O cessar-fogo entre Israel e o Hamas entrou em vigor nesta sexta-feira (10), após dois anos de ataques israelenses que deixaram mais de 67 mil mortos na Faixa de Gaza. Nas próximas 72 horas, segundo o acordo, deve ocorrer a libertação gradual dos reféns e prisioneiros palestinos. Apesar das cenas de celebração e do retorno de centenas de famílias às ruínas do norte do território, a avaliação de Marcos Feres, secretário de comunicação da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), é de que o pacto “não representa paz, mas apenas uma pausa temporária na matança”. Leia em TVT News.
Em entrevista ao Jornal TVT News Primeira Edição, Feres afirmou que o discurso de paz promovido pelos países ocidentais e pelo governo israelense é parte de uma estratégia política para legitimar o processo de ocupação. “Essa própria linguagem — paz — é a linguagem do colonizador. Os palestinos querem libertação. Essa é a direção do movimento palestino”, disse. Para ele, o cessar-fogo foi costurado “em termos muito vagos” e não trata das questões centrais da causa palestina, como a criação de um Estado soberano e o direito à autodeterminação.
O dirigente da Fepal destacou que o plano de reconstrução de Gaza, liderado por aliados do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, expõe o caráter econômico e colonial do acordo. “São grandes especuladores imobiliários norte-americanos, gente especializada em pegar áreas degradadas e transformar em empreendimentos de luxo. Vão oferecer mixarias para quem perdeu tudo, obrigando palestinos a vender suas terras e sair. É gentrificação sob os escombros de um genocídio”, afirmou.
Segundo Feres, o novo arranjo internacional que se propõe a administrar Gaza “é um escárnio com o povo palestino e com a humanidade”. Ele citou a presença de nomes como Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, no comitê que supervisionaria a transição no território. “A ideia de ressuscitar um dos maiores criminosos de guerra desse século como príncipe regente das ruínas de Gaza mostra o tamanho da indecência desse plano. Isso não é reconstrução — é continuidade da ocupação por outros meios.”
Feres também criticou a ausência de medidas que responsabilizem Israel pelas violações do direito internacional. “Discutir paz e discutir uma solução justa e duradoura para a questão palestina pressupõe o fim do sionismo como ideologia colonial e supremacista. Nada que não enfrente a ocupação e o apartheid pode ser chamado de paz. É apenas o prolongamento da catástrofe palestina.”
O representante da Fepal lembrou que o cessar-fogo atual repete fórmulas anteriores, nas quais Israel obtém concessões imediatas — como a libertação de reféns — enquanto posterga indefinidamente o reconhecimento dos direitos palestinos. “A gente vive 77 anos de ‘depois a gente vê’. Esse acordo é mais um capítulo disso. O povo palestino precisa de respiro, mas não pode ser forçado a aceitar concessões impostas sob fome e destruição.”
Questionado sobre a possibilidade de uma rearticulação política interna na Palestina, Feres explicou que há esforços para superar a fragmentação entre as autoridades de Gaza e da Cisjordânia, estimulada historicamente por Israel. “A bicefalia governamental é parte da tragédia palestina. Ela impede qualquer avanço real rumo à autodeterminação. Desde o ano passado, as forças políticas palestinas vêm tentando um acordo de unidade nacional, mediado pela China. Essa é a base para reconstruir a vida política palestina, mas é preciso libertar as lideranças que estão presas — como Marwan Barghouti, que unificaria o povo palestino e venceria qualquer eleição.”
Para Feres, enquanto perdurar a ocupação e a destruição física e social de Gaza, “nenhum processo democrático é possível”. Ele lembra que Israel mantém cerca de 17 mil palestinos presos, muitos sem julgamento, e inclusive cidadãos brasileiros entre eles. “Temos 11 brasileiros detidos ilegalmente, um deles menor de idade. Outro, também menor e primo do primeiro, foi assassinado este ano numa prisão israelense. Isso mostra o nível de brutalidade e de impunidade que vigora.”
O secretário afirmou ainda que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu utiliza o cessar-fogo como manobra política para se manter no poder. “Internamente, ele está sob pressão e ameaçado de perder a maioria no Parlamento. Precisa mostrar resultados. Vai alegar que o cessar-fogo foi conquista militar, mesmo sem ter atingido nenhum objetivo. Assim que consolidar ganhos políticos, Israel vai buscar um pretexto para retomar os bombardeios”, avaliou.
Para os próximos dias, Feres prevê apenas uma “troca de prisioneiros e reféns” antes da retomada das hostilidades. “O que deve acontecer é Israel conseguir o que quer — seus prisioneiros libertos — e, logo em seguida, voltar a atacar. Ou, no melhor dos cenários, manter uma ocupação piorada, como faz no sul do Líbano há mais de um ano, com ataques e assassinatos diários. Isso não é paz, é a normalização do apartheid e do genocídio.”
Encerrando a entrevista, Marcos Feres resumiu o sentimento da comunidade palestina diante do anúncio: “O que chamam de cessar-fogo é apenas o intervalo entre duas ofensivas. Enquanto não houver o fim da ocupação, da limpeza étnica e do projeto sionista, não há paz possível. Há apenas o silêncio sobre as ruínas de Gaza.”