Artigo de Michel Lenz para a TVT News.
Guerra de Narrativas em 2026: Como Governo e Oposição Estão Jogando o Jogo da Comunicação
Por Michel Lenz
As eleições de 2026 ainda não começaram oficialmente, mas, do ponto de vista da comunicação política, a “campanha” já está em campo faz tempo. O que vemos hoje é uma verdadeira guerra de narrativas, em que governo e oposição disputam menos o “tempo de TV” e mais o algoritmo, o imaginário coletivo e a capacidade de transformar indignação, medo e esperança em voto.
De um lado, o governo chega com estrutura, comando político e máquina pública, mas com histórico de atraso e erros no ambiente digital. Do outro, a oposição possui uma infraestrutura comunicacional robusta e descentralizada, porém enfrenta uma crise de liderança e fragmentação narrativa.
Neste artigo, não escrevo para defender governo ou oposição. A proposta é fazer uma leitura estratégica, técnica e descritiva de como cada campo tem se posicionado na disputa de narrativas, apontando forças e fragilidades dos dois lados, sem juízo de mérito sobre projetos de país ou preferência partidária.
1. O Governo: profissionalização tardia em um ambiente hostil
A virada de chave: quando o governo percebeu que estava perdendo
Depois de quase dois anos apanhando diariamente nas redes, o governo fez algo raro: admitiu erro em comunicação. A partir da entrada de uma nova direção na Secom, em janeiro de 2025, a estratégia mudou.
Alguns movimentos foram decisivos:
- “Linguagem TikTok”
As redes oficiais abandonaram o tom exclusivamente sisudo e passaram a usar vídeos curtos, trends, bastidores, humor e conteúdos “memeficados”, inspirando-se em cases bem-sucedidos de gestores municipais. - Cheques maiores na mídia digital
Durante a tramitação de pautas populares, como isenção de IR para faixas mais baixas de renda ou debates trabalhistas como a escala 6×1, o governo aumentou em múltiplas vezes o investimento em anúncios nas redes. Em alguns casos, chegou a gastar milhões em poucas semanas, com campanhas hipersegmentadas, focadas em explicar benefícios concretos para o bolso do eleitor. - Comparação estruturada com o governo anterior
O partido governista organiza materiais “governo A x governo B” estado por estado, mostrando obras, empregos e investimentos locais. É a tática clássica de campanha de reeleição: transformar o debate em comparação entre dois mundos possíveis, não em ideal abstrato. - Rebrand simbólico: do vermelho ao verde-amarelo
Ao reduzir o vermelho predominante por verde e amarelo nas peças de TV e nas redes, o campo governista tenta se aproximar de símbolos nacionais. A imagem do presidente em palcos internacionais, falando na ONU, é contraposta ao adversário isolado política e juridicamente.

Em resumo, o governo deixou de apenas “tentar explicar” suas decisões e passou a tentar pautar alguns temas com potencial de ganho direto de imagem, assim operando com uma lógica mais clara de branding político.
Mas a lógica ainda é analógica em um mundo digital
Apesar dessas mudanças, o diagnóstico estrutural continua duro.
- Reatividade continua sendo a regra
Episódios como a “crise do Pix” mostraram que o governo ainda anuncia medidas sem preparar previamente o terreno narrativo. A oposição batiza o tema, viraliza o enquadramento negativo e só depois o governo tenta “explicar direito”. - Ministérios em “silos de comunicação”
Pastas comunicam ações de forma isolada, com pouca articulação em torno de uma narrativa-mãe. Isso dilui o sentido de projeto e impede que as políticas sejam percebidas como parte de uma visão integrada de país. - Políticas pensadas sem lógica de narrativa
O problema não é só “postar mal”. É fazer política pública sem levar em conta, desde o desenho, como aquilo será compreendido nas redes. A comunicação entra depois, tentando traduzir algo que nasceu tecnocrático e foi entregue em um ambiente hiper emocional e hiper-resumido. - Base digital atrasada
A formação de militantes e quadros para guerra de redes começou depois da direita e ainda está em estágio inicial, principalmente se comparada à capilaridade do campo conservador. - Descompasso geracional
A principal liderança do governo é um ativo eleitoral imenso, mas não é nativa digital. Isso exige mediação para “traduzir” a figura para as novas linguagens. Essa adaptação está em curso, mas ainda oscila entre o autêntico e o artificial.
Em termos de estratégia, o governo tem comando, narrativa geral e máquina, mas ainda está aprendendo a jogar o jogo neste terreno onde as eleições também são disputadas.
2. A Oposição: um exército digital sem “general”
Se o governo pecou por subestimar o peso do ambiente digital, a oposição seguiu o caminho oposto: construiu, ao longo da última década, uma máquina orgânica de comunicação muito mais potente, e hoje colhe os frutos disso. Mas ainda assim tem um problema: falta coordenação e falta sucessor claro.

