Desafios e oportunidades frentes à taxação de Trump

Crise gerada pela taxação revelou uma confluência de fatores decisivos
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Ofensiva de Trump e da extrema-direita visa constranger autonomia do Brasil. Foto: Molly Riley/Casa Branca

Por Luiz Azevedo*

Sócio da Veredas Inteligência Estratégica, contratada da CUT, para a TVT News

A imposição de novas e pesadas tarifas sobre produtos brasileiros pelo governo de Donald Trump alterou o tabuleiro político e gerou um cenário de intensos desafios. Mais do que uma medida econômica, trata-se de um ataque frontal à soberania nacional, que tem encontrado uma resposta firme do governo brasileiro e aberto um novo capítulo na disputa política interna.

A crise gerada pela taxação revelou uma confluência de fatores decisivos. De um lado, o oportunismo de bolsonaristas, que festejaram uma medida que prejudica o Brasil. De outro, a reação popular impulsionada pelas redes sociais, que conectou a defesa da soberania com a denúncia do cerco promovido pelo Congresso Nacional ao governo. Neste contexto, a campanha “Congresso Inimigo do Povo” ganhou tração e, somada à postura firme do governo Lula frente a Trump, contribuiu para uma melhora na sua popularidade, unificando as forças democráticas.

A recuperação da popularidade de Lula é essencial para assegurar a governabilidade e inviabilizar proposições regressivas no segundo semestre, como anistia aos golpistas, aprovar novas regras para o Imposto de Renda, impedir retrocessos na reforma administrativa em discussão e bloquear o avanço do PL de José Serra que visa retirar a prioridade da Petrobrás na exploração do pré-sal; votação do destaque da oposição que quer suprimir o artigo que retira os precatórios da União do arcabouço fiscal; e a votação no Senado do PL da Devastação. Manter e ampliar a mobilização social recente é crucial frente ao difícil cenário econômico, caso a taxação trumpista seja mantida; à tensão política diante da provável prisão de Bolsonaro e aliados e à tentativa de derrubada do veto do presidente Lula ao projeto que criaria 18 novas cadeiras na Câmara, elevando o número de deputados de 513 para 531.

Essa mobilização é estratégica, pois a ofensiva de Trump e da extrema-direita global visa precisamente constranger a autonomia do Brasil, especialmente sua liderança nos BRICS e a soberana decisão de buscar alternativas ao dólar no comércio exterior. A menção a sistemas como o PIX revela o receio americano de que meios de pagamento digitais e independentes possam acelerar essa transição. Fica evidente que os EUA travam uma batalha para defender sua hegemonia e, ao mesmo tempo, exportar as culpas por sua imensa crise interna.

A AGU solicitou oficialmente à Polícia Federal (PF) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a abertura de uma investigação rigorosa para apurar um movimento financeiro incomum, detectado por analistas e noticiado pela imprensa. Horas antes do anúncio oficial das tarifas por Donald Trump, houve uma compra massiva de dólares no mercado futuro brasileiro, na casa de bilhões de reais. Logo após o anúncio, que provocou uma alta imediata do dólar, uma operação de venda de volume semelhante foi realizada, gerando um lucro estimado em centenas de milhões de reais em poucas horas. A CVM já confirmou que está analisando as “movimentações atípicas”. Sua investigação busca identificar os responsáveis pelas operações (CPFs e CNPJs) e se eles tiveram acesso a informações confidenciais.

Este cenário se insere em um contexto global de reconfiguração de poder: o avanço dos BRICS na defesa do multilateralismo sob a presidência de Lula; os movimentos de autonomia na África; e o imenso desgaste dos EUA e da Europa frente ao genocídio de Israel contra os palestinos e a guerra na Ucrânia. Diante disso, a articulação de Lula com os países de esquerda na América Latina é vital para evitar o isolamento e consolidar sua liderança regional.

Os Desafios Internos e a Convergência de Forças

Em âmbito nacional, os desafios são urgentes. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) projeta o corte de 110 mil postos de trabalho. A CUT expressou profunda preocupação com a manutenção de empregos em setores-chave como o de suco de laranja, aeronáutico e siderúrgico, instando o governo a “negociar à exaustão” e apoiando a criação de um comitê de crise.

A crise, no entanto, consolidou uma rara convergência de discursos. Analistas e lideranças do campo progressista veem uma oportunidade para resgatar a pauta da soberania e do anti-imperialismo, expondo a postura “antipatriótica” da oposição. O Governo Lula, por sua vez, adotou uma estratégia dupla: combinando uma retórica firme, ao regulamentar a Lei da Reciprocidade, com a diplomacia, ao enviar uma carta à Casa Branca propondo negociações. A avaliação do governo é correta: a ação é politicamente motivada, visando constranger a política externa autônoma do Brasil e interferir em questões judiciais internas, como o julgamento dos golpistas.

Caminhos de Ação: Uma Estratégia Combinada

A materialização dessa frente unida em ações concretas dependerá da habilidade do governo em navegar as turbulentas águas da geopolítica, equilibrando firmeza com pragmatismo. Para isso, uma combinação de medidas táticas é fundamental:

  • Na Frente Diplomática e Legal: É imperativo contestar as tarifas na OMC para legitimar nossa posição. Paralelamente, manter o diálogo aberto com os EUA, buscando apoio de setores econômicos americanos prejudicados pela medida, e fortalecer alianças com outros países afetados pelo protecionismo, especialmente no âmbito dos BRICS, para acelerar o comércio em moedas locais.
  • Na Frente Comercial: A aplicação da Lei da Reciprocidade deve ser uma ferramenta estratégica, a ser usada no momento certo e de forma inteligente, focando produtos que afetem a base eleitoral de Trump sem prejudicar a indústria e o consumidor brasileiro. Ao mesmo tempo, é preciso acelerar a diversificação de mercados por meio de novos acordos comerciais e fomento às exportações.
  • Na Frente Interna: A prioridade absoluta é a proteção dos trabalhadores. Deve-se criar um grupo de trabalho com participação sindical para monitorar os impactos; oferecer apoio financeiro e fiscal às empresas afetadas, condicionando-o à manutenção dos empregos; e fortalecer programas de seguro-desemprego e requalificação profissional. Essa crise deve ser usada, ainda, como um catalisador para a reindustrialização e a redução da nossa dependência externa.

Conclusão: Unir o País Contra o Imperialismo e o Neofascismo

A estratégia mais eficaz é aquela que combina os movimentos táticos. É preciso apoiar as investigações da AGU sobre especulações financeiras ligadas à taxação. Acima de tudo, devemos ampliar as mobilizações em todo o território, intensificando a disputa nas redes sociais e nas ruas em defesa da soberania, pela punição dos golpistas sem anistia e pela denúncia do cerco do “Congresso Inimigo do Povo”.
Estas batalhas são decisivas. Todo o esforço deve ser para construir uma ampla aliança nacional em torno do governo Lula contra o imperialismo trumpista e a extrema-direita neofascista que o apoia no Brasil.

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