A instalação de um “centro antiterrorista no Paraguai”, com apoio direto dos EUA e presença do FBI com treinamento de agentes paraguaios por forças policiais norte-americanas, reacende suspeitas sobre uma nova ofensiva de Washington para ampliar sua presença e influência na América Latina. Entenda na TVT News.
Trata-se de uma movimentação que soa como uma reedição atualizada da velha Doutrina Monroe, desta vez para impedir a soberania das nações e o fortalecimento do Sul Global em blocos como o Brics, que engloba potências em ascensão como Brasil, China, Índia e África do Sul.
A Doutrina Monroe
Proclamada em 1823 pelo presidente James Monroe, a política afirmava que qualquer intervenção de potências europeias nos assuntos das Américas seria vista como ato de agressão aos Estados Unidos. Embora apresentada como defesa da soberania continental, na prática serviu como base para a expansão da influência política, econômica e militar norte-americana sobre seus vizinhos. Ao longo do século XX, foi usada para justificar intervenções militares, apoio a golpes e manipulação de governos na América Latina.

O acordo, firmado em Washington entre o ministro paraguaio de Relações Exteriores, Rubén Ramírez Lezcano, e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, prevê o envio de 15 policiais paraguaios treinados pelo FBI para atuar na Tríplice Fronteira com Brasil e Argentina. Oficialmente, a missão é “combater o Hezbollah” e o crime organizado, mas o gesto vai além do discurso da “cooperação internacional” e levanta questões sobre soberania, prioridades e alinhamento político.
Extrema direita alinhada
O Hezbollah é um grupo de resistência, visto por vezes como radical, que atua no Sul do Líbano. Não há menções de células na América Latina. Em tempos de Donald Trump na presidência, com seu histórico de sanções, tarifaços e ataques contra governos que não se alinham à sua agenda ultraconservadora, a medida não é encarada apenas como uma parceria técnica.
Trump já se posicionou abertamente como um defensor de líderes de extrema direita, incluindo o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, réu em múltiplos processos criminais. Ao mesmo tempo, o republicano ataca democracias consolidadas, abrindo espaço para ações que reforçam seu bloco ideológico e estratégico no continente.
O Brasil tem se posicionado como opositor à influência extremista de Trump. A economia brasileira vem crescendo e respondendo bem às mudanças geopolíticas, se aliando comercialmente a países que pregam o desenvolvimento mútuo e a não intervenção, como a China (maior parceiro comercial do Brasil) e a Índia, além de países europeus e a própria organização do Mercosul.
A localização escolhida não é casual: a região de Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina) é historicamente tratada pelos EUA como ponto sensível para inteligência e operações de segurança, devido ao intenso comércio, trânsito de pessoas e supostos fluxos de financiamento ilícito. Em maio, Washington chegou a oferecer até US$ 10 milhões por informações sobre as redes financeiras do Hezbollah na área.

EUA: intervenção forçada
O ministro paraguaio do Interior, Enrique Riera, deu uma entrevista à CNN: “Nós declaramos o Hezbollah como organização terrorista, e não somente os homens armados, como todos os membros do partido.” A amplitude da classificação, que abrange inclusive integrantes políticos da sigla, é vista por críticos como um alinhamento direto à agenda de segurança dos EUA e de Israel, sem debate interno aprofundado no Paraguai ou no Mercosul.
Embora o governo paraguaio destaque que o centro também atuará contra o crime organizado transnacional, a presença de forças de segurança dos EUA em território sul-americano reforça temores históricos de ingerência estrangeira. Analistas alertam que, sob o pretexto do combate ao terrorismo, se consolidam estruturas permanentes de inteligência e vigilância ligadas a Washington, potencialmente fora do controle político das nações locais.
O acordo ainda prevê maior articulação com o Brasil e a Argentina, mas é o componente norte-americano que chama a atenção. Com um histórico marcado por intervenções e apoio a regimes aliados em troca de influência geopolítica, a instalação de uma base sob tutela do FBI não pode ser vista como fato isolado.
No passado, a Doutrina Monroe — resumida no lema “a América para os americanos” — serviu como justificativa para interferências diretas dos EUA na política e economia da América Latina. Agora, em meio a um cenário global de disputa de influência, a retórica de combate ao crime e ao terrorismo parece abrir caminho para uma nova versão dessa política, adaptada aos interesses estratégicos do século 21.