A vantagem estrutural da direita no ecossistema digital
- Rede de plataformas e mídias próprias
Canais de vídeo, redes de notícias “alternativas”, podcasts, newsletters, grupos em aplicativos de mensagem e produtores de conteúdo formam um circuito paralelo que disputa (e muitas vezes substitui) a grande imprensa na cabeça de milhões de pessoas. - Formação contínua em comunicação política
Seminários periódicos com parlamentares, influenciadores e militantes. Em vez de reclamar dos algoritmos, treinam os apoiadores para usar os algoritmos a seu favor, geração de textos, roteiros, vídeos e criativos em escala industrial. - Modelo descentralizado e resiliente
A oposição opera com lógica de rede: influenciadores, líderes, políticos locais, empreendedores e “tios e tias do zap” funcionam como pequenos pólos de difusão, reforçando mensagens sem depender de um único canal central. Isso torna o sistema resiliente. - Domínio da gramática do conflito
A oposição entende perfeitamente que a matéria-prima do algoritmo é emoção forte: indignação, medo, ressentimento, sensação de injustiça.
Isso garante uma presença digital contínua, capilar e emocionalmente intensa, especialmente em temas como corrupção, segurança pública, custo de vida, valores morais e crítica às instituições.
O ponto fraco: Quem é a figura que representa tudo isso?
A grande fragilidade da oposição, hoje está menos na capacidade de comunicar e mais na crise de comando político:
- Prisão e inelegibilidade da principal liderança
A figura que deu coesão à direita está inelegível, sob forte restrição jurídica e hoje, preso preventivamente. Isso interrompe reuniões de articulação e dificulta decisões sobre sucessão e deixa o partido em modo “esperar o que ele vai dizer”. A estrutura continua rodando, mas sem roteiro claro de 2026. - Fragmentação de pré-candidatos
Governadores, figuras públicas, herdeiros políticos e lideranças regionais testam sua própria comunicação, com marqueteiros, equipes e discursos diferentes. Um investe na imagem de gestor, outro na guerra cultural, outro em liberalismo econômico, e o eleitor médio assiste a uma espécie de competição interna em vez de um projeto comum. O resultado é uma comunicação poderosa em volume, mas dispersa em direção: cada um fala com sua “bolha”. - Cacofonia narrativa
Enquanto o governo começa a organizar um discurso comparativo (“antes x agora”) em seu favor, a oposição dispersa sua energia entre múltiplas narrativas: perseguição judicial, insegurança pública, custo de vida caro, anticomunismo, corrupção e etc. Tudo isso tem impacto na base, mas não necessariamente produz convergência para o centro, sem uma narrativa-mãe suficientemente clara que organize todos esses vetores em um projeto nacional de futuro. - Dependência simbólica de quem não pode disputar
Grande parte do conteúdo da oposição ainda gira em torno de defender, exaltar ou vitimizar quem, em princípio, não estará na urna. Isso mantém a chama acesa no núcleo duro e a base mobilizada, mas atrasa a construção de uma liderança alternativa com musculatura nacional.
Na prática, a oposição tem uma Ferrari de comunicação, mas segue discutindo quem será o piloto e qual estratégia seguirá na pista.
3. Quem está jogando melhor?
Se compararmos governo e oposição em três dimensões, o quadro é o seguinte:
- Infraestrutura de comunicação digital
A oposição está à frente: mais capilaridade, mais organicidade, mais tempo de estrada nas redes. - Comando político e capacidade de unificação
O governo leva vantagem: tem liderança clara, narrativa comparativa estruturada e alinhamento mínimo entre partido e máquina estatal. - Momento tático
Há equilíbrio: o governo vem de algumas conquistas narrativas importantes, a oposição preserva grande força digital, mas ainda não resolveu sua crise de comando.
No fim das contas, a guerra de narrativas em 2026 não será vencida apenas por quem tem mais seguidores ou mais dinheiro. Será vencida por quem conseguir:
- Transformar comunicação em projeto de país compreensível,
- Sair da própria bolha e dialogar com o eleitor silencioso,
- Converter vantagem comunicacional em maioria eleitoral concreta.
Hoje, o governo corre contra o tempo para corrigir seu atraso no ambiente digital. A oposição corre contra o tempo para encontrar uma liderança capaz de conduzir a máquina que já tem. A campanha ainda nem começou oficialmente, mas uma coisa é certa: o resultado de 2026 será decidido muito antes do horário eleitoral. Será decidido, todos os dias, na vida real e no feed.
Sobre o autor
Michel Lenz é apaixonado por estratégia, inovação, ideias e projetos, pelos tatames e a filosofia do jiu-jitsu, sua vida é a família (Papai de Alice). Estrategista de Marketing e Comunicação, Fundador e CEO da IntMark – Inteligência de Marketing, Cofundador da Alcateia Política, Sócio/CMO da #Ninjas! Contabilidade, Professor de Jiu-Jitsu na Union Team. Possui MBA em Marketing Político e Comunicação Governamental, MBA em Gestão de Marketing e Comunicação, Bacharel em Sistemas de Informação. Atua com marketing político desde 2016 com campanhas eleitorais e mandato, como estrategista de campanha, estrategista de marketing e comunicação e coordenador de equipe, além de realizar diagnósticos de presença digital.
