Dia da Alfabetizacao expõe desafios no Brasil, apesar de avanços recentes

Leia entrevistda sobre legado de Paulo Freire :alfabetização como formação crítica
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No dia 8 de setembro é comemorado o Dia Mundial da Alfabetização, data instituída pela Unesco. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Na próxima segunda-feira (8) será comemorado o Dia Mundial da Alfabetização, data instituída em 1967 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Leia entrevista sobre alfabetização e o legado de Paulo Freire com a TVT News.

8 de setembro, Dia da Alfabetização

Dia da Alfabetização: a efeméride surgiu com o objetivo de chamar a atenção de governos e sociedades para a importância da alfabetização no desenvolvimento social, político e econômico, além de reforçar o combate ao analfabetismo adulto em todo o mundo.

Desde então, a data se consolidou como um momento de reflexão e mobilização global em torno de um direito humano básico: o acesso à leitura e à escrita, condição essencial para a participação cidadã plena e para a superação das desigualdades. Leia em TVT News.

No Brasil, a comemoração do Dia da Alfabetização ocorre em meio a resultados que indicam avanços, mas também desafios que permanecem.

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A estudante Hévelly Fernandes, da Vila dos Pescadores de Ajuruteua, participa da Alfamangue, atividade de alfabetização baseada na temática do manguezal do Projeto Mangues da Amazônia. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Alfabetização no Brasil avança e atinge 59,2% em 2024

Em julho deste ano, o Ministério da Educação (MEC) divulgou os números mais recentes do Indicador Criança Alfabetizada, elaborado em parceria com o Inep. Os dados mostraram que, em 2024, 59,2% das crianças das redes públicas de ensino em todo o país foram alfabetizadas na idade certa, um crescimento de 3,2 pontos percentuais em relação a 2023, quando o índice nacional era de 56%.

O resultado foi comemorado pela pasta, que destacou que 58% dos municípios brasileiros melhoraram suas taxas em comparação ao ano anterior. Ainda assim, o dado revela que mais de 40% das crianças brasileiras seguem sem dominar habilidades de leitura e escrita consideradas fundamentais ao final do 2º ano do ensino fundamental, o que mostra que a alfabetização continua sendo um dos maiores gargalos da educação nacional.

O desempenho está diretamente ligado às políticas de recuperação e incentivo lançadas pelo governo federal desde o início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos principais programas em curso é o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (CNCA), apresentado em junho de 2023.

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Brasília (DF), 10/02/2025 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de entrega do Prêmio Selo Nacional Compromisso com a Alfabetização, no Centro Internacional de Convenções do Brasil. Foto: Ricardo Stuckert/PR

A iniciativa estabelece metas conjuntas entre União, estados e municípios para garantir que todas as crianças sejam alfabetizadas até o 2º ano do ensino fundamental. O programa também prevê estratégias de recomposição de aprendizagens perdidas durante a pandemia da covid-19, especialmente nos anos iniciais do ensino básico.

O que é o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada?

O CNCA parte de princípios de equidade, considerando desigualdades regionais e socioeconômicas, e funciona em regime de colaboração federativa. Na prática, o governo federal fornece apoio técnico e financeiro, além de materiais pedagógicos, formação para professores e sistemas de avaliação que permitem monitorar os avanços em cada rede de ensino.

Outro pilar importante da atual política educacional é o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos, lançado em junho de 2024. Voltado a um público historicamente negligenciado, o pacto busca ampliar matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA), inclusive no sistema prisional, além de integrar essa modalidade com a educação profissional.

A proposta foi construída de maneira colaborativa com a participação de estados, municípios e entidades representativas da gestão educacional, como a Undime e o Consed.

Quais são os números da alfabetização no Brasil?

A urgência de políticas públicas sobre alfatabetização é evidente: segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2023, divulgada pelo IBGE, o Brasil ainda tem cerca de 9,1 milhões de pessoas com 15 anos ou mais não alfabetizadas, o que corresponde a uma taxa de analfabetismo de 5,3%. Esse contingente revela a dimensão de uma dívida histórica do país com milhões de cidadãos que foram privados do direito básico à educação.

O governo federal aposta que a combinação de políticas voltadas tanto à infância quanto à educação de jovens e adultos permitirá acelerar o enfrentamento do problema. No caso do CNCA, a meta imediata é alcançar 60% de crianças alfabetizadas na idade certa, patamar que quase foi atingido em 2024.

