomam o lugar do objetivo da política, da Ágora, ou seja, das discussões sobre os temas de interesse público. No caso de uma eleição municipal, de obras de saneamento, urbanização, transporte, educação, saúde e cultura. Além disso, abrem caminho para os nomes que se dizem fora da política e que buscam ganhar votos dos eleitores que se dizem cansados de “de tudo que está aí”. O que é muito perigoso. O MBL é um dos exemplos.

“A tese do antipolítico que entra para a política para ‘fazer tudo diferente’ também não é um fenômeno recente. Na redemocratização tivemos essa persona no então candidato Fernando Collor de Mello, que se elegeu e, depois, sofreu um impeachment. No discurso anti-sistema não há necessidade de saber o que ocorre realmente na cidade, no estado ou no país. Basta que palavras do senso comum associadas à política sejam usadas para que elas causem o efeito desejado”, analisa Valio.

  • Vídeo: No programa Bom Para Todos, especialista avalia repercussão nas redes

Bolsonaro, em 2018, entre outros fatores, foi levado a surfar nessa onda, alimentado pelo clima que a operação Lava Jato deixou no país. Na mesma linha, foi Witzel, a eleição para governador do Rio de Janeiro. Ambos de triste lembrança para a democracia brasileira.

O uso das imagens para explorar sentimentos do eleitorado é histórico na política. Para o bem e para o mal. O tiro no peito de Getúlio Vargas freou o golpe em dez anos. Mas os políticos dos anos 2000 usam o pior do recurso. De José Serra, na tentativa de criminalizar a bolinha de papel, até a cadeirada do debate deste domingo, a política só tem perdido espaço para o grotesco e para a espetacularização.

“Com diversos candidatos despreparados para a questão real da política e da ação propriamente dita, o que resta são a polêmica e as frases de efeito, jocosas ou ofensivas, que engajam e servem como o famoso ‘dog whistle‘ ou apito de cachorro, reverberando em quem também tem os mesmos pensamentos e criando um círculo vicioso que retroalimenta esse tipo de atitude”, alerta o pesquisador Marcelo Valio.

Para Tadeu Kaçula, é uma disputa de poder preocupante . “Estamos presenciando estarrecidos ao uso da violência para se fazer política objetivando chegar ao poder, seja com ‘facadas’, seja com ‘tiros nas orelhas’ ou até mesmo à base de cadeiradas”.

Vídeo: Propostas dão lugar a provocações

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