EUA usam “combate às drogas” para minar soberania latino-americana

Governo Trump escala tensão contra países latino-americanos, como Colômbia e Bolívia, sob pretexto de guerra às drogas nos EUA. Entenda
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EUA tentam minar governos soberanos, atacando de diferentes formas, para reafirmar seu posto de império e de quintal, no caso da América Latina. Foto: Official White House Photo by Daniel Torok

Os governos da Bolívia e da Colômbia reagiram à nova rodada de descertificações unilaterais impostas pelos Estados Unidos sob alegada “falta de cooperação” no combate ao narcotráfico. Entenda na TVT News.

O anúncio, feito no início da semana pelo presidente norte-americano Donald Trump, inclui também Venezuela, Afeganistão, Birmânia e reafirma postura dos EUA sobre o tema, mesmo diante de crescentes críticas internacionais por sua postura unilateral e seletiva. Trata-se de mais um movimento como foi a aplicação de taxas unilaterais contra o Brasil, articuladas pela família Bolsonaro, alinhados ideologicamente com os extremistas de Washington.

A medida reacende suspeitas sobre uma reedição da Doutrina Monroe, sob a justificativa do combate às drogas, mas com motivações geopolíticas ligadas à disputa de influência com a China e aos governos progressistas na América Latina. Assim, os EUA tentam minar governos soberanos, atacando de diferentes formas, para reafirmar seu posto de império e de quintal, no caso da América Latina.

“O que estamos fazendo não tem realmente a ver com o povo colombiano”, lamentou o presidente colombiano Gustavo Petro, durante uma reunião de gabinete. Ele reagia à decisão dos EUA de considerar seu governo como falho no enfrentamento ao narcotráfico, mesmo após “dezenas de mortes de policiais, soldados e civis” no combate aos grupos armados.

Petro, então acusou os Estados Unidos de hipocrisia e fracasso em sua própria política de drogas.

EUA e o fracasso diário

“O protagonismo nas drogas é deles, e fracassaram por 50 anos: um milhão de mortos na América Latina, e caminham para outro milhão nos Estados Unidos, se não forem capazes de reduzir o consumo de fentanil”, declarou o mandatário, apontando para a crise de opioides que atinge o território norte-americano.

Segundo dados do governo colombiano, durante o atual mandato de Petro foram apreendidas mais de 1.200 toneladas de cocaína, 53 mil hectares de cultivos ilícitos foram erradicados, e mais de 9 mil laboratórios clandestinos foram destruídos, resultados que, segundo especialistas, vêm sendo sistematicamente ignorados pelos EUA.

Na Bolívia, o presidente Luis Arce também criticou a iniciativa de Trump, e classificou como “estranho” que os Estados Unidos “sigam se comportando como juiz unilateral na luta contra o narcotráfico”. A posição oficial do governo boliviano afirma que os EUA são, simultaneamente, os maiores consumidores e beneficiários do narcotráfico, uma vez que os lucros das drogas ilegais são absorvidos pelo sistema financeiro controlado por Wall Street.

“O próprio relatório reconhece os avanços que a Bolívia teve na luta contra o narcotráfico. Foram 35 toneladas de drogas apreendidas apenas neste ano”, destacou o vice-ministro do Interior, Johnny Aguilera, defendendo a política boliviana e o modelo de combate articulado com países vizinhos e organizações multilaterais, como a União Europeia.

Especialistas bolivianos criticaram duramente a inclusão do país em acusações relacionadas ao fentanil, substância sintética produzida majoritariamente em países industrializados.

Fentanil aqui?

“Nos colocam no mesmo saco com quem produz fentanil, quando esse é um problema dos países desenvolvidos. É uma leitura política e geopolítica”, disse Tatiana Dalence, especialista boliviana em políticas de combate às drogas. “Não falam sobre quem produz os insumos químicos que transformam a coca em cocaína”, acrescentou, em referência indireta a empresas dos EUA e da Europa.

Dalence apontou ainda a seletividade da política norte-americana. Segundo ela, a Bolívia possui cerca de 31 mil hectares de cultivo de coca, dos quais 22 mil são legais e 9 mil desviados para o narcotráfico. Já o Peru tem 89 mil hectares — sendo 80 mil ilegais e não é descertificado.

“É como nas amizades: quem me agrada, eu perdoo. Quem não agrada, eu vejo todos os defeitos. São relações de poder, de amizade, não são relações objetivas”, criticou.

O ex-presidente colombiano Ernesto Samper, que também foi secretário-geral da Unasul, afirmou que a decisão de Washington é ilegal e tenta transformar a Colômbia em inimiga:

“Trata-se de colocar a Colômbia como inimiga dos EUA por divergências profundas na política externa. É ilegal, porque nenhum país pode se arrogar o direito de certificar a conduta de outro. E é injusto, porque tenta transferir aos camponeses e indígenas a responsabilidade que também deveriam assumir os consumidores e os grandes lavadores de dinheiro nos EUA”, declarou.

Além da pressão diplomática, especialistas apontam que a política de descertificação abre caminho para ações de inteligência, sanções econômicas e até intervenções diretas. Uma cláusula na legislação norte-americana autoriza Washington a intervir, inclusive militarmente, em países considerados “ameaça” à sua segurança nacional, frequentemente justificada com base nas “falhas” de combate às drogas.

A DEA (Agência Antidrogas dos EUA) foi expulsa da Bolívia em 2008 por ingerência política, e desde então o país não recebe apoio direto de Washington para a erradicação de cultivos, tarefa agora realizada com recursos próprios e apoio técnico da União Europeia.

Ao manter a descertificação de países governados pela esquerda latino-americana, os Estados Unidos demonstram que o combate ao narcotráfico tem sido instrumentalizado como ferramenta de coerção geopolítica, num contexto de crescimento da influência da China na região e de demandas por soberania e autodeterminação.

Diante disso, o presidente Petro encerrou sua declaração com um alerta. “Se não forem capazes de reduzir o consumo, continuarão exportando morte. Não aceitaremos mais imposições”.

Com reportagem de Freddy Morales e Hernán Dario, da Telesur Bolívia e Colômbia

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