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A professora Pamela Gonsalves atua com crianças da Vila dos Pescadores de Ajuruteua na Alfamangue, atividade de alfabetização baseada na temática do manguezal do Projeto Mangues da Amazônia. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Segundo o ministro da Educação, Camilo Santana, se não fossem os impactos da tragédia climática no Rio Grande do Sul, que prejudicou os índices locais, o país já teria ultrapassado esse percentual, chegando a 60,2%. Já o Pacto pela EJA busca garantir oportunidades de aprendizagem para aqueles que, por diferentes razões, não tiveram acesso à escola no tempo adequado, promovendo a inclusão social e profissional de milhões de brasileiros.

A comemoração do Dia Mundial da Alfabetização em 2025, portanto, ocorre em um cenário ambivalente: de um lado, há avanços comprovados nas políticas voltadas para as crianças em fase escolar, o que indica que a estratégia adotada pelo governo federal tem produzido resultados concretos; de outro, persistem desafios imensos no campo da educação de jovens e adultos, em um país que ainda convive com taxas de analfabetismo incompatíveis com seu estágio de desenvolvimento.

O Brasil se soma, assim, ao esforço global impulsionado pela Unesco há quase seis décadas, reafirmando que a alfabetização é não apenas uma meta educacional, mas também um compromisso social e democrático.

Entrevista

Qual a relação entre alfabetização e Paulo Freire?

Para aprofundar a discussão sobre os sentidos da alfabetização e sua ligação com a pedagogia freireana, a TVT News conversou com Martinho Condini, diretor do Instituto Popular Paulo Freire (IPPF).

Professor, historiador e jornalista, Condini é doutor em Educação pela PUC-SP, com pesquisa sobre a educação libertadora a partir da obra de Dom Helder Câmara e de Paulo Freire. Autor de livros como Fundamentos para uma educação libertadora (2014), ele é reconhecido como um dos principais estudiosos do legado freireano no Brasil.

Ao comentar os desafios atuais, Condini ressaltou que alfabetizar não é apenas ensinar a decifrar letras e sílabas, mas abrir caminhos para a leitura crítica do mundo. “Na perspectiva de Paulo Freire, a alfabetização ultrapassa esse domínio mecânico das técnicas de leitura e escrita. É através do entendimento crítico da realidade que o aprendente se apropria da palavra com sentido e se torna agente de transformação da sociedade”, afirmou.

O professor também destacou a permanência do preconceito em torno da pedagogia freireana, lembrando que sua prática “nunca foi política de Estado no Brasil”, mas que encontrou espaço em experiências locais, como na gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo.

Leia a íntegra da entrevista sobre alfabatetização concedida à TVT News

O que, exatamente, significa alfabetização?


Alfabetização é um processo onde o ser humano obtém a habilidade de ler e escrever, que abrange a aprendizagem de um sistema alfabético e suas convenções, permitindo que o aprendente decifre e cifre a língua escrita. Este processo é fundamental para a comunicação na sociedade e, na prática pedagógica deve ser integrado ao letramento (o uso social da leitura e da escrita) para garantir uma compreensão completa e funcional da língua escrita.

Mas é importante salientar que na perspectiva de Paulo Freire, a alfabetização ultrapassa esse domínio mecânico das técnicas de leitura e escrita. É fundamental nesse processo de alfabetização a participação do aprendente que traz consigo sua “leitura do mundo” que precede a “leitura da palavra”. E através do entendimento crítico da sua realidade que o aprendente se apropria do conhecimento da leitura e da palavra com sentido e, se torna agente da sua própria transformação e da sociedade.

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Crianças da Vila dos Pescadores de Ajuruteua participam da Alfamangue, atividade de alfabetização baseada na temática do manguezal do Projeto Mangues da Amazônia, na área da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Quais as diferenças entre o método da cartilha Caminho Suave e os métodos mais modernos de alfabetização?


O tradicional método “Caminho Suave” foi criado em 1948, era uma combinação dos métodos sintético e analítico, utilizando-se alfabetização pela imagem, onde letras eram associadas a imagens de palavras, como por exemplo, “U” em uma “Uva”. E o processo de alfabetização acontecia por meio da memorização.

Os métodos modernos, influenciados por pesquisas científicas, focam em abordagens fônicas, que são mais eficazes por ensinar o som das letras e combinações, preferindo a compreensão do fonema, e também em metodologias multissensoriais e contextuais, que abrangem o uso de diferentes sentidos e a vivência do aluno para uma aprendizagem mais completa e contextualizada.

