Dia da Consciência Negra e dica de leitura: Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô

Em 2025 inspirou o enredo Exu Mulher da Escola de Samba Pérola Negra, que foi a campeã do Grupo 2 da Liga-SP
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O livro apresenta debate inédito sobre as tradições e religiosidades afro-brasileiras em relação ao orixá Exu. Imagem: Editora Aruanda/Fundamentos de Axé

Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô, livro da jornalista Claudia Alexandre, venceu a  primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico em 2024, na categoria Ciências da Religião e Teologia, o principal prêmio da categoria na literatura brasileira. Sabia mais sobre a dica de leitura para o Dia da Consciência Negra com a TVT News.

O livro Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô: sobre masculinização, demonização e tensões de gênero na formação dos candomblés (Editora Aruanda/Fundamentos de Axé, 2023), apresenta um debate inédito no campo dos estudos sobre as tradições e religiosidades afro-brasileiras em relação às narrativas anteriores  sobre o controverso orixá Exu. 

Ao mesmo tempo que insere registros e informações sobre as experiências e protagonismo de mulheres negras – africanas, escravizadas, alforriadas, libertas, que resistiram pelo sagrado para manter as práticas ancestrais, a obra questiona sobre representações femininas de Exu, que não estiveram na definição do corpo das tradições yorubá-nagô dos primeiros candomblés na Bahia.

Com um detalhado levantamento bibliográfico, o livro destaca transformações na relação com o orixá Exu, que na iorubalândia (Nigéria, Benin, Togo, Gana) é conhecido como Esù, Elegbara, Legba ou Bara, comumente representado por figuras em pares – macho e fêmea, que não se popularizaram no Brasil. 

Com prefácio assinado pela professora, escritora e ativista Dra. Núbia Regina Moreira, Exu-Mulher  é baseado na tese de doutorado da autora, defendida em novembro de 2021, eleita a Melhor Tese do Ano, pelo Programa de Ciência da Religião da PUC-SP. 

A tese foi finalista e segunda colocada do Prêmio SOTER/Paulinas de Teses (Prêmio Prof. Afonso Maria Ligório Soares) edição 2022, do Congresso Internacional da Soter (Sociedade de Teologia e Ciência da Religião). Mesmo ano em que lançou o livro-dissertação “Orixás no Terreiro Sagrado do Samba: Exu e Ogum no Candomblé da Vai-Vai”, também pela Editora Aruanda/Fundamentos de Axé.

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O livro destaca transformações na relação com o orixá Exu, que na iorubalândia (Nigéria, Benin, Togo, Gana) é conhecido como Esù, Elegbara, Legba ou Bara. Editora Aruanda/Fundamentos de Axé

O racismo religioso é centralizado como uma das opressões sociais e atravessa a ambiguidade do orixá Exu, reivindicando o lado feminino do orixá, algo ainda pouco explorado na literatura sobre a formação dos candomblés de tradição yorubá-nagô. Em algumas localidades da África Ocidental são bem conhecidas as representações de Exu como um orixá ambíguo, que pode se apresentar como feminino e masculino.

Uma busca motivada por registros de que em África, região da iorubalândia, alguns grupos realizam práticas rituais específicas onde figuras de Exu – masculina e feminina – evidenciam as diferenças anatômicas do par: ele com seu falo desproporcional, apito e gorro; ela com seios e vulva demarcados e à mostra, jóias e, às vezes, acompanhada de outra figura que remete a uma criança.

As imagens apresentam penteados alongados, uma marca da identidade do orixá. Em alguns lugares Exu é cultuado por famílias inteiras e por mulheres, onde está associado não apenas à fertilidade, como à fecundidade e à maternidade. Existem cultos exclusivos a essa divindade, onde se encontram representações femininas, nas regiões  yorubá  de Egbado, Igbomina, Ibraba, Olobo e Oshogbo.    

A pesquisa sobre Exu

Na capital Salvador a autora percorreu os três terreiros fundantes, que ainda mantém o sistema matriarcal: Casa Branca do Engenho Vellho, Ilê Opó Afonjá e Terreiro do Gantois. O resultado foi a constatação de que, apesar da liderança das mulheres, houve tensões na relação com o orixá Exu, o que exigiu dissimulações e negociações por parte das poderosas iyalorixás, em relação à dominação da Igreja Católica.

A masculinização e a demonização foram as principais transformações que Exu sofreu na travessia atlântica. A ideia de um culto individualizado para sua face feminina não foi adotada em nenhum dos antigos terreiros.

A autora  debate sobre questões da hieraquia de gênero e as mulheres de terreiros, apontando como religiões de matrizes africanas foram atravessadas pela dominação patriarcal. Para as primeiras lideranças  o Exu demonizado se transformou em um elemento demonizante.  O destaque ao falo na representação da divindade, na diáspora negra, como símbolo de sua masculinidade teria excluído completamente os traços de feminilidade.  

