Na semana que antecede o Carnaval, na quarta-feira (26), a Iniciativa Negra — primeira organização negra dedicada a propor reformas nas políticas sobre drogas, segurança pública, e nos sistemas de justiça e saúde pública — lança a exposição Bambas na Barra Funda, que traz registros de entrevistas históricas de personalidades do samba e articuladores culturais essenciais para o aquilombamento da população negra do território na época. Conheça a exposição na TVT News.
Com curadoria da pesquisadora Lorraine Mendes, a mostra será aberta ao público dias antes do Carnaval, no Bananal, localizado à Rua Lavradio, 237, na Barra Funda, e ficará em cartaz até o dia 29 de março. A Velha Guarda Musical do Camisa Verde e Branco se apresenta na abertura da exposição, às 20h. Na data, o bar do Bananal funcionará em parceria com a Cozinha Ocupação 9 de Julho.
A ação cultural é parte do projeto Cartografias de Bambas, para o resgate da memória e do protagonismo negro na formação cultural do bairro da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, através da história do samba e do legado deixado pela comunidade negra no território. A palavra “bamba”é uma terminologia brasileira que significa alguém experiente, habilidoso e respeitado em determinada área —, neste caso, no samba.
O projeto de investigação multidisciplinar se dá a partir do levantamento de pesquisas e entrevistas com personagens que protagonizaram a construção do cenário do samba no bairro, historicamente reconhecido como um reduto da comunidade negra e do samba paulistano.
Foram coletados e documentados os depoimentos de grandes nomes do samba e articuladores culturais do território, tais como Ailton Mesquita, músico da Velha Guarda Musical do Camisa Verde e Branco, Simone Tobias, compositora e importante figura do samba paulistano, além de Zelão, Seu Ideval e Tia Neide, personalidades que fazem parte do arcabouço histórico e social do samba, em uma viagem no tempo que explorou lugares de memória e de circulação, causos, emoções e experiências de música e da vida em comunidade.
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Para Lorraine Mendes, existe uma demanda crescente pelo reconhecimento do legado negro na região e por sinais de resistência contra processos que afetam diretamente a população negra nos dias atuais. “ o bairro vive atualmente um processo de verticalização que afeta suas dinâmicas econômicas, sociais e culturais. Assim, é essencial lembrar o que a Barra Funda ofereceu e continua oferecendo a São Paulo: a criatividade negra expressa na música, dança, poesia, ritmo, festas carnavalescas, espetáculos do Carnaval, bailes e rodas de samba. É isso que estamos propondo com esta mostra”, afirma.
“O projeto serve a propósitos sociais tanto para o bairro da Barra Funda, quanto para a cidade de São Paulo, para pensar a relação das pessoas com as cidades e os diferentes modelos de desenvolvimento urbano. A população negra sempre sofre mais quando o modelo de desenvolvimento urbano não é pensado para promover igualdade. No entanto, vimos durante a pesquisa, que a Barra Funda segue sendo um bairro com forte pertencimento negro. Isso está ancorado no potencial criativo e produtivo da cultura negra que se aninhou no território”, reforça o coordenador do projeto, Paulo César Ramos, ao comentar a pesquisa.
Iniciativa Negra na Barra Funda
Em junho de 2024, a Iniciativa Negra estreitou laços com o território da Barra Funda por meio da abertura da Casa da Iniciativa Negra, localizada à Rua Conselheiro Brotero, 490. O espaço físico solidificou o contato que a organização já estabelecia com o bairro, destino de encontros diversos para discussões políticas, acolhimento de ideais e fortalecimento dos pares.
Em tempos de crescente conservadorismo, a casa da Iniciativa Negra se propõe a ser um refúgio a ideias e ações promovidas por organizações e movimentos sociais interessados em construir coletivamente um futuro mais justo e inclusivo. A Casa dispõe de estrutura adequada à realização de diversas atividades para pequenos grupos, tais como palestras, workshops, grupos de discussão, oficinas, imersões, formações e eventos culturais que sejam alinhados aos valores fundamentais da organização.
Para Nathália Oliveira, co-fundadora da Iniciativa Negra e coordenadora geral do Cartografias de Bambas, “investigar a constituição do samba em alguns territórios do Brasil é observar tecnologias comunitárias de resiliência da população negra, pois sabemos que a história do samba assim como a proibição das drogas também é marcada pela criminalização de comunidades negras e pobres, portanto entendemos que a continuidade dessa cultura até os tempos atuais faz do samba um dos principais dispositivos de resistência e constituição de variados sentidos para muitas gerações da comunidade negra.
Revisitar essa história tomando como perspectiva principal sujeitos que dedicaram suas vidas a esse universo, também foi a maneira que encontramos de marcar o protagonismo desses griôs e a importância de suas trajetórias para as gerações que virão. Para nós que lidamos diariamente com o universo de destruição da guerra às drogas, celebrar nossos heróis populares vivos é uma fonte de aprendizado e esperança em nossas lutas”.
O Cartografias de Bambas é fruto de uma emenda parlamentar do mandato da Deputada Leci Brandão, e é realizado em parceria com Alma Preta Jornalismo, Ponte Jornalismo e Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo.