Eleições na Argentina: entenda o que está em jogo

Vitória da extrema direita nas eleições argentinas pode ter impacto nas eleições do Chile, Colômbia e Brasil
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Esquerda e direita nas ruas da Argentina, nas vésperas das eleições legilativas que podem definir o futuro de Javier Milei e ainda impactar na geopolítica da América Latina. Fotos: LUIS ROBAYO / AFP

O presidente da Argentina, Javier Milei, enfrenta no domingo (26) as eleições legislativas de meio de mandato, nas quais buscará consolidar o poder no Congresso para aplicar uma série de reformas sistemáticas nos dois anos restantes de seu governo. Entenda o que pode acontecer na Aregntina com a TVT News.

Pontos para entender as eleições na Argentina neste domingo

Milei precisa de maior governabilidade para conseguir a urgente reativação de uma economia em recessão e impactada por desastres financeiros.

Para a jornalista argentina Carla Perelló, que está na cidade de Buenos Aires, “essas eleições são de grande relevância para que o governo Milei possa continuar aplicando as políticas econômicas de austeridade que já vem implementando nos dois primeiros anos de seu mandato”.

Carla diz que não há previsão do que possa acontecer. Apesar da pobreza crescente no país, há o crescimento do dicurso da extrema direita e o medo da piora na economia, diante da sinalização de Trump de condicionar o socorro econômico à vitória do partido de Milei.

Estes são os pontos essenciais sobre as eleições na Argentina de 26 de outubro, que renovarão metade dos 257 deputados e um terço dos 72 senadores de um Congresso de minoria governista.

  • São as primeiras eleições que acontecem durante o governo de Javier Milei, o primeiro governo de extrema direita da história democrática recente da Argentina;
  • Estão em disputa metade das cadeiras na Câmara dos Deputados (127) e um terço do Senado, com 24 cadeiras;
  • De um lado, esta o partido de Milei, A Liberdade Avança, que tenta crescer nas câmaras
  • Do outro lado, está a oposição peronista (centro-esquerda), que governou durante 17 dos últimos 23 anos e que busca se recompor após a derrota de 2023;
  • Milei afirmou que conseguir um terço dos legisladores em cada câmara já seria “um bom resultado”, pois é o mínimo para impedir a reversão de um veto presidencial;
  • O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, emerge como o novo líder dos peronistas;
  • Socorro dos EUA: Os EUA atuaram no resgate da economia argentina com uma linha de crédito de US$ 20 bilhões (R$ 108 bilhões, na cotação atual), a promessa de outros US$ 20 bilhões do setor privado e intervenções diretas no mercado de câmbio local;
  • Apesar da crise econômica, os peronistas enfrentam desgaste: “Este governo (Milei) prometeu muito e não vejo nada (…), não criou fontes de trabalho”, diz Héctor Sánchez, um garçom de 62 anos, que votou em Milei em 2023 e agora está indeciso: “Não quero voltar ao que era antes”.
  • Vitória da extrema direita nas eleições argentinas pode ter impacto nas eleições do Chile, Colômbia e até nas eleições de 2026 no Brasil.

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Apoiadores da oposição comparecem a um comício contra o presidente argentino Javier Milei antes do comício de encerramento da campanha do partido Libertad Avanza, às vésperas das próximas eleições legislativas em Rosário, província de Santa Fé, Argentina, em 23 de outubro de 2025. Milei, que já foi um símbolo mundial da política libertária de cortes orçamentários, chega às urnas diminuído por sua incapacidade de estabilizar o peso argentino, apesar de ter gasto quase todas as reservas em dólares do Banco Central para sustentá-lo. (Foto de LUIS ROBAYO / AFP)

Com informações de  Philippe BERNES-LASSERRE, da AFP

Leia a entrevista completa com a jornalista internacional Argentina, Carla Perelló

TVT News – Que eleições vão acontecer no domingo? Quais cargos estão em disputa?

Carla Perelló – Neste domingo, a Argentina terá eleições legislativas nacionais. São as primeiras eleições que acontecem durante o governo de Javier Milei, o primeiro governo de extrema direita da história democrática recente do país.

Portanto, será um teste decisivo, no qual ele buscará ampliar o número de cadeiras no Congresso Nacional, já que, na Câmara dos Deputados, o partido governista La Libertad Avanza (LLA) conta com 37 cadeiras e, no Senado, apenas seis.

No âmbito nacional, na Câmara dos Deputados estará em disputa a metade das cadeiras — 127 —, bem como um terço do Senado, com 24 cadeiras.

No caso do Senado, são oito províncias que deverão escolher seus candidatos: Salta, Chaco, Santiago del Estero, Entre Ríos, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Neuquén, Río Negro e Tierra del Fuego.

Os partidos políticos vencedores serão o mais votado em cada uma delas, com dois eleitos, e o segundo partido com a maior quantidade de votos, com um eleito. Nesse contexto, o peronismo — a maior força da oposição — conta com 98 cadeiras na Câmara e 34 no Senado (com a soma de três bancadas) e, por consequência, é a força política que tem mais cadeiras em jogo.

Com relação à Câmara dos Deputados, as províncias-chave são as mais populosas: Buenos Aires (35 cadeiras), Santa Fe (nove) e Córdoba (nove).

Além disso, outras províncias também terão eleições simultâneas: Catamarca (21 deputados e 8 senadores), La Rioja (18 deputados), Mendoza (24 deputados e 19 senadores provinciais) e Santiago del Estero, que elegerá o governador e 40 deputados.

TVT News – Há pesquisas ou sondagens sobre que partidos ou grupos podem vencer domingo?