Paulo Freire tratava de alfabetização de adultos e crianças?


Paulo Freire criou uma metodologia de alfabetização de adultos, em que o processo se dava a partir da realidade dos educandos e do vocabulário conhecido por cada um deles, não se utilizando de uma cartilha tradicional elaborada por educadores. Essa primeira experiência inovadora se deu em Angicos, no Rio Grande do Norte em 1963.

Embora sua experiência pioneira em Angicos (1963) tenha sido realizada com trabalhadores rurais, o seu princípio educativo que valoriza o saber do outro para construir conhecimento pode ser aplicado na alfabetização de crianças e jovens também. Exemplo dessa possibilidade é o importante programa de educação de jovens e adultos denominado EJA.

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Paulo Freire e Lula conversam sobre políticas públicas de Educação. Foto: Acervo TVT

O método Paulo Freire nunca foi efetivamente aplicado no ensino público?


Podemos afirmar que a metodologia de Paulo Freire nunca foi aplicada como política de estado em âmbito nacional, mas estados e municípios onde governos do campo progressista assumira a administração, seja a nível municipal ou estadual, esses se utilizaram da metodologia freireana.

O exemplo mais emblemático dessa experiência foi na gestão da prefeita Luiza Erundina entre os anos de 1989 e 1992, cujo secretário da educação foi o educador Paulo Freire entre os anos de 1989 e 1992. Também escolas privadas progressistas se utilizaram e se utilizam da metodologia freireana.

Os campos políticos conservadores da nossa sociedade costumam dizer de maneira equivocada que a metodologia freireana foi a responsável pelo aumento do analfabetismo. E nós sabemos que os problemas educacionais no Brasil vêm de outros fatores, como a desigualdade social e a falta de investimentos em educação pública, principalmente quando os governantes em todos os níveis são do campo conservador.

É importante salientar que a metodologia freireana é utilizada em diferentes situações em diversos países do mundo, incluindo a Alemanha (para a integração de refugiados), a Finlândia (em centros de estudo e princípios de justiça social), os Estados Unidos (em algumas escolas, como uma instituição em Massachusetts e estudos em universidades como Harvard e Oxford) e o Kosovo (em projetos de ciência cidadã).

Outros países, como Áustria, Holanda, Portugal, Inglaterra, Canadá e a própria Suécia, também possuem instituições e centros de estudo inspirados na práxis de Paulo Freire.

Quais as diferenças entre alfabetização de adultos e crianças?


Alfabetização de crianças foca no desenvolvimento cognitivo inicial e na construção de habilidades, usando metodologias lúdicas e em um ambiente de constante desenvolvimento; as metodologias e linhas pedagógicas utilizadas também irão variar se estas são realizadas em escola conservadoras ou progressistas.

Em relação a alfabetização de adultos, realizada principalmente na Educação de Jovens e Adultos (EJA), a metodologia aplicada dá relevância à experiência de vida do educando a partir do seu contexto de condição e realidade de vida, valorizando a sua autoestima e perspectivas para que ele possa modificar a sua realidade.

A professora Pamela Gonsalves atua com crianças da Vila dos Pescadores de Ajuruteua na Alfamangue, atividade de alfabetização baseada na temática do manguezal do Projeto Mangues da Amazônia. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A professora Pamela Gonsalves atua com crianças da Vila dos Pescadores de Ajuruteua na Alfamangue, atividade de alfabetização baseada na temática do manguezal do Projeto Mangues da Amazônia. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Lembrando que na alfabetização de criança também é possível partir do entendimento que ele tenha de realidade para consolidar o seu processo de aprendizagem, no caso a alfabetização.

O que é a Educação Libertadora?


É uma maneira de conceber e praticar a educação de forma que o educador e o educando no processo de aprendizagem vão construindo saberes a partir da realidade e visão de mundo de cada um. De maneira que a dialogicidade entre aprendente e ensinante construam um processo de conscientização que levará ambos a compreenderem não só os seus papéis históricos na sociedade, mas também realizem a transformação em suas vidas e na sociedade.

Dessa maneira educador e educando atingem a libertação, uma maneira de ver e atuar na sociedade a partir do seu entendimento construído e não dogmatizado ou manipulado. Eu estou convencido que, se a educação não é libertadora, estaremos sempre a reproduzir apenas os valores de interesse das classes dominantes.

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Paulo Freire e Lula. Acervo: TVT News

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