‘As lágrimas param, mas não secam’: Mães de Osasco e Barueri fazem ato por memória e justiça

Maior chacina do Estado de São Paulo completou dez anos no último dia 13
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As famílias formam uma rede de solidariedade e participam de protestos e julgamentos. Foto: Rebeca de Ávila

A Chacina de Osasco e Barueri completou uma década na última quarta-feira (13). O extermínio de pelo menos 29 pessoas entre 15 e 40 anos por agentes de segurança pública ficou conhecido como a maior chacina do Estado de São Paulo. Em memória das vítimas, as mães e familiares realizaram um ato neste sábado (16). Saiba mais em TVT News.

Ao lado da quadra de esportes da rua Alagoinha, no bairro Jardim Mutinga, as Mães de Osasco e Barueri se reúnem anualmente para pedir justiça por seus filhos e para que a história não seja esquecida. Neste ano, estiveram presentes também as Mães de Maio, de Manguinhos e da Rocinha. 

A mobilização de mães que se unem no luto e na luta é comum em casos de violência do Estado contra a população negra e periférica. “Eu tô aqui de pé por causa de vocês, é vocês que me dão força”, disse Zilda Maria de Paula, 72, conhecida como Dona Zilda, mãe de Fernando Luiz de Paula, morto aos 35 anos com um tiro no rosto no Bar do Juvenal, onde outras nove pessoas foram baleadas.

Dona Zilda encabeçou o movimento de mães de vítimas da chacina, assim como a Associação 13 de Agosto, após a morte de seu único filho. A mãe costuma dizer que “as lágrimas param, mas não secam”. Neste sábado, no ato na periferia de Osasco, vestia uma camisa do time de várzea Bola +1 FC, do qual Luiz Fernando fazia parte.

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Em 2023, Dona Zilda recebeu o primeiro Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, que honra promotores e defensores dos direitos humanos em São Paulo. Foto: Rebeca de Ávila

Em 2015, quando ocorreu a chacina de Osasco e Barueri, o Estado de São Paulo registrou outros 18 massacres com mais de três mortes, de acordo com levantamento de Camila Vedovello, doutora em Sociologia pela Unicamp. Morticínios como esse fazem parte da história de Osasco desde os anos 1980 — durante toda a década, a cidade foi a única da Zona Oeste a registrar esse tipo de crime.

Aparecida Gomes da Silva Assunção, mãe de Leandro Pereira Assunção, 36, que foi morto ao voltar do trabalho, também no Bar do Juvenal, questiona: “Eu ouvi muito que ele estava no lugar errado e na hora errada. Se ele estivesse em Alphaville, ele estaria no lugar errado e na hora errada?”.

“Se tivesse justiça nesse país, isso já teria acabado há muito tempo”, lamentou Aparecida sobre a persistência das chacinas no Brasil. O caso de Osasco e Barueri é considerado judicialmente concluído, mas as famílias entendem que a justiça não foi feita. Nenhum dos pedidos de reparação foi atendido até o momento.

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O movimento de Manguinhos, do Rio de Janeiro, reúne mães de filhos encarcerados ou mortos pelo Estado. Foto: Rebeca de Ávila

Além dos mortos na chacina, quem fica também sofre os efeitos da violência. Antônia Lúcia Gomes da Silva, mãe de Jailton Vieira da Silva, morto aos 30 anos quando esperava por uma pizza em um bar, conta que sua mãe teve um derrame ao receber a notícia. 

Há dois meses, a mãe de Antônia faleceu, após passar dez anos na cama. Antônia morava em Embu-Guaçu e se mudou para Barueri após a perda do filho para cuidar dos três netos órfãos, que passaram a ter medo da polícia. “O sofrimento continua e não vai parar por aí, porque se tem um policial solto na rua, vai acontecer a mesma coisa”, diz Antônia.

O filho de Rosa Francisca Correa, Wilker Thiago Correa Osorio, foi morto aos 29 com 40 tiros pelas costas quando estava voltando do trabalho. “Isso tem que acabar, nós não aguentamos mais a injustiça e a impunidade”, diz a mãe. 

O que foi a Chacina de Osasco e Barueri?

Em agosto de 2015, um grupo de extermínio formado por membros da Polícia Militar (PM) e da Guarda-Civil Metropolitana (GCM) promoveu um morticínio em Osasco, Barueri e Itapevi, cidades da região metropolitana de São Paulo. A matança ocorreu em duas datas: 8 de agosto, no que ficou conhecido como “pré-chacina”, e 13 de agosto, quando 19 pessoas foram mortas sem mais nem menos entre as 21h e às 23h.

Considerando os ataques nos dois dias, em Osasco, 17 pessoas foram assassinadas, em Barueri, três, em Itapevi, quatro, e em Carapicuíba, uma. De acordo com a investigação, os crimes foram uma vingança pela morte do GCM Jefferson Rodrigues da Silva, e do PM Avenilson Pereira de Oliveira, em 8 e 12 de agosto, respectivamente. 

Os agentes mortos faziam bicos em comércios locais, ou seja, prestavam serviços ilegais de segurança. Como forma de passar um recado aos moradores e demonstrar poder, os dias seguintes foram de terror em bares, ruas e pequenos comércios. 

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Câmeras de segurança registraram um ataque em um bar em Barueri. Foto: Reprodução

Os jovens mortos na chacina não tinham relação alguma com os crimes. Enquanto estavam andando na rua, voltando do trabalho ou em momentos de descontração, foram assassinados aleatoriamente por agentes de segurança encapuzados e fora do serviço. O conhecimento do sistema policial ajudou os oficiais a deixarem poucos rastros.

À época, o então Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, disse que no mínimo 10 pessoas cometeram os assassinatos. A Polícia Civil identificou oito agentes envolvidos, mas apenas quatro foram denunciados.

Dez anos depois da chacina, dois policiais estão presos, enquanto um GCM e um PM foram absolvidos. Fabrício Emmanuel Eleutério foi condenado a 255 anos, 7 meses e 10 dias de prisão e Thiago Barbosa Henklain recebeu a pena de 247 anos, 7 meses e 10 dias de prisão.

O PM Vitor Cristilder e o GCM Sérgio Manhanhã chegaram a ser condenados, mas foram inocentados em 2021 pelo que o Tribunal do Júri considerou falta de provas. Mensagens trocadas entre ambos faziam parte das evidências que os associavam à chacina, mas a tese de que foram apagadas para “liberar espaço na memória” foi aceita pelos jurados.

Em 2023, Cristilder foi reincorporado à força policial após ter seu pedido acatado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário de segurança pública, Guilherme Derrite.

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