Bolsonaristas mentem e dizem que Trump vai boicotar o GPS do Brasil. A tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos segue após o governo norte-americano anunciar a revogação do visto do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida, segundo o secretário de Estado Marco Rubio, seria uma resposta à suposta “caça às bruxas” contra o ex-presidente inelegível, réu por uma série de crimes, Jair Bolsonaro (PL). Entenda na TVT News.
A crise acendeu mais um alerta após aliados de Bolsonaro sugerirem que os EUA poderiam adotar sanções mais severas, entre elas, o bloqueio do sistema GPS no Brasil. Nas redes sociais, mensagens alarmistas circularam apontando para um “colapso nacional”, com paralisação de 75% da agricultura, queda do sistema bancário e caos aéreo.
Mas, afinal, seria mesmo possível os EUA “desligarem” o GPS no Brasil? E, se fosse, isso representaria um apagão tecnológico irreversível? A resposta de especialistas é relativamente simples: não.
O que é o GPS e por que ele é importante?
Criado pelo Departamento de Defesa dos EUA, o GPS (Global Positioning System) é um sistema de geolocalização via satélite que opera com cerca de 31 satélites em órbita e fornece localização precisa para celulares, aviões, navios, tratores, tornozeleiras eletrônicas e serviços bancários, e é gratuito para uso civil.
Desde os anos 1990, sua aplicação ultrapassou os fins militares e tornou-se essencial para a economia moderna.
É possível cortar o GPS só para o Brasil?
Segundo o engenheiro Eduardo Tude, especialista em telecomunicações, isso seria tecnicamente inviável:
“É como sinal de TV aberta: os satélites transmitem para o planeta inteiro, e o receptor capta esse sinal. Para cortar só no Brasil, os EUA teriam que mudar a forma de transmissão globalmente, afetando até seus próprios usuários.”
Além disso, qualquer tentativa de bloqueio localizado, como jamming (interferência) ou spoofing (sinal falso), exigiria presença física no território brasileiro, o que seria considerado ato hostil ou de sabotagem.
Dependência tecnológica do GPS americano
Embora o cenário de bloqueio seja improvável, analistas apontam a excessiva dependência brasileira do GPS americano. Isso vale para áreas críticas como:
- Agricultura de precisão
- Mineração
- Aviação civil
- Bancos e sistemas financeiros
- Telecomunicações
Esses setores utilizam o GPS não apenas para localização, mas também para sincronização de tempo, essencial para transações eletrônicas e comunicação em rede.
“O problema não é o boato, mas a realidade da nossa dependência”, explica a astrofísica Ana Apleiade, da USP. “Precisamos de soberania tecnológica para garantir segurança e autonomia.”
As alternativas ao GPS
Apesar do alarde, o Brasil já tem acesso a outros sistemas de navegação por satélite. A maioria dos dispositivos modernos utiliza simultaneamente múltiplas constelações GNSS (Global Navigation Satellite Systems). Entre elas:
- Galileo (União Europeia): Mais preciso que o GPS, com margem de erro de até 1 metro. Desde 2023 oferece serviço de alta precisão com 20 cm de margem.
- GLONASS (Rússia): Com 24 satélites e estações de controle instaladas em universidades brasileiras, oferece cobertura regional aprimorada.
- BeiDou (China): Mais de 35 satélites, alta precisão global e recursos exclusivos como mensagens de texto via satélite.
- NavIC (Índia) e QZSS (Japão): Sistemas regionais que também oferecem respaldo.
Compatibilidade
Sim. Smartphones, drones, maquinário agrícola, aviões e veículos mais modernos já operam com múltiplos sistemas. A transição seria quase automática em muitos casos, sem necessidade de substituição de equipamentos.
Eventual ruptura
Setores como transporte urbano e navegação civil se adaptariam rapidamente. No entanto, áreas como agricultura, mineração, bancos e telecomunicações precisariam de entre 1 e 2 anos para adaptação completa, com investimentos estimados entre R$ 2 bilhões e R$ 5 bilhões.
Soberania tecnológica
A crise revela uma vulnerabilidade estratégica: a ausência de investimentos robustos em soberania digital e espacial.
Enquanto potências como China, Rússia, Índia e UE desenvolveram seus próprios sistemas, o Brasil segue dependente de infraestrutura estrangeira, sem planos nacionais estruturados.
“Não é sobre desligar ou não o GPS. É sobre construir autonomia para que isso nunca seja uma preocupação real”, afirma o coronel da reserva Júlio Shidara, da Associação das Indústrias Aeroespaciais Brasileiras.
O risco de os EUA bloquearem o GPS no Brasil é, do ponto de vista técnico e geopolítico, extremamente improvável. A narrativa alarmista serve mais para fins políticos do que como alerta realista.
FAQ — GPS no Brasil
1. O Brasil paga para usar o GPS dos EUA?
Não. O sinal civil do GPS é gratuito e aberto a todos. O custo recai apenas sobre o hardware, como celulares e equipamentos de navegação.
2. Os EUA podem desligar o GPS só no Brasil?
Não. O sistema é transmitido globalmente. Para cortar o sinal só no Brasil, seria necessário alterar toda a transmissão global, o que afetaria também outros países e empresas americanas.
3. Há alternativas ao GPS no Brasil?
Sim. O país já utiliza outros sistemas como o Galileo (UE), GLONASS (Rússia) e BeiDou (China), todos operando em paralelo ao GPS.
4. Dispositivos brasileiros são compatíveis com esses outros sistemas?
Sim. A maioria dos aparelhos modernos, como celulares, drones e maquinário agrícola, já funcionam com múltiplos sistemas GNSS.
5. Se o GPS fosse bloqueado, o que aconteceria?
Haveria impacto em setores como agricultura, mineração e telecomunicações. Mas a transição para outros sistemas é viável e, em muitos casos, automática.
6. O Brasil tem um sistema próprio de navegação?
Não. O país ainda não desenvolveu uma constelação própria de satélites de navegação, o que compromete sua autonomia estratégica.
7. Por que o Brasil não investiu em um sistema próprio?
Faltam políticas de longo prazo, financiamento e articulação institucional para investir em infraestrutura espacial.
8. O uso político desse tema é legítimo?
Não. Especialistas alertam que o alarmismo serve a agendas políticas específicas, mas prejudica o debate técnico e estratégico que o tema merece.