De Roma a Kuala Lampur, passando por Mar-a-Lago: onde pode ocorrer encontro Lula e Trump

Na pauta do encontro, a retomada das relações entre Brasil e Estados Unidos, que encontra-se no seu pior momento
Trump sugeriu encontro após citar "excelente química" com líder brasileiro. Foto: Daniel Torok/Casa Branca/Ricardo Stuckert/PR

Depois do aperto do abraço e dos elogios públicos trocados nos corredores da Assembleia Geral da ONU, o governo brasileiro e assessores norte-americanos começaram a alçar possíveis cenários para o primeiro encontro formal entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump. Leia em TVT News

Onde pode ocorrer o encontro Lula e Trump

A conversa — anunciada por Trump como um compromisso “na semana que vem” após ele dizer que Lula “parece um cara muito legal” e que tiveram “ótima química” — ocorre em meio a uma crise bilateral marcada por tarifas elevadas impostas pelos EUA e sanções a autoridades brasileiras.

Três tipos de locais surgem com mais força nas articulações diplomáticas: um espaço neutro na Europa (com Roma entre as alternativas), um encontro em território asiático (Kuala Lumpur aparece como possibilidade) e uma reunião em solo americano, com Mar-a-Lago — a propriedade privada de Trump na Flórida — como opção de preferência por parte de parte da administração dos EUA. Cada cenário traz vantagens e riscos políticos e de imagem, e o Itamaraty avalia cuidadosamente qual formato melhor protege a soberania e a segurança do presidente brasileiro.

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O encontro, segundo Trump, durou cerca de 20 segundos, mas deixou uma impressão positiva para o líder norte-americano

Mar-a-Lago: privacidade e riscos políticos

O resort de Palm Beach é visto, segundo fontes brasileiras ouvidas pela imprensa, como um ambiente favorável para conversas reservadas: é privado, com acesso controlado, e já foi palco de reuniões bilaterais do próprio Trump com chefes de Estado. Para aliados norte-americanos, Mar-a-Lago facilitaria um encontro “discreto”, sem a cerimônia e a exposição do Salão Oval — algo tentador frente ao temor brasileiro de cenários de constrangimento público.

Ainda assim, levar Lula à propriedade pessoal de Trump implica riscos simbólicos e de percepção interna no Brasil: a imagem de um presidente brasileiro em clima íntimo na propriedade do mandatário que aplicou tarifas e sanções poderia gerar críticas contundentes na oposição e na sociedade civil.

Roma: logística e oportunidade diplomática na Europa

A capital italiana aparece nas conversas porque coincide com a agenda internacional de outubro do presidente brasileiro — e por ser sede de fóruns e encontros multilaterais que podem facilitar um “encontro de passagem” em território europeu. Um encontro em Roma permitiria maior controle protocolar e visibilidade internacional, mas também tornaria a reunião mais pública e sujeita a cobrança política imediata no Brasil, já que o contexto envolve acusações recíprocas sobre intervenção em processos internos e liberdade democrática.

Para Brasília, Roma é atraente por oferecer neutralidade geográfica relativa em relação aos Estados Unidos. No próximo mês, Lula deve viajar a Roma, no dia 13, para participar de um evento promovido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A presença do líder norte-americano ainda não foi confirmada.

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Trump reforçou a retórica de soberania absoluta, enquanto Lula defendeu nova ordem multipolar. Foto: Mark Garten/Laura Jarriel/UN

Kuala Lumpur: território neutro e equacionamento asiático

A opção pela Malásia — especificamente Kuala Lumpur — é encarada por assessores como uma alternativa de “território neutro”. A ideia, segundo fontes, é realizar o encontro em um fórum internacional ou durante compromissos do presidente brasileiro na Ásia, minimizando a sensação de submissão simbólica e evitando a armadilha da casa alheia. A escolha de Kuala Lumpur também sinalizaria uma estratégia diplomática de diversificação de interlocutores e um gesto de independência frente à pressão norte-americana. Ainda não há convites formais, e o Itamaraty aponta que, antes de um encontro presencial, telefonemas ou videoconferências reservadas podem servir para sondar terreno. O encontro poderia ocorrer às margens da Cúpula da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), que acontecerá no final de outubro.

Na pauta: o “tarifaço”, sanções e garantias de respeito à soberania

O “tarifaço” imposto pelos EUA — atos executivos que elevaram alíquotas sobre uma série de produtos brasileiros (chegando a 50% em medidas recentes) — é inevitavelmente o centro da agenda negociadora. Desde julho, quando as medidas foram formalizadas, o impacto sobre setores como carne, café e outros tem provocado perdas de receita e reorientação de mercados por exportadores brasileiros.

Além das tarifas, Washington adotou sanções e restrições de vistos a autoridades brasileiras, tema sensível para Brasília que vê nas medidas um questionamento ao funcionamento de seu Judiciário e à soberania das instituições. A eventual conversa terá, portanto, de cobrir tanto medidas concretas de comércio quanto garantias políticas sobre o tratamento de autoridades brasileiras.

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Tarifaço de Trump entrou em vigor em 6 de agosto. Foto: Daniel Torok/The White House e Ricardo Stuckert/PR

O contexto político e econômico que cerca o possível encontro não é neutro: houve pressão de grupos empresariais — com destaque para grandes frigoríficos e exportadores — buscando aliviar as medidas protecionistas americanas, e relatos indicam que interlocutores privados já tentaram influenciar o quadro em favor de reabertura comercial. A cúpula presidencial serviria, além de instrumento diplomático, como palco para trocas rápidas sobre exceções, cronogramas e eventuais desconexões entre retórica política e acordos técnicos.

Formato e calendário: conversa por telefone antes de tudo

Fontes oficiais brasileiras afirmam que, por ora, a prioridade é uma conversa telefônica ou por videoconferência — reservada — para testar termos e garantias antes de marcar um encontro presencial. A estratégia busca reduzir riscos de exposição midiática e evitar armadilhas protocolares que possam desestabilizar a posição de Lula em relação a críticas internas sobre cedência a pressões externas. Caso a conversa avance, a definição do local deverá levar em conta segurança, simbologia e a capacidade de gerar resultados técnicos rápidos, sobretudo nos temas comerciais.

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Trump assiste ao discurso de Lula na 80ª Assembleia Geral da ONU. Foto: ONU/Divulgação

Independentemente do palco — Mar-a-Lago, Roma ou Kuala Lumpur —, o que está em jogo é muito mais que fotos protocolares: trata-se de recompor canais diplomáticos, conter danos econômicos para setores exportadores brasileiros e encontrar uma saída política que não seja percebida, no Brasil, como uma capitulação. O sucesso desse processo dependerá de negociações técnicas rápidas e, sobretudo, de um desenho de comunicação que proteja a autonomia das instituições brasileiras enquanto busca soluções práticas para o impacto do tarifaço e das sanções.

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