Entre cúpulas e cópulas

O ano de 2025 caminha para o fim com mensagem negativa: as instituições que deveriam representar o povo insistem em pavimentar o caminho dos privilégios
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Sim, já estamos em novembro. Imagem: Pexels

por João Henrique Faria

Dois títulos passaram pela minha cabeça, antes de chegar a este, acima. O primeiro partia de uma negação, parodiando o título de um livro de Michel Foucault, “Isso não é um cachimbo”, cuja capa é ilustrada por seu objeto. Pensei em “Isso não é um artigo”.

O segundo, mais direto e menos semiótico, chamava pelo embate atual sobre a busca de silenciamento de Padre Júlio Lancellotti pelo bispo de São Paulo, dom Odilo Scherer – o maiúsculo e o minúsculo em seus títulos religiosos são correspondentes às suas atitudes recentes.

O título seria: “Entre Júlios e odilos”. Por fim, optei por algo que, por uma palavra ou pela outra, sugere aquilo que tomou conta dos poderes constituídos, a ponto do senador Alessandro Vieira afirmar, em discurso no Congresso Nacional, que o crime organizado está enraizado em todas as esferas das instituições brasileiras.

Então, pautado por Vieira – não o padre –, decidi enveredar pela linha dos crimes e dos castigos, entendendo que os castigados ora são quase inocentes – o povo – ora culpados – os “líderes – e que os criminosos deveriam ser aqueles que, supostamente, teriam a função primeira de nos salvar, enquanto o que se observa é uma busca insana e intensa de se salvarem.

Primeiro eu

Existe, hoje, uma insistência em errar. Sim. Estou falando de Hugo Motta e da maioria de Centro, Direita e Extrema Direita que compõe a Câmara dos Deputados. Coisa mais feia o vexame passado na tentativa de blindarem a si próprios. Felizmente, o Senado corrigiu aquilo que “os meninos” deputados fizeram.

O que é inexplicável, é o fato de não terem pensado antes. Consideraram que não haveria reação. E houve. A primeira delas pela mídia, quase sempre omissa em assuntos desta natureza, mas que foi de uma grande ferocidade no combate aos privilégios desejados pelos senhores(as) deputados(as). Ao mesmo tempo, as redes sociais – entenda-se, seus usuários – foram firmes na denúncia e motivaram, com sua militância digital, as mobilizações que resultaram nas manifestações de rua.

Isso impactou o Senado, que enterrou a proposta. Ótimo. Assunto encerrado. Sim e não. Blindagem quase encerrada, mas aí vem o embate com o Supremo Tribunal Federal (STF) no caso dos deputados federais condenados e/ou foragidos, Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem.

Blindagem 2, a missão

Condenada e cassada pelo STF – e presa na Itália à espera de uma possível extradição –, a ex-deputada federal Carla Zambelli entra em cena para o novo filme de terror promovido pela Câmara dos Deputados. Votaram se ela deveria ser cassada ou não e a absolveram. Ou seja, dobraram a aposta e quiseram peitar a decisão já transitada em julgada da Suprema Corte. A linha adotada foi bem no estilo “a gente pode tudo”, inclusive alterar sentença final.

Mais uma derrota e mais um desgaste para a Câmara dos Deputados e, de forma particular, para o seu presidente. O ministro Alexandre de Moraes, posteriormente referendado pela 1ª turma, determinou o cumprimento imediato da cassação e a consequente posse do suplente de Zambelli. Ainda restam Ramagem e Eduardo Bolsonaro na lista.

Só que junto a tudo isso veio a “dosimetria”…

A vaidade em cena

Ela já estava esquecidinha no fundo da sala, mas Hugo Motta, a exemplo de Joseph Klimber – lembram-se –, nunca desiste. Pautou e a Câmara dos Deputados aprovou a “dosimetria”, uma proposta do deputado federal Paulinho da Força, ele mesmo encrencado em algumas ações no STF. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o homem dos canetinhas recebidas de presente, do alto de sua vaidade, contrariado que estava com umas tantas questões, afirma: “A Câmara votando, eu coloco pro plenário do Senado”.

Mais um engano. Reação imediata de vários senadores e líderes de bancada na Casa, a “dosimetria” é levada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Alcolumbre coloca o senador bolsonarista Esperidião Amin como relator. Reações imediatas, Amin fala que a anistia não está descartada e coisa e tal.

Novamente a mídia age e novamente as redes e as ruas se manifestam. O que está em jogo é muito mais que uma “dosimetria”. É de novo “passar a boiada”. E várias soluções se apresentam. De um lado, a busca de engavetar o projeto 2.162/2023. De outro, em a primeira não sendo conseguida, alguém da base do governo Lula pediria vistas, o que ocorreu, pelo senador Veneziano Vital do Rego, mas o senador Otto Alencar, que poderia dar até 5 dias de vistas, deu quatro horas.

Ainda na sessão da CCJ do Senado, vários requerimentos para se adiar a apreciação do projeto foram recusados pelo plenário. O senador Rodrigo Pacheco, em um discurso contendo um “mea culpa”, apontou que foi o Congresso quem aprovou a legislação utilizada pelo STF para julgar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro e que caberia agora corrigir. Colocou-se a favor de redução de penas apenas para aqueles que não estiveram à frente dos atos.

Resultado: passadas as quatro horas e com um acordão feito com o governo para aprovar medidas econômicas, por 17 votos a 7 o relatório de Espiridião Amin é aprovado e a votação vai a plenário. O Senado, à noite, aprova em plenário a “dosimetria”, que agora vai à sanção ou veto do presidente Lula, com promessa, de deputados do PT, de irem ao STF. Estamos diante de mais uma judicialização.

Por fim, a igreja

Para completar o quadro, a mordaça retorna à Igreja Católica, com o bispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, proibindo redes, transmissão de missa e ameaçando transferência de paróquia ao Padre Júlio Lancellotti. Um fato que causou estarrecimento e que foi compreendido como ação política, com base conservadora.

Perdem os fiéis, perdem os brasileiros que acompanhavam as ações de proteção aos mais necessitados de Padre Júlio.

Enfim, as cúpulas agiram e agora é esperar as reações. Quanto às cópulas, fica para imaginação do leitor.

Sobre o autor

João Henrique Faria

João Henrique Faria é Mineiro. Cataguasense. Consultor Político. Estrategista. Jornalista. Professor Universitário. Proprietário da Fator Inteligência e Marketing, empresa há 21 anos no mercado, especializada em Marketing Político Eleitoral e Governamental. Foi Estrategista e/ou Coordenador em mais de 100 campanhas eleitorais para o Executivo e Legislativo. Trabalhou por 11 anos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. É cofundador da Alcateia Política.

Membro do CAMP (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político). Professor universitário desde 1991, coordenou o primeiro curso de pós-graduação em Marketing Político do Brasil, na Escola do Legislativo da ALMG. Hoje está à frente da disciplina “Comunicação e Marketing Político – Eleitoral e Governamental”, na pós-graduação em Comunicação Pública e Governamental da PUC Minas e coordena consultorias para prefeituras e câmaras municipais no campo do Diagnóstico Organizacional, Planejamento e Comunicação e Marketing. Criou e é um dos organizadores dos seminários “Marketing 360 para Mandatos”.


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