Carla Perelló – As pesquisas e sondagens mostram resultados que não indicam certeza sobre o que pode acontecer no domingo. Por exemplo, para o instituto Zuban Córdoba, a imagem negativa de Milei subiu para 63,2%, enquanto 64,7% desaprovam sua gestão. Além disso, 56,7% acreditam que a LLA perderá as eleições.

Por outro lado, a Management & Fit estima que a imagem positiva do presidente é de 37,4%, mas a negativa chega a 47,9%, seu pior registro desde dezembro de 2023. Os números da Rubikon são semelhantes e indicam que 31% dos entrevistados disseram que sua opinião piorou após o ato no Movistar Arena, onde Milei apresentou seu livro La Construcción del Milagro (A Construção do Milagre, em tradução livre), em um show de rock.

Esse ato ocorreu em meio à crise social, econômica e política, no dia seguinte à renúncia de José Luis Espert, principal candidato à Câmara dos Deputados, por supostos vínculos com o narcotráfico. Em relação à intenção de voto, a Rubikon estima que a LLA lidera com 34,6%, seguida pela Fuerza Patria — o peronismo — com 32,2%.

Cerca de 10,6% ainda não decidiram seu voto. Por fim, na última pesquisa da DC Consultores, 31,3% das pessoas responderam que votarão no peronismo e 42,9% na força governista. De acordo com a UdeSA o 21% dos indecisos serão chave para conhecer quantas cadeiras Milei terá no Congresso, mas o impacto real será medido na segunda-feira, com a reação dos mercados e a postura do próprio presidente diante das urnas.

TVT News – Por que as eleições são importantes para o futuro de Milei?

Carla Perelló – Essas eleições são de grande relevância para que o governo Milei possa continuar aplicando as políticas econômicas de austeridade que já vem implementando nos dois primeiros anos de seu mandato, ainda que por meio de decretos e com a necessidade de formar alianças tanto com setores de centro e de direita no Congresso quanto com os governadores das províncias.

Um exemplo dessas políticas é a negativa do Executivo argentino em implementar três leis aprovadas pelo Parlamento em duas oportunidades, que previam aumentos nas aposentadorias e no orçamento das universidades nacionais, além de melhorias nos benefícios para pessoas com deficiência, o que gerou grandes mobilizações nas ruas.

Nesse sentido, o partido governista precisa se fortalecer para manter a governabilidade e conseguir a aprovação de reformas tributárias, fiscais e trabalhistas. No cenário internacional e regional, considero essas eleições importantes para a consolidação da extrema direita no Congresso argentino e para o fortalecimento do discurso dessas forças extremistas, que pode ter impacto em outras eleições na região latino-americana, como no Chile, em novembro, na Colômbia e até mesmo no Brasil, previstas para 2026.

TVT News – Como está a paciência dos argentinos com a condução política e econômica de Milei?

Carla Perelló – Acho que, no domingo, teremos uma resposta. Nas eleições do dia 7 de setembro, na província de Buenos Aires, a população já manifestou um grande desconforto, e isso é uma revelação importante por se tratar da província mais populosa do país.

No dia a dia, percebe-se a tristeza das pessoas – tanto nas ruas como no transporte público – e o número de moradores de rua. Até mesmo o discurso da violência e da polarização se materializa em feminicídios extremamente violentos, em ataques à população LGBT ou em violência política, com agressões a pessoas pelo simples fato de se manifestarem contra o governo.

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Homens vendem itens de segunda mão em uma feira livre em Villa Fiorito, nos arredores de Buenos Aires, em 19 de outubro de 2025. A feira livre no bairro onde Diego Maradona nasceu continua crescendo: cada vez mais moradores vendem o que têm — ou o que encontram na rua — para sobreviver, em meio ao agravamento da crise econômica na Argentina, às vésperas das eleições. Foto: LUIS ROBAYO / AFP

TVT News – Trump condicionou a ajuda econômica à vitória de Milei. Se o grupo do presidente perder as eleições, o que pode acontecer com a economia argentina?

Carla Perelló – No domingo teremos o resultado e saberemos quem venceu e quem perdeu, mas será a partir de segunda-feira que conheceremos o verdadeiro impacto dessas eleições. Por enquanto, a população argentina não parece muito confiante, pois continuou comprando dólares durante todos esses dias, prevendo a possibilidade de uma desvalorização do peso.

Por outro lado, sabemos que Milei promoverá mudanças em seu gabinete, que já sofreu as demissões do chanceler Gerardo Werthein e do ministro da Justiça Mariano Cúneo Libarona, este último um dos mais próximos do presidente. Já está definido que Werthein será substituído pelo atual secretário de Finanças, Pablo Quirno, ex-integrante do JP Morgan. Essas mudanças ocorrem ao mesmo tempo das negociações com Donald Trump e com autoridades do mesmo banco, que chegaram à Argentina nesta semana para fechar um acordo sobre a dívida argentina com os organismos multilaterais.

Em dezembro, também deverá ocorrer alterações no porta-voz da Presidência, Manuel Adorni; no ministro da Defesa, Luis Petri; e na ministra de Segurança, Patricia Bullrich, que deverão assumir suas cadeiras na Câmara dos Deputados.

Particularmente, considero um precedente muito ruim para a nossa história a intervenção inédita dos Estados Unidos na política argentina, além de extremamente perigosa, já que agora o Tesouro dos Estados Unidos possui uma grande quantidade de pesos e, portanto, a possibilidade de intervir na economia argentina. Também não sabemos o que o governo Milei está oferecendo em troca: serão as terras raras, os nossos recursos naturais? Até o momento, ainda não se sabe.

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