Na cosmogonia iorubá Olodumaré, o Deus Supremo, o teria constituído com os princípios masculino e feminino, dando-lhe controle sobre eles, um poder que não foi concedido a nenhuma outra divindade. Exu é dono da comunicação, do movimento, que mantém o equilíbrio e a energia vital,  que é distribuída em partes iguais aos seres viventes, para que haja fertilidade e vida constante dos seus cultuadores.

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Candomblé da Nação de Angola foi trazido pelo povo Banto, um dos primeiros povos escravizados a chegar ao Brasil. Foto: Acervo pessoal/Lyllian Bragança

Ao analisar a definição do papel da mulher como autoridade máxima nos terreiros de candomblé, bem como o trato com Exu e sua masculinidade demonizada, principalmente entre os séculos XIX-XX, a autora destaca uma série de aproximações e rejeições dentro da própria comunidade de axé. 

“Sabe-se que no início havia resistência, por parte de antigas lideranças, em iniciar “filhos” e “filhas” deste orixá, ocorrendo muitos casos de troca pelo orixá Ogum, o grande guerreiro dos metais. As justificativas para tal barganha acabavam por reforçar o imaginário demoníaco imposto à divindade. Esses constrangimentos podem ter levado ao ocultamento e o silenciamento sobre qualquer assunto referente a existência do feminino de Exu”, disse Claudia.

Chama atenção o fato de a figura feminina de Exu, não ter sido introduzida nas representações do orixá nos candomblés nagôs no Brasi, ser desconhecida em algumas casas de culto ou, ainda,  um assunto mantido em silêncio nos terreiros mais tradicionais. No livro estão disponíveis imagens e representações da figura feminina de Exu, evidenciando que a diáspora negra ainda mantém muitos fragmentos de violências que alteraram a relação do povo negro com seus sistemas de crenças e com a cosmologia africana, especialmente com Exu-Mulher.

Para saber mais sobre Exu

Trabalho de conclusão de curso: Exu, o mensageiro demonizado, de Ana Luiza Cardoso

Ouça o podcast

Exu-Mulher foi samba-enredo da Escola Pérola Negra

Escola de Samba Pérola Negra levará para o Carnaval de SP, no Sambódromo do Anhembi, o enredo “Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô”, inspirado no livro da jornalista e pesquisadora Cláudia Alexandre.

A montagem do enredo sobre Exu-Mulher no Carnaval de 2025

A ideia do enredo surgiu de uma conexão espontânea do carnavalesco Rodrigo Meiners com o livro. “Eu estava lendo e não havia pensado em transformá-lo em enredo. Até que, ao assistir ao desfile da Mocidade Unida da Mooca, que homenageou Helena Theodoro, percebi que Claudia Alexandre havia participado do desfile. Fui pesquisar sobre ela e descobri que, além de escritora, é apaixonada pelo carnaval e autora de um livro sobre o Vai-Vai”, afirmou Meiners.

O carnavalesco também disse que o livro tem forte relação com a Pérola Negra, “uma escola de nome feminino, que tem uma mulher presidente”. Meiners montou a ideia e apresentou a Claudia, que entendeu como uma celebração aos 39 anos de carreira trabalhando na cobertura de carnaval e pesquisadora.

“Além de emocionada, estou tão ansiosa quanto fico quando vou entrar ao vivo para narrar ou comentar um desfile”, declarou emocionada a autora.

O desfile da Pérola Negra aconteceu no dia 22 de fevereiro de 2025, às 23h30, pelo Grupo de Acesso 2 do Carnaval de São Paulo, no Sambódromo do Anhembi e deu o título à escola.

Sobre Claudia Alexandre

Claudia Alexandre é jornalista, comunicadora de rádio e TV, doutora e mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP. Pesquisadora das relações entre raça, gênero e religiosidades de matrizes africanas, Claudia também é sacerdotisa umbandista e Ebomi de Oxum no candomblé nagô-vodunsi.

Seu livro “Orixás no Terreiro Sagrado do Samba: Exu e Ogum no Candomblé da Vai-Vai” também é referência na área. Não é a primeira vez que uma obra de Claudia inspira um enredo de carnaval. Em 2009, o livro “Na Fé de Vivaldo de Logunedé” inspirou a Vila Nova, de Santos. A emoção se repetiu com a Pérola Negra: “Exu-Mulher reinou na festa do carnaval, unindo os meus grandes temas de pesquisa: os terreiros sagrados, suas ancestralidades e experiências civilizatórias negras”, celebrou a autora.

Sobre o livro Exu-Mulher

Título: Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô: sobre masculinização, demonização e tensões de gênero na formação dos candomblés

Editora: Editora Aruanda/Selo Fundamentos de Axé – RJ

Ano: 2023

Autora: Claudia Alexandre (Instagram: @claualex16)

Prefácio: Nubia Regina Nogueira

Coordenação Editoral: Aline Martins

Capa: Amanara

Páginas: 464

ISBN: 978-65-97708-19-5

Contato/vendas: www.editoraaruanda.com.br

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